Técnicos da ERC temem que Altice bloqueie TVI à concorrência. O que diz o parecer?

Parecer técnico da ERC admite risco de haver bloqueio de canais como a TVI24 às plataformas da concorrência pela Altice, após compra da Media Capital. Saiba o que diz o documento.

A ERC considera existir um risco real de, num “cenário extremo”, a Altice poder desencadear um “rutura total” com a concorrência, impedindo operadoras como a Vodafone e a Nos de incluírem canais da Media Capital, como a TVI ou a TVI24, nas suas plataformas. Na base da preocupação da entidade está o facto de que, no passado, a Meo já ter mostrado “disponibilidade para uma atuação extrema caso as suas condições não fossem cumpridas”.

A informação faz parte de um longo parecer técnico da ERC acerca da compra da Media Capital pela Altice, que foi divulgado esta quinta-feira. A falta de unanimidade sobre o sentido da decisão da entidade, necessária devido ao facto de faltarem dois membros no conselho regulador, ditou que o negócio avançasse para o regulador da concorrência esta semana. Carlos Magno estaria a favor da operação, enquanto Arons de Carvalho e Luísa Roseira estariam contra.

O parecer da ERC não é necessariamente desfavorável à operação. Mas elenca 13 riscos que considera existirem num cenário em que a maior operadora de telecomunicações do país em quota de mercado se funde com o maior grupo de media português. Um deles diz precisamente respeito a impedimentos no acesso a conteúdos — a ERC, lê-se no parecer, “não exclui um cenário de rutura total, ou seja, em que os concorrentes da Meo não transmitiriam os serviços de programas da Media Capital, e também esta rejeitaria transmitir os serviços de programas concorrentes da Media Capital na plataforma Meo”, lê-se no parecer.

No entendimento da entidade liderada por Carlos Magno, essa situação seria uma “perda grave de pluralismo mediático por indisponibilidade ou limitação da oferta de conteúdos num mercado com elevadas taxas de penetração como é o da televisão por subscrição”. Seria mais grave no caso da TVI24 do que no da TVI generalista, uma vez que esta se encontra disponível no serviço livre de Televisão Digital Terrestre (TDT).

E qual a razão de a ERC destacar este risco, considerando-o uma possibilidade que “não pode ser menosprezada”? Desde logo porque, diz a entidade, a Meo, “já em passado relativamente recente”, revelou “a sua disponibilidade para uma atuação extrema, caso as suas condições não fossem cumpridas”. Terá acontecido em 2015, quando a operadora foi acusada pela RTP, SIC e TVI de ter ameaçado excluir estes canais generalistas da sua plataforma de TV paga caso estes exigissem um pagamento da operadora para nela serem incluídos.

"[A ERC] não exclui um cenário de rutura total, ou seja, em que os concorrentes da Meo não transmitiriam os serviços de programas da Media Capital, e também esta rejeitaria transmitir os serviços de programas concorrentes da Media Capital na plataforma Meo.”

ERC

Parecer técnico sobre a compra da TVI

13 riscos da fusão TVI/Meo, segundo a ERC

São 13 os riscos que a ERC identifica numa operação da natureza desta, em que a Meo se funde com a Media Capital. São eles, em traços gerais:

  1. Risco de “aumento da uniformidade dos conteúdos disponíveis em Portugal”, devido ao reforço do investimento na produtora Plural, a maior do país e uma das maiores da Península Ibérica, detida pela dona da TVI.
  2. Risco de “partilha de informação sensível dos projetos concorrentes da Media Capital na plataforma Meo entre empresas do mesmo grupo”. Isto é, a ERC teme que a Meo forneça à estrutura da Media Capital “informação confidencial, detalhada e real” sobre os canais concorrentes, colocando a TVI em vantagem.
  3. Risco de “lesão da autonomia e independência editorial” da TVI, rádio Comercial e por aí em diante. A ERC receia que a Meo tome decisões que beneficiem a sua própria plataforma em detrimento de órgãos de comunicação social editorialmente independentes e livres.
  4. Risco de um desinvestimento publicitário dos anunciantes nos canais concorrentes da Media Capital, “considerando que a Meo é o segundo maior anunciante em Portugal” e que, em simultâneo, passaria a deter “maior poder na oferta de espaços” publicitários nos seus canais.
  5. Risco de “desinvestimento nos conteúdos” da TVI generalista, privilegiando os conteúdos exibidos nos canais da TV por subscrição.
  6. Risco de “incentivo para impor condições abusivas e discriminatórias às plataformas” concorrentes da Meo ou, por outras palavras, aumento dos preços para disponibilização dos canais da TVI e por aí em diante.
  7. Risco de “incentivo para bloquear ou discriminar negativamente a distribuição” na Meo de canais concorrentes aos da Media Capital — fundamentalmente, o explicado mais acima neste artigo.
  8. Risco de “degradação da TDT”, que é operada pela Meo, através do desvio de conteúdos da TVI generalista para canais pagos, um pouco como no quinto ponto desta lista.
  9. Risco de “concentração desproporcionada de conteúdos desportivos premium” nos canais da Media Capital e na plataforma da Meo/Altice, em detrimento dos demais.
  10. Risco de haver uma “capacidade e incentivo para condicionar o acesso dos seus clientes de internet a conteúdos de terceiros”, favorecendo os da sua própria esfera.
  11. Risco de “redução da pluralidade e diversidade dos conteúdos portugueses na internet através da fusão de portais e domínios da Media Capital com os da Meo/Altice.
  12. Risco de “aumento dos preços para acesso aos eventos Meo” à concorrência.
  13. Risco geral de “diminuição da diversidade e do pluralismo”, viabilizando uma “concentração, numa única pessoa, dos principais órgãos de comunicação social portugueses”.
O voto de Carlos Magno, que terá sido favorável à operação, permitiu ao negócio passar pelo crivo da ERC e avançar para a avaliação final do regulador da concorrência.MIGUEL A. LOPES/LUSA

Parecer da ERC não exclui remédios

É a Autoridade da Concorrência que se encontra, neste momento, a analisar este dossiê — e, nas próximas semanas, deverá emitir uma decisão final de aprovar ou chumbar o negócio nos termos em que foi apresentado. Uma das hipóteses é a aprovação do negócio mas com “remédios” — isto é, compromissos e garantias que teriam de ser prestados pela Altice, uma alternativa não recomendada pela Anacom, que já se opôs à operação.

No entanto, no parecer técnico da ERC, essa possibilidade é admitida pelo menos uma vez. Em causa está uma preocupação já demonstrada pelas operadoras concorrentes no congresso da APDC, que disseram temer que a Meo passe a ter acesso às campanhas publicitárias colocadas na TVI com três dias de antecedência. Esse problema não passa ao lado do regulador que, por isso, sugere um remédio: considera ser “fundamental estabelecer deveres de confidencialidade exigentes, cuja violação seja acompanhada de sanções pesadas” para dissuadir a Meo de o fazer.

São estes os principais assuntos que saltam à vista numa primeira leitura do documento divulgado pela ERC esta quinta-feira, com 51 páginas e um total de 211 pontos, acompanhado de tabelas e gráficos. No final, a ERC considera, como já era sabido, que a compra da Media Capital pela Altice, avaliada em 440 milhões de euros, “não permite antever benefícios em prol do pluralismo no sistema mediático português”, embora não haja uma rejeição clara e inequívoca da operação (até porque cada um dos 13 principais riscos é acompanhado de medidas para o mitigar).

No final, a ERC emite uma deliberação que mostra bem a situação de fragilidade em que se encontra: “O conselho regulador não tem um entendimento unânime sobre os riscos aqui sistematizados para o pluralismo no setor da comunicação social em Portugal. Na avaliação desses riscos, os três membros do conselho regulador não obtiveram um consenso sobre o sentido da pronúncia da ERC relativamente ao projeto de aquisição”, diz o documento.

A ERC tinha o poder vinculativo de chumbar o negócio. Sem entendimento, o mesmo avançou para a fase final por diferimento tácito — por outras palavras, incapacidade do regulador de mostrar um cartão, vermelho ou verde, à compra da TVI.

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