Deputado do PS vota contra Governo. Lei das finanças locais vai ficar “pior” e “não ajuda descentralização”
Paulo Trigo Pereira vota contra a proposta de Lei das Finanças Locais. O especialista em autarquias apresentou uma declaração de voto onde explica as suas razões. Legislação segue para Belém.
Começou por se mostrar “desiludido”, mas agora tem certezas. A nova lei das finanças locais, que será aprovada esta tarde no Parlamento pelo PS e pelo PSD, dará origem a uma legislação “pior” do que aquela que existe atualmente e “em nada ajuda no processo de descentralização”, defende Paulo Trigo Pereira. Por isso, esta quarta-feira, o deputado vai votar contra a proposta do Governo, disse ao ECO. A proposta é hoje submetida ao voto final antes de ir para Belém.
“Existem alguns aspetos positivos nos artigos aprovados na comissão parlamentar de orçamento e finanças, inscritos na proposta de lei das finanças locais (como por exemplo caminhar para a aplicação gradual da participação dos municípios nos impostos do Estado prevista na lei) ou parcialmente positivos pois deveria ir-se mais longe (eliminar a isenção de IMI em imóveis devolutos)”, defende Trigo Pereira na declaração que sustenta o voto contra em vários artigos da lei durante o debate na especialidade, e que justificará também a sua posição na votação final global marcada para esta tarde.
O deputado da bancada socialista chama, porém, a atenção para o facto de existir “um conjunto de aspetos problemáticos que, levarão a que as alterações à lei das finanças locais a tornem pior do que a atual lei e em nada ajude o processo de descentralização”. E detalha os motivos pelos quais considera que do Parlamento não sairá uma boa lei.
A saber:
- A criação do Fundo de Financiamento da Descentralização (FFD), que serve para financiar a transferência de novas competências para as autarquias, “passa por cima” da lógica de como a lei das finanças locais está desenhada atualmente — assente em três fundos municipais. Além disso, “não se percebe nem como será desenhado nem como se fará a articulação (…) com o Fundo Social Municipal”, criado em 2007 e que serviu para financiar a primeira fase de transferência de competências para as câmaras em áreas sociais.
- A entrega de uma parcela da receita de IVA gerado no município à câmara “acentua as desigualdades e ignora a experiência do passado recente”. O deputado recorda que o IVA das atividades turísticas já foi “há várias décadas” uma receita municipal, uma lógica que foi abandonada. E defende que “ao optar pela territorialização do IVA — mesmo que limitada a certas atividades — vai trazer um agravamento das assimetrias regionais e municipais, beneficiando os municípios das áreas metropolitanas, das grandes e médias cidades, do litoral a norte de Lisboa e do Algarve”. Trigo Pereira admite ainda que a antecipação para 2021 da entrega do bolo total da percentagem de receita de IVA fixado na lei (de 7,5%) terá um impacto orçamental.
- O fim do Fundo de Apoio Municipal (FAM) é também criticado pelo deputado. “Estamos perante um mecanismo de recuperação financeira que existe (com resultados muito positivos), por exemplo, na Holanda, EUA e na Alemanha e que trouxe, em Portugal, um importante contributo para assegurar o equilíbrio financeiro dos municípios.” Trigo Pereira considera que esta opção pode sair cara ao Estado, já que “previsivelmente” poderá vir a ter “um impacto negativo na credibilidade da gestão financeira dos municípios e na sua sustentabilidade e poder trazer um conjunto de outros impactos estruturais relevantes (como, por exemplo, a perda anual de dividendos por parte dos empréstimos do Estado e dos municípios)”. Além disso, poderá implicar a assunção pelo Estado dos empréstimos concedidos pelo Fundo e o eventual recurso à banca privada (como alternativa ao Estado) “com impacto direto na dívida pública”.
- O deputado critica também as alterações ao regime de responsabilidade financeira dos eleitos locais. “A proposta de alteração apresentada pelo PS agrava ainda mais” a proposta de lei do Governo, uma vez que envolve também os trabalhadores da autarquia envolvidos nos processos de decisão. “As propostas aprovadas vão demasiado na desresponsabilização de membros do órgão executivo e dirigentes com responsabilidades diretas na tomada de decisão.”
- As alterações sobre as regras de aprovação em matéria fiscal por parte das assembleias municipais justificam também o voto contra do deputado. Na lei atual, quando uma autarquia não decide sobre a percentagem de IRS a entregar aos munícipes, assume-se que o munícipe vai receber o máximo previsto na lei, que é de 5%. Com a futura lei o princípio muda. “Na ausência de deliberação da assembleia municipal, o município tem direito à taxa máxima ficando o munícipe com 0.” Também na fixação da derrama de IRC o deputado considera existir uma redução da transparência e accountability autárquica.
O deputado chama ainda a atenção para a falta de tempo que o Parlamento teve para discutir as alterações à lei das finanças locais. Algumas destas críticas levaram Trigo Pereira a mostrar-se “um pouco desiludido” a 10 de julho quando o ministro da Administração Interna — que tem a tutela das autarquias –, Eduardo Cabrita, esteve no Parlamento a defender a proposta. Na altura anunciou que entregaria ao PS propostas suas para “melhorar” a lei. O resultado final não foi satisfatório para o deputado da bancada socialista.
“Perdeu-se uma boa oportunidade de fazer uma boa alteração da lei das finanças locais, que poderia e deveria ser um passo intermédio para uma nova lei das finanças locais, adequada ao processo de descentralização em curso.”
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