Afinal, o que diz o capítulo quase ‘censurado’ da OCDE sobre a corrupção em Portugal?
Relatório da OCDE sobre corrupção aponta recomendações razoáveis a Portugal, longe da polémica inicial. Tribunais especializados em corrupção é uma das sugestões.
“Se o relatório fosse transformado numa simples listagem de ideias feitas, perceções, estereótipos, seria muito errado e Portugal teria de protestar”, admitiu o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, ao Expresso, a propósito do capítulo dedicado à corrupção no Estudo sobre a Economia Portuguesa da OCDE, divulgado esta segunda-feira. O tópico tem sido polémico, com um “braço de ferro” quase declarado entre Governo e Álvaro Santos Pereira, que não estará presente na apresentação deste documento. Mas, afinal, o que o estudo conclui sobre o fenómeno da corrupção em Portugal não é nada de novo e sugere apenas algumas recomendações genéricas, o que terá agradado ao Governo.
Em causa o tema da corrupção explorado este ano, num capítulo do estudo dedicado à relação entre o sistema de justiça e a atividade económica e que o Governo considerou, na altura, forçado.
O relatório foi preparado pela equipa de Álvaro Santos Pereira, diretor do departamento de Economia da OCDE e ex-ministro da Economia no governo de Passos Coelho, que já tinha assumido antes na sua conta pessoal de Twitter posições críticas ao relacionar a corrupção e o compadrio com a ajuda externa e o resgate a bancos.
De acordo com o semanário, houve pressão inicial por parte do Executivo junto da OCDE para que o relatório não abordasse o tema da corrupção, mas o Executivo já admitiu que a versão final do relatório seja agora globalmente positiva para Portugal.
Do lado da organização, contudo, foi sempre dado a entender que não existiriam sinais de “discriminação negativa” no que toca a Portugal, dado que havendo um capítulo dedicado ao sistema judicial abordar a questão da corrupção seria fulcral, e que o mesmo já tinha sido referido em alguns relatórios de outros países.
"Se o relatório fosse transformado numa simples listagem de ideias feitas, perceções, estereótipos, seria muito errado e Portugal teria de protestar.”
Esta segunda-feira, na apresentação do relatório, o Governo vai estar representado pelo ministro da Economia Pedro Siza Vieira, e pelo secretário de Estado das Finanças, Ricardo Mourinho Félix. Do lado da OCDE, marca presença Angel Gurria, secretário-geral da organização. Estava ainda previsto que Álvaro Santos Ferreira comparecesse numa intervenção sobre o relatório esta terça-feira, na Ordem dos Economistas, mas o ex-ministro desmarcou-se do evento a semana passada, alegando motivos de agenda, um possível indicador do ambiente tenso com o Governo.
O que o estudo vem apontar agora, na realidade, são algumas recomendações a Portugal no âmbito do combate à corrupção, nomeadamente aos meios do Ministério Público e à formação de magistrados deste órgão. Aliás, não existe sequer nenhuma menção a propósito dos níveis de corrupção no país, admitindo até que a sua análise é difícil de obter, dado que “os indicadores que existem baseiam-se, sobretudo, em perceções”. Um argumento que tira força à posição do Governo de o relatório poder vir a ter “perceções” ou “estereótipos”.
“Várias medidas apontam diferentes níveis de perceção de corrupção. A corrupção deturpa a atividade económica, reduz a eficiência e reforça a desigualdade por favorecer os mais bem posicionados”, sumariza o estudo que, de resto, se foca essencialmente na ação do Ministério Público e do papel da acusação. “Um fator importante de combate à corrupção passa por uma acusação mais efetiva. Há margem para continuar a fortalecer o mecanismo de acusação em Portugal”, pode ler-se.
O relatório menciona ainda um pacote de 88 medidas antes propostas por juízes, advogados e outros profissionais portugueses em janeiro de 2018, com o qual parece concordar. “Entre as medidas que recomendam estão a criação de uma equipa técnica específica em todas as comarcas, com equipas de especialistas multidisciplinares, desenvolvimento da cooperação judicial internacional, e aumento da transparência nos processos de execução através da prova de titularidade das contas bancárias”.
De resto, as conclusões finais do relatório convergem, aliás, com medidas já previstas pelo Governo para reformar o sistema judicial. A OCDE apontou várias recomendações a Portugal, que passam por:
- Criação de um Tribunal especializado em corrupção como uma opção que deve ser considerada. Tribunais desse género já existem em alguns países da OCDE, como na Eslováquia, apontam;
- Estabelecer um registo eletrónico da declaração de interesses para todos os membros do Governo e funcionários públicos, regularmente atualizados;
- Reforço da capacidade do Ministério Público (MP) para tratar dos crimes económico-financeiros, em especial ligados à corrupção. O MP e a Polícia Judiciária devem ser dotados de recursos adequados para uma maior deteção de casos de corrupção, para que o seu combate seja eficiente logo de raiz;
- Os procuradores devem continuar a receber formação especializada nesta área, que deve passar a ser obrigatória, dada a complexidade da natureza destes crimes.
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