O que pensa Catarina Martins? Leia o que diz lá fora

A bloquista deu uma entrevista à New Left Review onde confessa que a maioria chegou "a um dos pontos mais difíceis do acordo". Catarina Martins diz ainda que o Presidente quer a "normalização" do BE.

Catarina Martins, líder do Bloco de Esquerda.PAULA NUNES / ECO

“Catarina Martins: a experiência portuguesa”. É este o título do artigo da edição de julho-agosto da revista britânica New Left Review. Numa longa entrevista, a líder do BE fala sobre o seu percurso político de independente do BE até líder que protagoniza um acordo com o PS. Catarina Martins revela que o PS nunca quis realmente negociar com o Bloco de Esquerda, que Marcelo quer a “normalização” do seu partido e que a atitude da UE perante Portugal foi uma surpresa. E deixa uma confissão: “Nenhum de nós teria apostado que [a Geringonça] duraria tanto tempo”.

1. “Não acredito que o PS alguma vez quisesse realmente trabalhar connosco”

Na entrevista, Catarina Martins considera que Costa só disse, antes das eleições, que queria cooperar com a esquerda por questões internas do Partido Socialista. Para a líder do BE, o PS apostou no voto útil para derrotar a direita, lembrando “declarações muito agressivas contra o Bloco” antes das eleições de 2015. “Não acredito que o Partido Socialista alguma vez quisesse realmente trabalhar connosco”, confessa. Na análise da líder do BE, os socialistas optaram por um acordo à esquerda por causa das experiências europeias falhadas.

Um episódio que o mostra é a proposta com três condições que a líder do Bloco faz ao então candidato do PS, num debate televisivo, que foi rejeitada. “Depois das eleições, ele [Costa] aceitou essas condições”, afirma Catarina Martins, reivindicando para o BE e PCP a salvação do PS: “É o único partido social-democrata ainda de pé na Europa“. Mais à frente na entrevista, a líder do BE confessa que “a política não é uma questão de quão bem se consegue relacionar com os membros de outro partido; é uma questão de força e luta por poder”.

2. Costa não é diferente de Soares, Guterres ou Sócrates

Apesar de considerar que o atual primeiro-ministro é um negociador “duro e capaz” — “mais corajoso” do que António José Seguro, dado que “está disposto a correr riscos” –, a líder do BE considera que “não se diferencia politicamente dos seus antecessores”. Um dos aspetos semelhantes é a estrutura governativa, onde “todas as tendências do partido estão atualmente representadas”.

“O que é diferente [face aos anteriores Governos do PS] é o equilíbrio de forças”, assinala Catarina Martins, referindo que o PS teve de fazer uma escolha para “sobreviver”. Ainda assim, a própria reconhece que o acordo com a esquerda “não ameaça a estrutura económica que eles [socialistas] defendem”, dado que podem contar com o apoio da direita para a proteger — foi o caso do Banif, mas não o caso da diminuição da TSU como contrapartida da subida do salário mínimo em 2016, por exemplo.

3. Atitude da Comissão Europeia com Portugal “foi uma surpresa”

“A União Europeia suavizou a sua postura perante Portugal, pelo medo pós-Brexit” — é assim que Catarina Martins justifica a mudança de atitude da Comissão Europeia, o que “foi uma surpresa”. A votação dos britânicos em junho de 2016 beneficiou o atual Governo, na análise da líder do BE: “Eles [Comissão Europeia] não tiveram tanto tempo para encontrar dificuldades para Portugal”.

Contudo, o Bloco continua a considerar que “a pressão ainda está aí”. Porquê? Em causa está o acesso ao programa de estímulos do Banco Central Europeu, ao qual Portugal apenas tem acesso caso uma agência de rating atribua à República um nível de investimento — neste caso, a DBRS. “Ainda que não façam declarações públicas a pôr pressão no nosso Governo, existe muito que pode ser usado contra nós“, considera, referindo que não ter um sistema financeiro que possa comprar a dívida pública dá mais poder às instituições europeias.

4. Marcelo quer a “normalização” do Bloco

O atual Presidente da República “tem feito tudo para a manter a sua popularidade”, diz Catarina Martins. E, para isso, “ele até gostaria de promover a ‘normalização’ do Bloco através de uma relação mais formal com o Partido Socialista“. Apesar de não o dizer, a líder do BE aponta para os “fortes desentendimentos” entre os dois partidos para afastar uma possível coligação no futuro, rejeitando a ideia de que o PS está a ganhar votos à esquerda.

Na opinião da líder do BE, Marcelo Rebelo de Sousa tem uma “abordagem conciliadora” perante a maioria parlamentar nos seus discursos por uma só razão: “O que o Presidente iria gostar era que a esquerda radical estivesse em condições de viver com o Partido Socialista num acordo de longo termo que não teria estes momentos de tensão e não iria desafiar o consenso sobre a Europa que sempre existiu em Portugal”.

5. “Era muito importante que [o PCP] estivesse envolvido”

Questionada sobre os dias que precederam a solução governativa atual, Catarina Martins reivindica para si a sugestão inicial. “Fui a primeira a levantar a possibilidade durante a campanha”, diz. A bloquista confessa que falou diretamente com o Partido Comunista para saber “se eles iriam juntar-se neste processo também, porque era muito importante para nós [BE] que eles tivessem envolvidos”.

Só dessa forma é que, ainda que separados, ambos os partidos teriam força negocial perante o Partido Socialista. “Se se negoceia com 10% dos votos, e o outro partido tem mais de 30%, é difícil de alcançar algo”, confessa. Juntos, o BE e o PCP chegam quase a 20% dos votos — “assim fica muito mais fácil”. Contudo, Catarina Martins explica que os comunistas “enfatizaram que não queriam negociar em conjunto”. Mas, feitas as contas, a líder do BE garante que esta solução “só foi possível porque ambos os partidos se comprometeram a fazer acontecer”.

Contudo, não deixa de criticar o parceiro parlamentar. Catarina Martins classifica o Partido Comunista Português como um partido “ortodoxo” que continua a ter uma visão “muito conservadora” à esquerda. “As diferenças políticas entre os dois partidos são muito bem conhecidas e compreendidas”, garante. A líder do BE dá o exemplo dos direitos das mulheres, “algo que não existe para eles [comunistas]”. “A mudança vai chegar” ao PCP, estima. “Se nós conseguíssemos comunicar mais, poderíamos ser ainda mais fortes do que já somos”, confessa Catarina Martins, referindo que, no entanto, o PCP “ainda não está preparado”.

6. Governo quer usar crescimento económico para baixar o défice

A olhar para o futuro, Catarina Martins diz estar preocupada com o investimento público. “Para que a economia funcione, é preciso haver um mercado interno”, defende, assinalando que a devolução de rendimentos acelerou o crescimento económico. “Temos bons números a reportar perante o cenário do euro”, acrescenta, para de seguida criticar o Governo por querer atingir as metas orçamentais dos tratados europeus “em vez de investir nos serviços públicos”.

Os “frutos do crescimento económico”, na opinião da bloquista, deviam ir totalmente para as escolas, hospitais e investimento que pare a queda da qualidade dos serviços públicos. Para Catarina Martins, “este é o principal problema que enfrentamos”. De seguida, vai mais longe: “Chegamos a um dos pontos mais difíceis do nosso acordo“.

Porquê? A resposta está nas instituições europeias. “Ainda existem medidas a aguardar para serem aplicadas, mas essas são as que mais pedem uma forte confrontação com a União Europeia”, conclui. Mais à frente na entrevista, a líder do BE chega a dizer que o Partido Socialista “faz o que a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu pede para fazer”.

7. “Nenhum de nós teria apostado que [a Geringonça] duraria tanto tempo”

Ao início o desafio era aprovar na Assembleia da República o primeiro Orçamento do Estado, relativo ao ano de 2016. “Quando começamos, sabíamos que era preciso passar pelo menos um orçamento”, confirma, para de seguida confessa que “naquela altura, nenhum de nós teria apostado que [a Geringonça] duraria tanto tempo como já durou”. Era um momento de incerteza política com os mercados e os juros da dívida a absorverem o impacto da novidade de um Governo do PS coligado ao BE e PCP.

Na ótica de Catarina Martins, o problema seria se o acordo não funcionasse. “Fizemos o que era necessário fazer, de modo a parecer credível“, sugere. Classificando a origem do acordo como um “compromisso forçado” para o PS, a líder do BE não consegue fazer apostar para o futuro: “Nós não podemos realmente apostar em quanto tempo [o acordo] vai durar no futuro”.

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