TC considera inconstitucional norma do OE16 por violar proibição de impostos retroativos
Decisão vale só para um caso, mas fiscalistas acreditam que dará força a empresas que possam reclamar. Norma está ligada à impossibilidade de dedução do PEC na tributação autónoma até 2016.
O Tribunal Constitucional considerou inconstitucional parte de uma norma do Orçamento do Estado para 2016, considerando que viola a proibição de criação de impostos com natureza retroativa. Ainda que a decisão se aplique apenas a um caso em concreto, os fiscalistas acreditam que esta posição dará mais força a empresas que estejam a tempo de reclamar.
Em causa está parte do artigo 135.º do Orçamento do Estado: este vem atribuir natureza interpretativa a uma outra norma do Código do IRC (também aditada pelo Orçamento do Estado de 2016), que estabelece que ao montante das tributações autónomas liquidadas em sede de IRC não podem ser deduzidos os valores do PEC pagos nesse mesmo ano. Com caráter interpretativo, esta norma estende-se a anos fiscais anteriores a 2016 e é precisamente este ponto que o TC vem agora chumbar.
Ainda que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) argumente que a norma interpretativa não traz nada de novo e que se destina a conferir maior certeza e igualdade na aplicação da lei, o TC entende que aquela solução é inovadora e a aplicação a anos fiscais anteriores ao da entrada em vigor da lei “torna-a, por conseguinte, substancialmente retroativa“.
“Dado o conteúdo gravoso para os contribuintes da nova solução legal — visto que tende a agravar o quantum devido a título de IRC –, a pretensão de a mesma se aplicar a anos fiscais anteriores ao do início da sua vigência mostra-se flagrantemente incompatível com a proibição constitucional de impostos retroativos”, diz o TC no acórdão datado de 31 de maio, publicado esta quarta-feira em Diário da República.
Esta decisão vale apenas para um caso em concreto — em causa está um recurso interposto pela AT para apreciar a norma, depois de o tribunal arbitral ter dado razão a uma empresa em maio de 2016, invocando também outras decisões no mesmo sentido. No acórdão do TC, pode ler-se que “não deve o Tribunal Constitucional corrigir a interpretação da norma recusada aplicar pelo tribunal a quo nem inverter o juízo de inconstitucionalidade por este formulado”.
Porém, serão necessários três acórdãos do TC no mesmo sentido para que a inconstitucionalidade possa ser declarada com força obrigatória geral, e, assim, ser eliminada da ordem jurídica. Quer isto dizer que os tribunais ainda podem decidir noutro sentido. Mas este passo do TC já é um sinal que merece ser tido em conta, dizem os especialistas consultados pelo ECO.
“A decisão é só para o caso concreto, para outros casos a administração tributária pode continuar a sustentar a natureza interpretativa da norma, mas chegando a tribunal, é natural que com a sustentação dessa jurisprudência, o contribuinte tenha hipóteses de vitória“, diz o advogado especialista em Direito Fiscal João Espanha.
Também Miguel Puim, da EY, entende que esta “é a melhor estimativa hoje do que será a posição do TC relativamente ao tema”. Ainda assim, tendo em conta que decisão não foi unânime — houve uma declaração de voto — poderá existir no futuro “uma rutura sobre a matéria no TC”, nota, por seu turno, o fiscalista Manuel Faustino.
E agora?
“Desde que estejam em prazo para reclamar da liquidação que não considerou essa dedução [do PEC], as empresas em princípio podem reclamar“, avisa João Espanha. Porém, salienta Manuel Faustino, “a AT pode não aceitar, sendo que do despacho de não-aceitação pode caber recurso judicial dessa decisão”.
“A devolução [de montantes não deduzidos] será feita relativamente às empresas que espoletem os meios processuais necessários para revisão ou reclamação dos anos passíveis de ajustamento por parte da AT”, acrescenta, por seu turno, Miguel Puim. “A reclamação tem um prazo de dois anos relativamente ao momento de autoliquidação. Eventualmente, poder-se-ia ainda apontar outro meio, a revisão do ato tributário, que, em princípio, seria suscetível de permitir a revisão relativamente aos quatro anos seguintes à autoliquidação“, explica ainda o fiscalista, apontando para o ano de 2013 como “a melhor das hipóteses”.
João Espanha acredita que não estará em causa um montante muito elevado — “nada que abane o défice”, diz — mas acredita que esta é “uma lição” para todos os governos. “Normalmente o que acontece são os serviços que convencem o Governo a colocar com natureza interpretativa uma nova redação de uma norma que, por qualquer razão, as finanças sistematicamente perdem em tribunal e, portanto, querem ganhar na secretaria”, afirma. A decisão não surpreende e “muitas mais se seguirão”, acredita João Espanha.
Também Miguel Puim entende que esta alteração “é mais do que uma mera questão interpretativa”, já que “adiciona um elemento novo à forma de liquidação do imposto”. O fiscalista explica que a decisão de que o PEC é dedutível à tributação autónoma até 2016 “favorece todas as empresas”, mas “acaba por ser indiferente para empresas sem tributação autónoma, o que será uma raridade, ou para as que já tivessem coleta de IRC suficiente para absorver o PEC”.
O ECO enviou um conjunto de questões ao Ministério das Finanças mas não obteve resposta até ao momento.
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