Itália quer vender reservas de ouro para baixar o défice. Intenção deverá embater no BCE

O Governo está a medir o pulso ao mercado, mas há vários entraves. Os bancos centrais poderão tentar travar a operação e, caso avance, deverá criar medo entre os investidores.

Itália estará a considerar a venda das reservas de ouro que detém no banco central para diminuir o défice. A notícia foi avançada esta terça-feira pelo jornal italiano La Stampa e o vice-primeiro-ministro Matteo Salvini já admitiu que a hipótese não está excluída. A operação de alienação de parte das reservas de ouro é vista como perigosa para a confiança dos investidores no país e deverá criar um novo conflito entre Itália e as instituições europeias.

O Governo italiano estará a pensar usar as reservas de ouro no Bankitalia para evitar um desvio orçamental este ano e o aumento de impostos em 2020. A forma de financiamento do Estado é controversa — e já vista como possibilidade em outros países em crise –, mas poderá ser uma hipótese para fazer face às reformas altamente dispendiosas promovidas pela coligação formada pelos partidos Lega e 5 Stelle. “Pode ser uma ideia interessante”, disse Salvini, esta terça-feira em Roma, quando questionado sobre o assunto.

Itália tinha, em dezembro do ano passado, as terceiras maiores reservas de ouro do mundo. São 2.451,8 toneladas que estão paradas nos cofres do Bankitalia há 20 anos. O volume — equivalente a cerca de 100 mil milhões de dólares, de acordo com as contas do La Stampa — é apenas superado pelas reservas dos EUA e da Alemanha.

No entanto, a ideia de colocar parte dos lingotes e moedas de ouro italianos no mercado deverá encontrar várias dificuldades. “As regras delineadas no Acordo do Ouro do Banco Central permitiriam apenas possíveis vendas no último trimestre deste ano, a tempo para o próximo orçamento do Governo italiano, que será apresentado em outubro de 2019. Mas o Governo teria de criar uma estrutura legal para fazê-lo, o que exige que estabeleçam quem é o proprietário legal desse ouro: é o Bankitalia ou o povo italiano? Esta é uma área cinzenta dentro do sistema legal italiano, que pode revelar-se um primeiro soluço”, explicou Carlo Alberto de Casa, analista-chefe da corretora ActivTrades.

Salvini não explicou como é que o Governo pretende resolver esta questão, mas defendeu que o “ouro é propriedade do povo italiano e de mais ninguém”, nas mesmas declarações, citadas pela Reuters. Sinalizando que poderá ir contra o banco central, o vice-primeiro-ministro afirmou que foi o Bankitalia que falhou na prevenção da crise bancária do país.

Mas este não seria o único problema de Itália. “O Governo também necessitaria de algum apoio da administração do Bankitalia e possivelmente do Banco Central Europeu (BCE), que poderia, ao abrigo do estatuto do BCE e de vários tratados europeus, opor-se a essa venda. Além disso, uma venda quase certamente assustaria os mercados financeiros. Os participantes do mercado provavelmente interpretariam esta medida como um sinal de perigo, marcando claramente a direção controversa que este Governo pretende seguir”, sublinhou Alberto de Casa.

O analista acrescenta que, caso a operação avance, a dívida italiana deverá sofrer pressão em mercado secundário. “O ouro da Itália é um forte porto seguro para o país nas mãos do Bankitalia, impedindo o país (e marginalmente a UE) de ataques especulativos. A venda das reservas de ouro seria vista por muitos como uma interferência política ilícita na independência do Banco Central, que, como citado pelo ex-governador do Bankitalia, Salvatore Rossi, em 2013, deveria ter a capacidade de (agir) como o responsável último pela estabilidade das finanças domésticas”, acrescentou.

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