Crise implicou mais horas de trabalho em Portugal, mas menos em Espanha

A diferença não se nota apenas nas horas trabalhadas. A dívida pública cresceu mais em Portugal e a economia menos. Em comparação com Espanha, Portugal só fica bem na figura das exportações e turismo.

Fotomontagem de Raquel Sá Martins.

O ano 2008 é dado como o início oficial da mais recente crise financeira mundial. Na Europa o cataclismo nas dívidas soberanas viria a acontecer pouco depois. Numa comparação entre Portugal e o seu vizinho ibérico, em vésperas da 29.ª Cimeira Luso-Espanhola, Espanha, mostra que os trabalhadores portugueses passaram a trabalhar mais tempo, em comparação com 2015. Segundo uma publicação do INE divulgado esta sexta-feira sobre a realidade ibérica, os trabalhadores espanhóis passaram a trabalhar menos horas no mesmo período, mas Espanha cresceu mais e tornou-se mais produtiva do que Portugal.

Há cerca de uma década, o trabalhador português trabalhava em média, numa semana, 41 horas e 36 minutos. Sete anos depois, em 2015, o mesmo trabalhador já estava a trabalhar quase mais uma hora: 42 horas e 24 minutos por semana a tempo inteiro. Ainda assim, Portugal não era nesse ano o país onde mais tempo se trabalhava. Esse troféu estava nas mãos dos gregos que trabalhavam em 2015 durante 44 horas e 30 minutos por semana. Do lado oposto estava a Dinamarca onde se trabalhava, em média, 39 horas por semana.

O caso de Espanha diverge com o de Portugal. Os trabalhadores espanhóis passaram de trabalhar 41 horas e 48 minutos, em 2008, para trabalhar 41 horas e 24 minutos em 2015. Ou seja, durante a crise, os espanhóis viram o seu horário de trabalho diminuir 24 minutos, em média. Aliás, para o conjunto da União Europeia registou-se um valor igual em 2015, de 41 horas e 24 minutos trabalhadas por semana. Em média, os portugueses trabalharam nesse ano mais uma hora do que os seus pares europeus. Apenas no Reino Unido, Áustria e Grécia é que se trabalhava mais.

O destaque do Instituto Nacional de Estatística envolve muitas variáveis sobre a realidade ibérica. Ainda relacionado com o mercado de trabalho, a análise “Portugal e Espanha: Realidade ibérica e comparações no contexto europeu – 2016” revela que no primeiro semestre de 2016, “os valores do salário mínimo mensal (considerando a remuneração anual dividida por 12) em Portugal e em Espanha foram, respetivamente, 618 euros e 764 euros, contrastando claramente com os valores mínimo e máximo existentes na UE: 215 euros na Bulgária e 1.923 euros no Luxemburgo”. Ou seja, nessa data, o salário mínimo era 146 euros maior em Espanha, face a Portugal.

Além disso, o nível de qualificações dos trabalhadores espanhóis era mais elevado. “O nível de instrução dos empregados em 2015 era claramente mais elevado em Espanha por comparação com Portugal: enquanto em Espanha 49% tinham pelo menos o ensino superior, em Portugal 45,5% não tinham mais do que o 3.º ciclo”, explica o Instituto Nacional de Estatística. Acresce que em Espanha existe um maior peso na força de trabalho dos empregados estrangeiros, tanta da União Europeia como de fora da UE.

PIB per capita desceu mais em Espanha

A economia espanhola é maior e está a recuperar a um ritmo superior do que a portuguesa. Ainda assim, o INE assinala que “no período 2006-2015, o PIB per capita em Portugal foi sempre inferior ao verificado em Espanha, apesar deste ter registado uma descida mais acentuada”. Contudo, dado que a produtividade caiu mais acentuadamente em Portugal, a economia espanhola registou taxas de variação anuais mais fortes, nomeadamente em 2015, ano em que Espanha já estava a crescer mais do que 3% e Portugal a metade desse ritmo.

Contudo, uma das principais diferenças entre os dois países verifica-se no peso no Produto Interno Bruto (PIB) da dívida das Administrações Públicas. Em 2006 a diferença entre a dívida portuguesa e a dívida espanhola era de 21,2 pontos percentuais. Quase uma década depois, a diferença entre a dívida portuguesa e a dívida espanhola era de 29,2 pontos percentuais. O INE resume: “Em Espanha, passou de 38,9% em 2006 para 99,8% em 2015; em Portugal, a alteração foi de 60,1% em 2006 para 129,0% em 2015”.

Mas há um indicador em comum: tanto em Portugal como em Espanha, o mercado interno europeu perdeu peso como destino das exportações no período entre 2006 a 2015. “Sobretudo entre 2006 e 2013, registando-se alguma recuperação nos dois anos seguintes”, refere o INE, acrescentando que “no caso das importações com origem na UE, também no período 2006-2015, registaram-se oscilações de perfil idêntico em ambos os países, com valores muito próximos no início e no final de cada série, que foram sempre mais elevados em Portugal (2006: 77,0%; 2015: 76,5%) do que em Espanha (2006: 61,8%; 2015: 60,6%)”.

Espanha tem um peso significativo nas exportações portuguesas, sendo este destino responsável por cerca de um quarto do total das exportações nacionais. O peso é ainda maior nas importações, ou seja, nos produtos espanhóis que os portugueses compram. Contudo, o peso de Portugal nas exportações espanholas é consideravelmente mais baixo, cerca de 7,3%, em 2015. A economia espanhola tem parceiros comerciais mais diversificados, sendo os principais França, Alemanha e China.

“A classe de produtos mais comercializada entre os dois países em 2015 – quer num sentido, quer noutro – foi a dos ‘Veículos automóveis, tratores, ciclos e outros veículos terrestres, suas partes e acessórios’: 10,3% das exportações de Portugal para Espanha e 9,6% das exportações da Espanha para Portugal”, explica o INE. Nesta parceria comercial, é Portugal quem fica a perder a nível da balança comercial: são quase oito mil milhões de euros de défice comercial de bens para o lado português.

Turismo, o ouro da Península Ibérica

O período da crise foi de evolução significativa no turismo em ambos os países. Entre 2006 e 2015, o movimento de passageiros nos aeroportos aumentou, quer em Espanha, quer em Portugal. Contudo, esse aumento em termos absolutos foi maior nos aeroportos espanhóis: mais 24.054.000 mil passageiros em Espanha e mais 13.977.000 em Portugal. Contudo, em termos relativos foi maior em Portugal com a chegada de mais 63,4% de passageiros face a 16% em Espanha.

Já a taxa de crescimento das camas em estabelecimentos hoteleiros, no período 2006-2015, “registou trajetórias oscilantes, quer em Portugal, quer em Espanha”. Contudo, “os valores parecem indiciar uma tendência de crescimento em Portugal e uma tendência de decréscimo em Espanha”, indica o INE. Ainda assim, o número de dormidas em estabelecimentos hoteleiros aumentou mais em Espanha do que em Portugal. Porém, “em termos relativos o aumento foi maior em Portugal: 6,7% (contra 4,4% em Espanha)”, acrescenta o relatório. A taxa de ocupação-cama foi maior na Madeira (60,5%).

A Península Ibérica é o destino de muitos britânicos e alemães. “Os turistas com residência no Reino Unido e na Alemanha foram os que mais noites pernoitaram nos estabelecimentos hoteleiros de ambos os países ibéricos em 2015”, explica o Instituto Nacional de Estatística. “Registe-se ainda que, no caso de Portugal, os turistas com residência em Espanha ocupam o terceiro lugar, com 10,7%, mas Portugal não integra sequer o grupo dos dez países cujos residentes mais pernoitam em Espanha“, concluiu o destaque que faz uma análise comparativa dos dois países da Península Ibérica.

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