Receitas do passado para estimular a economia já não funcionam tão bem

Um estudo publicado pela Comissão Europeia conclui que a capacidade do Governo de estimular a economia aumentando os gastos públicos ficou significativamente mais limitada durante e após a crise.

A capacidade do Governo português para estimular a economia com um aumento da despesa pública — a forma mais eficiente — diminuiu significativamente durante e após a crise económica e financeira, conclui um estudo de duas economistas publicado esta sexta-feira pela Comissão Europeia. O estudo diz ainda que o aumento do investimento tem um impacto marginal no PIB no curto prazo, como estímulo à economia.

Um estudo sobre os impactos na economia portuguesa de choques orçamentais entre 1995 e 2017, elaborado pelas economistas Elva Bova e Violeta Klyviene e publicado pela Comissão Europeia — mas que não reflete necessariamente as posições oficiais de Bruxelas –, conclui que o aumento do consumo público é a variável orçamental que tem maior impacto positivo no crescimento como estímulo à economia em tempo de crise.

Nas contas destas economistas, entre 1995 e 2017, o PIB português aumentou 1,52 euros por cada euro de aumento do consumo público ao fim de cada ano. Segundo o estudo, este aumento do consumo público tem um efeito tão positivo porque a despesa do Estado está muito concentrada nas despesas com pessoal. Logo, o aumento do consumo público tem como consequência um aumento do rendimento disponível das famílias.

“O rendimento disponível é um canal de transmissão importante através do qual a política orçamental se reflete no crescimento [económico], principalmente através do consumo público”, diz o estudo.

No entanto, este efeito já foi significativamente maior. Até 2008, período em que se iniciou a fase mais crítica da crise, o PIB crescia 15,82 euros por cada euro de aumento do consumo público. A resposta era também ela mais forte no imediato, já que logo no primeiro trimestre se produzia um aumento de 2,42 euros no PIB por cada euro de aumento do consumo público. Incluindo os anos entre 2008 e 2017 nesta análise, a resposta do PIB no primeiro trimestre de aumento dos gastos baixa de 2,42 euros para 0,84 euros por cada euro gasto.

“O consumo público provoca efeitos positivos relativamente grandes e persistentes no crescimento em Portugal. (…) Também concluímos que o multiplicador do consumo público era maior antes da crise financeira, o que evidencia alguma ineficácia nos canais de transmissão da política orçamental durante e após a crise”, dizem as autoras.

O mesmo estudo diz que o investimento público é uma forma relativamente ineficaz de tentar estimular a economia, pelo menos no curto prazo (as economistas só analisam o impacto no PIB de estímulos em seis trimestres consecutivos), já que cada euro gasto a mais em investimento público só levou a um crescimento do PIB, no máximo, de 0,14 euros.

No entanto, a resposta observada neste período temporal pode não refletir totalmente o impacto do aumento do investimento na economia, que tipicamente é de mais longo prazo, e pode estar influenciado pelo elevado investimento público feito através de Parcerias Público-Privadas (PPP) que não são registadas como investimento público, alertam as autoras, que sublinham ainda que o investimento através de PPP tem tipicamente efeitos multiplicadores elevados.

Esta análise aos canais de transmissão da política orçamental para o PIB deixa de fora o efeito imediato do aumento dos gastos que resulta do funcionamento dos estabilizadores automáticos. Ou seja, o aumento automático dos gastos do Estado com subsídios de desemprego e outros apoios sociais, e a perda de receita fiscal que ocorre quando a economia entra em recessão, e que acontecem mesmo que o Governo não tome qualquer medida.

A capacidade de reação destes estabilizadores — cujo funcionamento impede uma queda mais abrupta da economia — também ficou mais limitada após a crise, devido às medidas tomadas antes e durante o resgate que colocaram mais restrições e alteraram os valores de prestações sociais como o subsídio de desemprego, e ainda as mudanças nos impostos.

As duas economistas dizem ainda que, de acordo com a análise que fizeram deste período de 22 anos, o aumento do défice não resultou num aumento das taxas de juro, antes pelo contrário.

“Concluímos que, globalmente, um aumento do défice orçamental é seguido de uma diminuição das taxas de juro, o que invalida o argumento dos chamados bond vigilantes’, que defendem que os investidores compram ou vendem obrigações [de dívida pública] em reação a mudanças na política orçamental”, diz o estudo.

Segundo as autoras, as taxas de juro caem ligeiramente quando o Governo aumenta a despesa, especialmente em investimento público mas também o consumo público. Já quando os impostos diretos, como o IRS, são aumentados, as taxas de juro tendem a aumentar.

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