Prova dos 9: o emprego criado é de baixas qualificações e tem salários reduzidos?

  • Cristina Oliveira da Silva e Margarida Peixoto
  • 18 Novembro 2017

A Comissão Europeia deixou o alerta esta semana. O emprego criado em Portugal é pouco qualificado e paga mal. É mesmo assim?

A Comissão Europeia alertou esta semana para a “elevada proporção” de empregos que estão a ser criados “em setores com perfis de baixas qualificações e salários abaixo da média”. Pouco depois, o PSD agarrou no tema, dizendo que o Governo deve ouvir os alertas de Bruxelas e defendendo “mais e melhor emprego”.

“Compete ao Estado criar condições para que se crie emprego de mais qualidade, apostado no investimento, no desenvolvimento da economia e em setores capazes de proporcionar esse mercado de trabalho e postos de trabalho mais qualificados”, disse a deputada do PSD Clara Marques Mendes, no Parlamento.

Mas será que o emprego criado recentemente é de facto caracterizado por qualificações reduzidas e salários baixos?

A frase

Na segunda-feira, em declarações ao Diário de Notícias, um responsável da Comissão Europeia disse:

“Em 2017, o abrandamento verificado nos custos unitários do trabalho deveu-se, principalmente, ao facto de o crescimento dos salários ter continuado a ser lento. Isto pode ser explicado pela elevada proporção de empregos a ser criados em setores com perfis de baixas qualificações e salários abaixo da média.”

Os números

Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE), referentes ao terceiro trimestre do ano, indicam que foi a atividade de alojamento e restauração que criou mais emprego, em termos homólogos. Seguem-se as indústrias transformadoras e as atividades de saúde humana e apoio social:

  1. Alojamento, restauração e similares: mais 52,9 mil empregos
  2. Indústrias transformadoras: mais 41,9 mil empregos
  3. Atividades de saúde humana e apoio social: mais 17,6 mil empregos

Neste caso, faz sentido analisar a variação absoluta para perceber a dimensão real do aumento, já que a variação relativa é influenciada pelo ponto de partida. Por exemplo, houve um aumento relativo expressivo nas atividades imobiliárias (18,7%) mas em termos absolutos, isto implicou a criação de apenas 6,1 mil empregos, para um total de 38,8 mil.

Assim sendo, olhando para os dados absolutos, é possível ver que dos 141,5 mil postos de trabalho líquidos criados em termos homólogos, quase 80% são explicados por estes três setores: 37,4% foram empregos no alojamento, restauração e similares, 29,6% nas indústrias transformadoras e 12,4% nas atividades de saúde humana e apoio social.

Desta forma, é nestes três setores que a análise tem de se concentrar. São estas atividades de baixas qualificações e pagam mal?

Sobre as qualificações

Os dados do INE permitem ter uma ideia do nível de escolaridade das pessoas que trabalham nas diferentes atividades, incluindo aqui trabalhadores por conta de outrem, por conta própria e familiares não remunerados. Naturalmente, a maioria do emprego é dependente (mais de 83%). O que mostram os números?

Que no alojamento e restauração, por um lado, e nas indústrias transformadoras, por outro, a maior parte dos empregados (em valores que rondam 61%) têm até ao 3º ciclo do ensino básico. Mas nas atividades de saúde humana e apoio social, a maioria (46,3%) tem o ensino superior.

E quanto ao fluxo — ou seja, o emprego criado nestas áreas? No alojamento e restauração, cerca de metade dos novos empregos foram ocupados por pessoas com qualificações baixas. Mas no caso das indústrias transformadoras, menos de um quarto tem estas qualificações e 51% do novo emprego foi atribuído a pessoas com nível secundário ou pós-secundário. Já nas atividades de saúde humana e apoio social, quase 80% refere-se a empregados com ensino superior.

Que qualificações têm as pessoas que ocupam os empregos criados no terceiro trimestre?

Fonte: Cálculos do ECO com base em dados do INE

Juntando as três atividades, os dados permitem verificar que a maior parte da criação de emprego acabou por se registar junto de pessoas com ensino secundário ou pós-secundário (41 mil, de um total em análise de 112,4 mil, o que dá 36,5%). Cerca de 37,3 mil novos empregos foram preenchidos por pessoas com escolaridade até ao 3º ciclo (33,2%) e 34,2 mil por pessoas com ensino superior (30,4%).

Sobre os salários

E quanto às remunerações? Os dados do INE dizem respeito ao rendimento salarial médio líquido mas apenas dos trabalhadores por conta de outrem. Para o total das atividades, a média registada subiu para 861 euros líquidos. As três áreas destacadas estão abaixo da média, ainda que no caso das atividades de saúde humana e apoio social, o valor esteja muito próximo da média.

Qual o rendimento salarial médio líquido dos trabalhadores dependentes?

Fonte: INE; não está disponível o valor para os organismos internacionais e outras instituições extraterritoriais porque o valor tem erro de amostragem associado superior a 20%; dados reportam ao rendimento salarial mensal líquido dos trabalhadores por conta de outrem

Olhando para o conjunto do emprego, percebe-se que o alojamento e restauração está entre as atividades com rendimento líquido mais baixo. Ainda assim, o valor aumentou 7,2% em termos homólogos, quando a média geral cresceu apenas 2,5%. As indústrias transformadoras também distam 90 euros da média mas as atividades de saúde humana e apoio social só ficam dois euros abaixo. Tanto num caso como no outro, o rendimento líquido cresceu acima da média (3,8% e 4,1%, respetivamente).

As conclusões

Sobre as qualificações, os dados apenas permitem perceber como cresce o emprego e que nível de qualificação têm os trabalhadores que preenchem esses novos postos. Não permite, porém, perceber se os cargos que ocupam são compatíveis com a sua qualificação. Ou seja, não é possível perceber se o emprego que é criado é ou não qualificado, mas sim se a população empregada nesses novos empregos é ou não qualificada.

Já no que toca ao rendimento médio, há outros pontos a ter em conta. Desde logo, abarca apenas trabalhadores por conta de outrem (e no caso das qualificações, estão abrangidos todos os empregados). Além disso, a média de rendimento salarial apresentada diz respeito ao conjunto de trabalhadores naquelas atividades — e não aos novos empregados. Ou seja, os dados não permitem perceber se o novo emprego paga mais ou menos.

Assim sendo, não é possível aferir com rigor a validade da afirmação da Comissão. Há dados que apontam no sentido de confirmar o entendimento de Bruxelas — por exemplo, os setores de maior criação de emprego pagam abaixo da média — mas outros que apontam no sentido de negar a afirmação da Comissão — cerca de dois terços do emprego criado foi ocupado por pessoas com qualificações ao nível do ensino secundário, pós-secundário ou superior.

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