António de Sousa sobre críticas à gestão na CGD: “Almerindo Marques não tinha pelouro do crédito”
Ex-administrador abandonou o banco público em conflito com o então presidente. Levou as críticas de falta de rigor na concessão de crédito ao governador do BdP, às Finanças e até ao Presidente.
António de Sousa presidia ao Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos (CGD) quando um dos membros, Almerindo Marques, se demitiu por discordar da política de concessão de crédito do banco público. Em audição na Comissão Parlamentar de Inquérito à gestão da CGD, o antigo presidente descredibilizou as críticas, dizendo que o ex-administrador não participava nas reuniões do Conselho de Crédito.
“Almerindo Marques não tinha nenhum pelouro de crédito. Não sei sequer se alguma vez foi a algum Conselho de Crédito“, afirmou António de Sousa. “Ele próprio dizia — e era verdade — que estava muito ocupado porque tinha a responsabilidade de todo o backoffice. Não quer dizer que todos os administradores fossem sempre, mas havia dois que normalmente não iam: Almerindo Marques e Vítor Fernandes [responsável pelo pelouro dos seguros]”.
Então qual era a base das críticas? “Penso que ele [Almerindo Marques] próprio refere que foi o que lhe disseram outros diretores ou pessoas que ele respeitava dentro do banco“, continuou o antigo presidente.
O ex-administrador acusava a administração de não ser rigorosa na concessão de crédito e, antes de se demitir em 2002, transmitiu estes alertas por cartas ao Banco de Portugal (então liderado por Vítor Constâncio), ao Ministério das Finanças (Guilherme d’Oliveira Martins) e até ao Presidente da República (Jorge Sampaio).
António de Sousa explicou que soube da existência das cartas, apesar de nunca a ter visto fisicamente, porque lhe foi dada a conhecer tanto por Oliveira Martins como por Constâncio, com quem tinha “contactos frequentes” e que na mesma comissão afirmou não se lembrar da carta em questão. Questionado sobre se havia pressões para que fossem concedidos créditos apesar do risco elevado, o gestor rejeitou que tenham havido critérios políticos e reconheceu que podem ter havido critérios estratégicos para conquistar clientes.
“Pareceres de risco não devem ser vinculativos. Responsabilidade é da administração”
Quando chegou ao cargo em março de 2000, António de Sousa foi responsável pela criação do departamento de gestão de risco do banco, que na altura ficou a liderar. “O risco na banca portuguesa, e em geral na altura, não tinha a importância que veio a ter, em consequência da crise financeira”, referiu.
“Como qualquer alteração profunda numa organização, inevitavelmente criou ondas de choque e reações substanciais. A criação de um departamento que ia ter a possibilidade de contrapor não foi igualmente bem aceite por toda a gente dentro da instituição. É normal porque havia uma estrutura instalada e era relativamente novo em Portugal”, sublinhou.
Face aos desenvolvimentos que impulsionou no que diz respeito à gestão de risco, a deputada social-democrata Margarida Mano questionou António de Sousa sobre se tinha ficado surpreendido que o conselho de administração tenha ignorado os pareceres do departamento de risco na concessão de crédito. Segundo as conclusões da auditora EY no relatório sobre a gestão do banco entre 2000 e 2015, a CGD aprovou a concessão de 13 créditos que mereceram parecer desfavorável da Direção Global de Risco, sem que a administração tenha apresentado qualquer justificação para essa decisão.
Estas 13 operações, a maioria das quais com o aval de António de Sousa ou de Carlos Santos Ferreira, acabaram por resultar em perdas de 48 milhões de euros. Nas operações de reestruturação que mereceram chumbo mas avançaram na mesma, o banco perdeu quase dez vezes mais. O antigo presidente justificou que havia “conversas frequentes” entre administração e gestão risco que acabavam, maioritariamente, por chegar a consenso.
“Num banco, a responsabilidade é do conselho de administração e tem de ter capacidade última de tomada de decisão. Já se questionou se o parecer de risco deve ou não ser vinculativo? Não deve porque a responsabilidade é do conselho de administração”, defendeu. “O relatório da EY foca-se muito nas operações e, muitas vezes, não só pode analisar só uma operação, mas a relação complexa com o cliente”. Questionado ainda sobre se pareceres diferentes, seriam ou não fundamentados, António de Sousa explicou ainda que não haveria fundamentação nas atas porque as indicações eram para que estas fossem sucintas.
Vale de Lobo é projeto a médio prazo. “Espero que seja rentável”
Em relação ao caso do BCP — investimento entre 2000 e 2013 que gerou uma perda efetiva de 595 milhões de euros para o banco público –, António de Sousa explicou que a única interação que existiu durante o tempo da sua liderança entre as duas instituições financeiras prendeu-se com um projeto conjunto de expansão internacional.
O racional de investimento foi a tomada de posição inicial inseriu-se no processo de consolidação do setor bancário em Portugal com intervenção do Estado português, como explicou a EY, o que o antigo gestor considera que “pode ser uma forma de utilizar a Caixa enquanto banco público”. No entanto, sublinhou que é preciso “ter consciência que tem custos e custos pesados”.
Falou ainda sobre outra das operações ruinosas, o resort de luxo Vale do Lobo, cujo financiamento de 170 milhões de euros (mais 50 milhões de suprimentos) foi aprovado em 2006. Foram ainda concedidos 30 milhões à sociedade Wolfpart para compor a parte dos capitais próprios que eram exigidos na estrutura de financiamento do projeto. De acordo com a EY, gerou perdas de 75 milhões de euros à CGD.
O banco púbico acabou por vender estes créditos ao fundo de capital de risco ECS, agora liderado pelo mesmo António de Sousa, com o objetivo de ser feita a mutualização dos créditos. “A operação de Vale de Lobo foi a última que fizemos porque os fundos têm um período de investimento e depois de desinvestimentos e estas operações não demoram menos que um ano. Na prática, ao entrar no fundo de reestruturação da ECS ficou mutualizado nesse conjunto de bancos”, referiu.
Questionado sobre porque é que este crédito obrigou a um registo tão grande de imparidades, António de Sousa respondeu que não conhecia o valor da imparidade. “Não acertamos em todos os negócios que fazemos. Penso que neste momento é um projeto a médio prazo”, disse o antigo gestor, acrescentando: “Espero que seja rentável”.
Também esta terça-feira, a partir das 15h00, o Parlamento volta a ouvir as explicações de Carlos Santos Ferreira (antigo presidente da CGD entre 2005 e 2008 e um dos principais visados na auditoria da EY) sobre a sua gestão. Na sexta-feira, um dia depois de o banco apresentar os resultados relativos ao primeiro trimestre do ano, será a vez de Fernando Faria de Oliveira (que presidiu à CGD entre 2008 e 2010 e é atualmente presidente da Associação Portuguesa de Bancos) a sentar-se à mesa da comissão de inquérito.
(Notícia atualizada às 12h50)
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