Em 19 meses, António Costa teve 19 greves. Passos o dobro

  • Marta Santos Silva e Raquel Sá Martins
  • 25 Maio 2017

"Enquanto se negoceia não se luta." Amanhã é a terceira greve geral da Função Pública no Governo de António Costa, mas o setor parou mais com Passos Coelho. O que mudou e o que ficou na mesma?

Esta sexta-feira a Função Pública sai à rua, convocada pela CGTP. É a terceira greve geral do setor no mandato de António Costa, que já vai em 19 meses. Comparado com o mandato anterior, os sindicatos estão mais calados? O que dizem os números? O ECO foi contar e comparar: os sindicatos da Função Pública eram mais barulhentos no Executivo de Passos Coelho? Havia mais cartazes com mensagens de protesto em São Bento? Sim, e não: depende dos setores.

No total, torna-se claro que as greves sob Passos Coelho eram mais frequentes. O ECO foi contar as paralisações no setor público durante o mandato de António Costa, e nos 19 meses anteriores às eleições legislativas de 2015, no final do mandato de Pedro Passos Coelho, e a diferença é clara: 19 greves para Costa, 36 greves para Passos, quase o dobro das verificadas com o seu sucessor. Quer isso dizer que os sindicatos da Administração Pública andam mais silenciosos? O que se passa nos bastidores? Mais à frente, falamos de dois setores contrastantes: enquanto nos transportes as greves caíram drasticamente de Passos para Costa, os enfermeiros continuam a fazer paralisações quase com a mesma frequência.

Infografia de Raquel Sá Martins

Primeiro, o esclarecimento: de onde vêm estes números? O ECO decidiu comparar um período de tempo contínuo — os últimos 19 meses do mandato de Pedro Passos Coelho, de março de 2014 a setembro de 2015, com os 19 meses em que António Costa esteve no Governo, de novembro de 2015 até maio de 2017 — e olhar para as greves nos setores dos transportes, da saúde e da educação. Os últimos 19 meses de Passos coincidem já com um período praticamente sem troika (que abandonou o país oficialmente em maio de 2014) e com a economia a recuperar, tendência que se manteve com Costa em 2016 e continua em 2017.

Foram contabilizadas greves com impacto no horário normal de trabalho (não foram incluídas, por exemplo, greves às horas extraordinárias) e as greves gerais da Função Pública. Como foram contadas? Através da compilação das notícias na comunicação social sobre a adesão às greves — assim, pode ter havido greves menos mediatizadas que não tenham sido incluídas nesta contagem.

Um olhar de relance mostra que as greves diminuíram. Porquê? O secretário-geral da CGTP, Arménio Carlos, disse ao ECO que, “desde logo, houve um conjunto de reivindicações da Administração Pública que foram respondidas” quando houve mudanças em São Bento a partir de novembro de 2015, com exemplos: “A reposição das 35 horas de trabalho semanal, a reposição dos feriados, a abertura para o Governo negociar a regularização dos trabalhadores com vínculos precários…”. Para Arménio Carlos, “se há resposta às reivindicações, os trabalhadores não vão lutar contra aquilo que reivindicaram”.

José Abraão, dirigente da FESAP (Federação de Sindicatos de Administração Pública) afeta à UGT, diz que “a razão fundamental tem sido a abertura negocial que vem sendo manifestada pelo Governo”. Para o sindicalista, os compromissos negociais, como aquele que a FESAP assinou recentemente com o Ministério das Finanças, fazem com que não seja necessário sair à rua para reivindicar as exigências. “Enquanto se negoceia não se luta”, afirmou.

Por altura da última greve geral da Função Pública, convocada para poder trazer a Lisboa funcionários públicos de todo o país e que, no dia 18 de novembro do ano passado, fechou escolas e encerrou serviços hospitalares, o ECO procurou junto de politólogos e sociólogos as motivações dos sindicatos num período em que o acordo parlamentar de esquerdas, conhecido como “Geringonça”, parece satisfazer muitas das suas reivindicações. “Parece-me que têm canais de diálogo fáceis agora”, afirmou Jorge Malheiros, do Centro de Estudos Geográficos, defendendo que há, assim, menos necessidade de sair à rua para exigir uma porta aberta para negociar. “Os tempos mudaram, e ainda bem”, disse o politólogo José Adelino Maltez. “É ver, pela primeira vez, a Intersindical a sentar-se à mesa e a produzir declarações de compromisso com o sistema político, e os patrões a passarem a ser a oposição”.

O histórico dirigente sindicalista Manuel Carvalho da Silva, que deixou a liderança da CGTP em 2012, rejeita fazer grandes avaliações das repercussões do ano que passou. “Não se pode analisar a ação dos sindicatos apenas por aquilo que eles fazem ou não fazem comparativamente com situações anteriores”, explicou ao ECO o atual coordenador do Centro de Estudos Sociais em novembro, questionado sobre a redução do número de greves. “Mudam os contextos. Há múltiplos campos que se cruzam: o clima de diálogo ou inexistência de diálogo, regulações ou não regulações entre o financeiro e o económico…”

Esse clima de diálogo não afeta todos os setores igualmente. Se olharmos para as greves gerais, por exemplo, nos períodos em análise, Pedro Passos Coelho viu apenas uma paralisação generalizada na Administração Pública, enquanto António Costa, a contar com a de amanhã, conta com três — uma pelo regresso às 35 horas, outra para reivindicar a integração de precários, e a de amanhã, convocada pela Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública (FNSTFPS), motivada por várias reivindicações: as 35 horas para todos, visto que há trabalhadores que ainda não estão abrangidos, e os aumentos salariais estão entre elas. Mas os contrastes são fortes: nos transportes, houve muito menos greves com Costa; no caso dos enfermeiros, a intensidade mantém-se. Quais as diferenças?

O que mudou tanto para os transportes?

As indicações de que algo mudara nos transportes começaram logo no início do mandato Costa. Uma greve parcial do metro de Lisboa para os dias 9, 10 e 11 de dezembro de 2015 foi desconvocada, numa decisão considerada “histórica” por Anabela Carvalheira, da Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações (Fectrans), à TVI 24, por ter sido encontrado um entendimento com o novo Governo sobre a abertura de um processo de negociação.

A diferença é flagrante. Os últimos 19 meses de Passos Coelho viram 24 greves dos transportes (entre a CP, a Refer, a Soflusa, a Transtejo, a Carris, o Metro de Lisboa, os STCP e a TAP), e os primeiros de Costa apenas duas, da CP e dos STCP. O que mudou?

Para José Manuel Oliveira, da Fectrans, afeta à CGTP, o principal motivo da redução das greves foi a resolução rápida de vários conflitos diferentes. Desde a reposição dos salários dos funcionários públicos à paragem da privatização das empresas onde essa estava em curso, passando por “matérias relativas a carreiras profissionais” e a questões de contratação coletiva em certas empresas, o período tem sido de soluções. “Como há negociação, há sempre expetativa na resolução de problemas. Ao Governo anterior podíamos fazer propostas, que a resposta era sempre a mesma. Agora tem havido propostas e respostas”, afirma o sindicalista ao ECO.

Mas ainda há coisas por resolver nesta área, sublinha o dirigente sindical: “Uma delas é o funcionamento das empresas em condições de prestarem um serviço de qualidade aos utentes, o que tem a ver com a questão dos equipamentos. Tem havido uma degradação ao longo destes últimos anos e não estão a ser ainda resolvidos esses problemas, apesar de haver um discurso neste sentido”.

Porque mudou tão pouco para os enfermeiros?

Na área da saúde, António Costa leva a vantagem ao seu antecessor em termos de greves. Começando pela mais recente, a dos médicos, também já paralisaram funcionários dos hospitais, técnicos de diagnóstico e, em especial, os enfermeiros, que fizeram greve oito vezes, para sete com Pedro Passos Coelho nos últimos 19 meses de mandato. “A principal causa que nos tem levado a desenvolver uma série de períodos de greve tem a ver com a falta de enfermeiros que se mantém“, diz Guadalupe Simões, dirigente nacional do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP). Também preocupa a sindicalista que os enfermeiros com contrato individual de trabalho ainda não tenham acesso às 35 horas de trabalho semanal, assim como “a revisão da grelha salarial”.

Como se compara este Governo ao anterior? Guadalupe Simões responde de forma contrária ao que o número de greves parece indicar. “Há maior abertura e compromisso, é verdade”, reconhece. “Vamos ver se se concretiza”.

“Há atualmente um compromisso assumido por parte do Ministério da Saúde de resolver os problemas, comparativamente ao anterior Governo cuja perspetiva de realização nem sequer existia”, afirma. No entanto, “os enfermeiros não esquecem que este mesmo Governo no ano passado, em junho, assumiu que as 35 horas seriam para todos os enfermeiros independentemente do vínculo e depois recuou”.

O poder da greve… que pode estar de volta

Para que serve, afinal, uma greve? Para José Abraão, “tem sempre duas vertentes”. O sindicalista explica: “A primeira é a sensibilização da opinião pública para os problemas que motivaram a emissão do pré-aviso de greve, a sua visibilidade, o impacto nos serviços. A segunda é, se os governos têm sensibilidade e bom senso, procurarem interpretar aquilo que está no pré-aviso de greve” como uma necessidade de ação e mudança.

Também Arménio Carlos considera que, “a partir do momento em que há uma grande participação, isso dá mais força negocial” ao sindicato, por ter “a força de dezenas de milhares de trabalhadores que na sua retaguarda dizem ao governo que estão com o seu sindicato”.

E as greves podem estar de regresso em força. “Já temos para sexta-feira anunciada uma greve da Função Pública”, relembra Arménio Carlos, da CGTP, sobre a paralisação de amanhã, que se espera venha a afetar os serviços. “Face a alguma estagnação do Governo em relação às reivindicações dos trabalhadores, está a haver algum aumento da contestação”.

Ao ECO, José Manuel Oliveira, da Fectrans, ficou no mesmo tom: “Começamos também a sentir que isto já andou melhor do que está a andar agora”, referiu. “O facto é que começamos a ter menos respostas aos problemas”, afirmou o sindicalista.

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