Desistência da barragem do Fridão terá “impacto significativo” no Orçamento do Estado

Fridão pode custar mais de 218 milhões ao OE, incluindo danos emergentes e lucros cessantes a pagar à EDP. Parecer de 2016, pedido pelo Governo, concluiu que só o Estado pode decidir sobre a barragem.

O cancelamento do projeto da barragem do Fridão pode custar bem mais de 218 milhões de euros ao Orçamento do Estado, já que além do valor pago pela EDP “a título de contrapartida financeira pela exploração” desta barragem, também deverão ser tidos em conta os “danos emergentes” e os “lucros cessantes” da empresa, tudo valores a ser contabilizados numa “justa indemnização” à elétrica. Sem um acordo entre governo e a empresa de António Mexia, esta indemnização poderá mesmo ser inevitável, já que um parecer encomendado pelo Executivo em 2016 confirma que só o Estado pode cancelar a barragem — ou seja, a responsabilidade sobre o recuo não pode recair na EDP.

A reavaliação do Plano Nacional de Barragens (PNB) avançou em 2016, tendo o governo na altura analisado as várias ramificações que esta reavaliação implicava, incluindo os aspetos jurídicos associados às diferentes opções em cima da mesa para as barragens ainda em condições de não serem construídas — Fridão, Girabolhos e Alvito. E, se as duas últimas se resolveram entretanto, a primeira pode arrastar consigo “um impacto muito significativo para o Orçamento do Estado”, mostra a análise jurídica feita ao caso do Fridão pelo próprio Executivo, que conclui também que quaisquer alterações ao projeto cabem só e apenas ao Estado.

Cabendo apenas ao executivo, lê-se na reavaliação do PNB, e findo a suspensão de três anos do projeto, restam duas opções em cima da mesa: ou há uma revogação unilateral do projeto, e o pagamento da tal “justa indemnização” à EDP, ou terá de ser negociado um encontro de vontades com a elétrica, que já disse não estar disponível para abdicar do projeto sem receber, pelo menos, os 218 milhões de euros pagos pela concessão.

A génese desta guerra pelo destino do Fridão remonta a 2016, quando, e para evitar impactos financeiros nas contas públicas, mas também porque nem EDP, nem o Ministro do Ambiente e da Transição Energética (MATE), estavam, nessa data, interessados em cancelar o projeto, as partes decidiram suspender o AH [Aproveitamento Hidroelétrico] de Fridão por três anos — prazo que terminou no passado dia 18 de abril de 2019 –, deixando o conflito a “marinar” até este ano.

Contudo, e ao longo dos três anos, o projeto foi perdendo interesse, tanto para a EDP, por razões económico-financeiras, como para o Governo, dado o elevado nível de cumprimento das metas energéticas do país. Mas a elétrica pagou os 217,8 milhões pela concessão logo em 2008, e, apesar de já ter assumido que o projeto não é tão proveitoso como se antecipava aquando do seu lançamento, diz que só abdica do mesmo se for ressarcida. Ou seja, e sem uma manifestação clara e oficial do Governo de que o projeto é para cancelar, o projeto avança mesmo não sendo tão interessante quanto há dez anos, diz a EDP.

Já no entender do MATE, a perspetiva é outra: como o desinteresse veio da EDP, não há direito a qualquer restituição, conforme apontou Matos Fernandes, ao Parlamento, em meados de abril. A leitura do Executivo é simples: como a elétrica não está interessada, o governo não se opõe ao cancelamento da barragem e não tem de pagar qualquer valor. Que é como quem diz: a responsabilidade do cancelamento de Fridão é da elétrica, e não decisão “nossa”, logo não há direito a qualquer reembolso.

“Apenas ao Estado competirá decidir”

Contudo, e apesar do jogo de palavras (e do empurra) desencadeado desde que a suspensão do projeto chegou ao fim, em abril, certo é que em 2016, no documento publicado pelo próprio ministério do Ambiente sobre a “Revisão do Programa Nacional de Barragens”, a análise feita ao projeto pensado para o Fridão deixa claras as hipóteses em cima da mesa.

Depois de analisados juridicamente os casos de Girabolhos (não execução por acordo entre as partes) e do Alvito (revogação parcial), o capítulo dedicado aos “aspetos jurídicos” da reavaliação do PNB avança para o caso de Fridão. E o Governo, tendo por base um parecer emitido pelo CEJUR — Centro de Estudos Jurídicos do Minho –, elaborado a pedido do próprio Executivo, concluiu que só existiam três saídas possíveis para esta barragem: “Revogação unilateral do contrato por iniciativa do Estado”; “Cessação por mútuo acordo”; “Suspensão/adiamento do contrato por 3 anos”.

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Nenhuma das soluções possíveis poderia assim partir por iniciativa exclusiva da EDP. Isto porque, e como cita o documento do parecer solicitado ao CEJUR, em conclusão a que o MATE diz aderir, “num cenário de alteração dos pressupostos sobre os quais a política energética foi concebida, apenas ao Estado competirá decidir, em nome do interesse público, em que medida essa eventual alteração deve refletir-se nos contratos celebrados ou em vias de celebração”.

Ou seja, esclarece o mesmo ponto: “A verificar-se uma alteração dos pressupostos sobre os quais a política energética foi concebida e os respetivos concursos para a construção dos AH foram lançados, competirá ao Estado avaliar e tomar essa decisão e não ao concessionário determiná-la.

Três hipóteses: uma foi usada, sobram duas

No documento sobre a reavaliação do PNB, são então avaliadas as três soluções possíveis para o Fridão: a revogação unilateral, uma cessação por mútuo acordo e a suspensão por três anos. Esta última foi a opção tomada, mas apenas por exclusão de partes, detalha o documento. É que em caso de “revogação unilateral”, assume o relatório do ministério, a EDP teria de ser justamente indemnizada, e não apenas com o valor pago pela concessão, como pelos danos emergentes e lucros cessantes.

“Esta solução teria impactos financeiros muito significativos no Orçamento do Estado, pelo que a sua concretização não é exequível”, conclui então o relatório.

Quanto à segunda hipótese, de “cessação por mútuo acordo”, esta “implica um encontro de vontades de ambas as partes”, algo que em 2016 ainda não era possível, já que “nem a EDP se mostra disponível de imediato para prescindir em absoluto da sua concretização, nem o Estado tem interesse em inviabilizar a sua construção de forma definitiva”, pois ainda se avaliava na altura se as metas do setor energético ficariam, ou não, comprometidas sem a AH de Fridão.

Sobrava então a suspensão por três anos, tendo esse sido o caminho escolhido por concedente e concessionário. “Existem razões supervenientes e de manifesto interesse público que determinam a suspensão do presente procedimento, por iniciativa do Estado”, conclui a reavaliação do PNB. Esta era a forma do Estado não assumir na altura “quaisquer custos pela resolução do contrato”, ganhando tempo para uma “avaliação mais apurada das consequências a nível energético pela sua não execução, adiando a solução de avançar ou de retroceder face às circunstâncias futuras”.

Mas este adiamento acabou agora. E das “hipóteses possíveis”, sobram então a revogação unilateral ou a cessação por mútuo acordo, ambas prevendo uma indemnização ou, pelo menos, um acordo com a EDP. Mas passado o prazo para a decisão, nenhuma destas opções foi assumida pelo governo, de quem a EDP diz esperar uma resposta. A elétrica, porém, já abriu a porta a um entendimento: sendo certo que só recua em caso de acordo com o executivo, a empresa já se disse disponível “para analisar em conjunto com o governo, a viabilidade de possíveis alternativas que se adequem à melhor defesa dos interesses públicos e privados em presença”.

Contactada, fonte oficial do MATE não avançou quaisquer comentários aos aspetos jurídicos apontados no relatório de reavaliação do PNB, apontado que toda a questão será devidamente esclarecida quando o ministro for ouvido no Parlamento, em data que se encontra ainda por agendar.

Cartas de desamor, quem as não tem…

Conforme o ECO já deu conta aquando da eclosão da guerra pelo Fridão entre governo e EDP, este tema tem sido discutido (ou vinha a ser) entre as partes através de cartas trocadas sobre o futuro a dar ao projeto. E nestas cartas a elétrica acaba por elencar uma série de razões que justificam o crescente desinteresse no Fridão.

Em julho de 2018, por exemplo, a EDP aponta que “o aumento do parque eletroprodutor renovável e a previsível duradoura estagnação da procura” tornam o AH Fridão “menos necessário e menos justificável”, já que o seu “impacto ambiental é considerável”, lê-se na carta. Mas há também (e sobretudo?) razões financeiras no desinteresse: “Os encargos parafiscais e administrativos que foram entretanto impostos sobre os centros eletroprodutores ordinários ou sobre o AH Fridão desde 2016″ tornam o projeto menos interessante, já que estes novos custos “impactam significativamente a capacidade financeira da EDP Produção e o perfil de risco de novos investimentos em nova capacidade de geração”.

Contudo, em local algum da carta a empresa se diz disponível para cancelar o projeto por sua iniciativa. Antes para o renegociar, de modo a encontrar-se uma solução “que se conforme melhor com o contexto atual”.

Em fevereiro último, a elétrica voltaria a escrever ao MATE, salientando novamente ser hoje “muito menos premente” construir a barragem de Fridão e estar disponível “para analisar em conjunto com o Governo, a viabilidade de possíveis alternativas que se adequem à melhor defesa dos interesses públicos e privados em presença”. Nesta missiva, a EDP saudava mesmo a intenção manifestada pelo MATE em “aprofundar uma solução” em conjunto com a elétrica, que passaria por um projeto de menor dimensão e menos impactos ambientais.

Terá sido a assunção por parte da EDP de ter um menor interesse na barragem, e também do facto de esta ser agora “muito menos premente”, que foi aproveitada pelo Governo para declarar que a barragem não avançaria por opção da elétrica, a que o Executivo não se oporia. Já em abril, antes de ir ao Parlamento anunciar que o Fridão não avançaria, foi esta interpretação que Matos Fernandes detalhou em carta à elétrica.

Em reação a esta posição governamental, a EDP lembrou que compete ao Executivo tomar uma decisão definitiva sobre o futuro da mesma, e não a si, solicitando então que o ministro “esclareça com caráter de urgência” o que vai acontecer com a barragem do Fridão, sublinhando que “não abdicará, em nenhum momento, dos seus direitos, nem dos mecanismos de que dispõe, legal e contratualmente, para a defesa dos mesmos”.

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