Advogados obrigados a comunicar suspeitas de branqueamento
Advogados recusam quebrar sigilo mesmo quando está em causa suspeitas de lavagem de dinheiro ou de financiamento do terrorismo dos clientes, mas a ministra da Justiça discorda.
Desde setembro deste ano que as críticas face às novas regras de prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo se fizeram somar. Deve ou não um advogado quebrar o sigilo profissional perante o cliente, em nome da prevenção neste tipo de crimes? A resposta da classe é clara: não, não deve. Porém, em declarações à Advocatus, fonte oficial do gabinete da ministra da Justiça Francisca Van Dunem, a resposta é igualmente clara: “Não existem dúvidas de que, caso seja identificada alguma tipologia de branqueamento ou financiamento do terrorismo que deva ser objeto de comunicação automática por todas as entidades obrigadas previstas na Lei nº 83/2017, os advogados devem ser também incluídos”.
O bastonário da Ordem dos Advogados (OA), Guilherme de Figueiredo, já fez saber que “forçar os advogados a serem uma espécie de denunciantes em relação aos clientes, em dadas transações, é afetar um capital inestimável da classe”. Tal como o presidente do Conselho Regional da OA, António Jaime Martins defende que “há leis na história que fazem lembrar os tempos antes do 25 de Abril e são questões a que os advogados são muito sensíveis. Nos tribunais plenários, os advogados defendiam os seus constituintes e eram perseguidos porque tinham que os delatar”.
"Não existem dúvidas de que, caso seja identificada alguma tipologia de branqueamento ou financiamento do terrorismo que deva ser objeto de comunicação automática por todas as entidades obrigadas previstas na Lei nº 83/2017, os advogados devem ser também incluídos.”
Em causa a lei referida (nº 83/2017) – em vigor desde setembro – que resulta da transposição de uma diretiva comunitária. Prevê a nova lei uma lista de deveres para as entidades obrigadas – nos quais se incluem os advogados – como o de comunicação de todas as operações em que saibam, suspeitem ou tenham razões para acreditar que os fundos utilizados provêm de atividades criminosas. No caso especifico dos advogados, suspeitas relativas ao próprios clientes que representam.
Ou ainda o dever de colaboração em que deverão prestar toda a informação necessária, disponibilizando documentos inclusive, perante pedido das entidades judiciárias e o dever de não revelar ao cliente que se encontra ou possa vir a encontrar-se em curso uma investigação ou inquérito criminal contra o mesmo.
A mesma lei garante ainda que há a possibilidade dos Estados, internamente, legislarem por portaria e especificarem se os advogados estão ou não obrigados a esse dever de comunicação. Henrique Salinas, sócio da CCA Ontier e docente na Faculdade de Direito da Universidade Católica sublinha que “esperemos que esta portaria exista e que explique e esclareça o que teremos de fazer”.
Da parte do gabinete da ministrada Justiça a resposta é igualmente clara: “não é possível dizer com toda a certeza se a portaria virá prever alguma tipologia que diga respeito aos advogados”. Não existindo, os advogados terão de decidir caso a caso e haver uma ponderação. “À partida, eu direi sempre que o dever de sigilo prevalece”.
João Medeiros, sócio da PLMJ, garante que “os advogados não podem, em circunstância alguma, ser transformados em cúmplices dos órgãos de polícia criminal contra os seus clientes traindo a confiança que lhes foi depositada”. Acrescenta ainda que “a revelação é absolutamente incompatível com a obrigação de guardar segredo profissional”.
"Forçar os advogados a serem uma espécie de denunciantes em relação aos clientes, em dadas transações, é afetar um capital inestimável da classe.”
Nuno Pena, sócio da CSM Rui Pena & Arnaut considera que é importante “deixar claro que a lei não vem fazer tábua rasa dos deveres de sigilo”. Mas o advogado admite que “o problema agrava-se nas situações que não dizem respeito a qualquer dos casos acima descritos (casos que não se subsumam ao n .º 1 e 2 do artigo 79.º) para os quais o legislador prevê a obrigação de comunicação de todos os factos dos quais tomaram conhecimento às autoridades requerente de forma direta, ou seja, sem passar pela Ordem. Em termos práticos e sem prejuízo de a realidade ser sempre mais imaginativa do que própria imaginação – nos poder surpreender, não se antecipa facilmente que casos possam acabar por se subsumir aqui”.
Mafalda Oliveira Monteiro, sócia da Miranda Law Firm sublinha à Advocatus que o segredo profissional estará em causa “se a a nova portaria vier a impor deveres de comunicação sistemática aos advogado e o dever de colaboração não for ajustado para implicar que a prestação de informações a pedido sobre operações em relação às quais o advogado entendeu não existir qualquer suspeita, não tenha lugar sem a intervenção da Ordem dos Advogados”.
Já Sérgio Antunes Teixeira, advogado associado da FCB, tem uma convicção mais assertiva: “a questão é polémica mas, na ausência de expressa derrogação legal, o dever de segredo profissional estabelecido no Estatuto da Ordem dos Advogados mantém-se vinculativo e absoluto. Não se pode sequer admitir outra possibilidade”. Miguel Torres, sócio da Telles, aplaude a posição pública do bastonário da OA e admite que considera que “o segredo profissional inerente à profissão de advogado poderá ser afetado pelo facto de os advogados, nos termos desta nova Lei, serem obrigados, por sua própria iniciativa, a informar e comunicar ao DCIAP e à UIF sempre que saibam ou suspeitem que certos fundos ou bens provêm de atividades criminosas ou relacionadas com estas”, concluiu o advogado.
O que dizem os bancos e empresas?
Um dos aspetos mais criticados da nova lei são os esforços burocráticos que esta impõe às empresas, decorrentes do alargamento do dever de diligência e de identificação, do conceito de “Pessoa Politicamente Exposta” e ainda do dever de controlo. A Advocatus falou com duas empresas do setor financeiro e uma PME para obter a respetiva posição acerca das implicações práticas da lei. A Caixa Geral de Depósitos (CGD) procedeu à “imediata avaliação da necessidade de adaptação”, garante fonte oficial. Tendo em conta as exigências do Aviso n.º 5/2013 do Banco de Portugal, já em vigor, as “modificações encontram-se minimizadas” e os procedimentos internos relativos à PBC/CFT “não serão sujeitos a grandes alterações”, explica a instituição. Também no BCP os procedimentos internos já “foram alvo de adaptação às novas regras e limites”. O BCP assegura portanto que “há capacidade para acomodar as alterações havidas no curto prazo”, sem se alongar acerca de possíveis dificuldades. Por seu lado, o banco do Estado alerta que “o prazo de 30 dias estipulado pela lei para a sua entrada em vigor não é compatível com o tempo necessário para revisão dos normativos internos”, que vão desde a adequação dos sistemas informáticos à formação dos colaboradores.
Quanto às sanções e à relevância da lei, a CGD abstém-se de comentar e o BCP é cauteloso nas respostas. O banco liderado por Nuno Amado reconhece que as sanções são “mais amplas e mais pesadas” mas afirma a convicção de que “o sistema de controlo mitiga de forma adequada os riscos”. De resto, o banco acrescenta apenas que aplicará a lei “como é seu dever”.
A Frulact, uma PME portuguesa que se dedica a produzir preparados de fruta para a indústria dos laticínios, sublinha que “está sensível e habituada a lidar com níveis de compliance em alguns casos ainda mais exigentes”, dado o contexto de internacionalização. Porém, a empresa aponta que o setor financeiro, o mais visado pela lei, em geral “passa para as empresas” a carga documental, burocrática e processual. Isto significa “custos organizativos e processuais cada vez maiores”. Relativamente à capacidade para aplicar a lei, a empresa apenas comenta que “é nossa responsabilidade tudo fazer para a cumprir”, sem dar garantias, embora não se mostre preocupada com as sanções. “As sanções devem preocupar quem não tenha condições para cumprir a lei, por dificuldades no suporte técnico ou administrativo. Não é o nosso caso”, garante a Frulact.
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