Merkel e Macron às avessas na reunião em que (quase) todos rejeitaram Weber

Merkel defendeu Weber mas acima de tudo a influência do PPE. Já os restantes desenharam o perfil do candidato desejado: outro candidato que não Manfred Weber.

A reunião era tão sensível que o Conselho Europeu bloqueou o sinal dos telemóveis de todos os chefes de Governo na sala. Na ementa — além dos filetes de porco com espargos e favas para o jantar — os chefes de Governo da União Europeia tinham que começar a decidir como escolheriam a futura liderança da União Europeia. De acordo com fontes europeias contactadas pelo ECO, não houve decisões, mas as frentes de batalha estão identificadas: vários líderes manifestaram-se contra Weber sem dizer o seu nome; que Merkel defendeu (sem pôr as mãos no fogo) e demonstrou que a decisão vai ter sempre de passar pelo seu Partido Popular Europeu (PPE); a França cada vez mais distante da Alemanha; a Grécia de Tsipras, cada vez mais posta de parte, a defender o socialista Timmermans.

Já se esperava que a reunião dos líderes dos governos da União Europeia não fosse fácil, nem chegasse a uma conclusão automática, mas a perspetiva de um consenso nem sequer ficou mais perto. Alguns líderes começaram a demonstrar mais abertamente de que lado da barricada estão na luta pelo futuro da Comissão Europeia (e não só) e ficou cada vez mais evidente o distanciamento entre aquele que foi o eixo fundamental da liderança na União Europeia nas últimas décadas.

Merkel e Macron cada vez mais distantes

Durante a reunião, Emmanuel Macron defendeu as características que considera essenciais num candidato, como a experiência governativa e a influência capaz de juntar Conselho Europeu e Parlamento Europeu, e ainda os eixos de ação que quer ver numa nova Comissão mais progressista, entre eles a reforma da zona euro. Sobre candidatos, não avançou com nomes, nem pareceu levar a sua de vencida.

A posição de Macron terá colocado Angela Merkel numa posição ainda mais defensiva em relação ao cabeça-de-lista escolhido pelo PPE, família política na qual está integrada a sua CDU. Angela Merkel, que tem uma postura geralmente ambigua até atingir um consenso e que tem evitado colocar candidatos alemães em altos cargos, defendeu Weber dizendo que a experiência governativa não é tudo, e lembrou que o PPE ainda é o partido mais votado e com mais assentos no Conselho. Ainda assim, de acordo com uma fonte com conhecimento da reunião, a defesa de Angela Merkel não foi um sim definitivo a Weber: “Quando Merkel quer algo, ela demonstra claramente. Neste caso não foi bem assim. Defendeu Weber e o PPE, mas não foi intransigente. Ainda há muito caminho” a fazer, explicou a mesma fonte.

Mas houve mais do que nomes e partidos a separar Angela Merkel e Emmanuel Macron: “Cada um listou os eixos de ação que consideram essenciais. Muitos são semelhantes, mas há uma diferença importante, a reforma da zona euro“, disse outra fonte ao ECO.

Tanto Angela Merkel e Emmanuel Macron explicaram aos jornalistas os eixos de ação que consideram essenciais, como as alterações climáticas, a política de imigração, um novo enfoque na inovação, mas se para Macron (e para os socialistas) o aprofundamento da zona euro é um eixo fundamental, a Alemanha e os países mais conservadores há muito que torcem o nariz às propostas mais importantes. Entre estas estão as que envolvem mais transferências de recursos dos Estados-membros como a Alemanha (a que mais contribui) para resolver crises em países, em especial países como os que já apoiaram durante a recente crise.

Na conferência de imprensa que se seguiu à reunião, Angela Merkel assumiu muito claramente a divergência com Emmanuel Macron: “não é segredo que [Macron] não apoia o sistema do spitzenkandidaten [cabeça-de-lista das principais famílias políticas europeias], mas todos temos que viver com as circunstâncias como elas são. O PPE é o partido mais forte no Parlamento, é óbvio que sozinho não tem maioria, mas cada um de nós tem de pensar bem”.

O perfil do líder que é tudo menos Manfred Weber

O presidente do Conselho Europeu pediu aos líderes dos governos que explicassem o que pretendem no próximo presidente da Comissão Europeia, e o que se seguiu foram perfis de líderes onde se incluem quase todos, menos Manfred Weber, o candidato do centro-direita que foi a família política mais votada.

Para a França, e os liberais aos quais Emmanuel Macron vai juntar o seu partido no Parlamento Europeu, o futuro líder deve ter experiência de governação, tem de ser um líder de consensos que consiga mediar eventuais disputas entre o Conselho Europeu e o Parlamento Europeu, e defender uma agenda de maior integração, o que desclassificaria automaticamente o candidato alemão.

Já os socialistas pedem mais experiência e historial, em altos cargos governamentais e na Comissão Europeia, pedindo também alguém que seja capaz de criar consensos, com uma agenda a favor da integração no que à União Económica e Monetária diz respeito, considerando que Frans Timmermans reúne estes requisitos.

Pelo PPE, Angela Merkel deixou claro que o centro-direita é o partido mais representado, tanto no Conselho como no Parlamento Europeu. Sobre o candidato, diz que a falta de experiência executiva não desclassifica ninguém, mas não foi tão longe como dizer que seria Manfred Weber ou nada.

Mais à esquerda, e praticamente isolado na Comissão Europeia, esteve o primeiro-ministro grego Alexis Tsipras, que é a voz isolada da esquerda unitária no Conselho Europeu e que também tem feito a ponte com os Verdes no Parlamento Europeu. O grego lembrou que o grupo da esquerda unitária, o GUE, está manifestamente contra a nomeação de Manfred Weber, que considera que tem colocado a família política mais à esquerda no mesmo saco que a extrema-direita, ambos como extremistas que não devem ter participação nestas decisões. Tsipras, que vai a eleições a 7 de julho e está muito abaixo da Nova Democracia nas sondagens, ainda votar, caso seja o caso, no próximo Conselho Europeu a realizar em junho.

As equipas que vão negociar

As diferentes famílias políticas vão ter de negociar nas próximas semanas um acordo, até porque é preciso uma maioria qualificada reforçada no Conselho Europeu, ou seja, que 72% dos países, que representem pelo menos 65% da população da União Europeia, para a escolha do novo presidente da Comissão Europeia. Essas equipas já estão escolhidas:

  • PPE (centro-direita): Andrej Plenković (Croácia) e krišjānis kariņš (Letónia)
  • S&D (socialistas): Pedro Sanchéz (Espanha) e António Costa (Portugal).
  • ALDE (Liberais): Mark Rutte (Holanda) e Charles Michel (Bélgica).

Estes grupos terão ainda de consultar com o chamado grupo de Visegrado, que inclui a Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia, para tentar refletir os equilíbrios regionais, já que os países mais a leste têm exigido maior representação nos altos cargos da União Europeia. Mas a negociação com este grupo também tem as suas dificuldades.

  • O partido de Victor Órban, que lidera a Hungria, está suspenso do PPE e mantém vários diferendos sobre o respeito do enquadramento legal europeu (e já disse que considera Manfred Weber um candidato fraco).
  • O partido do primeiro-ministro da Polónia, Mateusz Morawiecki, está no grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus, uma família de centro-direita, mas mais à direita que o PPE e mais eurocético. Mateusz Morawiecki votou pela Polónia contra a reeleição de Donald Tusk, seu compatriota, enquanto líder do Conselho Europeu.
  • Na República Checa, o bilionário tornado primeiro-ministro populista Andrej Babiš, da família política dos liberais, está envolvido num esquema de corrupção — cujo combate foi a sua principal bandeira na campanha eleitoral — sobre a atribuição de fundos europeus a uma empresa que fundou, além de ser acusado de afastar os responsáveis pela investigação.
  • Na Eslováquia, o primeiro-ministro Peter Pellegrini está integrado no grupo dos socialistas, mas o seu país tem sido significativamente conservador, especialmente nas decisões tomadas no Eurogrupo relativamente aos países resgatados, como foi o caso da Grécia. Pellegrini já tinha experiência governativa, mas só assumiu a liderança do governo eslovaco em 2018.

Para além de consultar estes grupo, os negociadores terão ainda mais dois países na lista que prometem ser tudo menos fáceis. O primeiro deles é a Itália, cujo governo eurocético saiu reforçado das eleições europeias e que exige ter um comissário importante — com a pasta dos Assuntos Económicos ou da Concorrência. A Itália é a terceira maior economia da zona euro e o quarto país (se incluirmos o Reino Unido) com a mais população da União Europeia, cerca de 12%.

No caso da Grécia, o único representante da esquerda unitária, a posição é simples: Manfred Weber não. Alexis Tsipras irá servir, enquanto for primeiro-ministro, de representante do grupo mais à esquerda no Parlamento e o seu candidato é o socialista Timmermans. Apesar de ter tido contactos com António Costa e Pedro Sanchéz antes das eleições, depois de se saber do resultado eleitoral e do pedido de eleições antecipadas na Grécia, nem telefonemas, nem sequer uma reunião bilateral teve na terça-feira em Bruxelas com os socialistas que pediam o seu apoio.

Exercer poder sem criar um conflito institucional

Os líderes das principais famílias políticas no Parlamento Europeu — não foi o caso dos liberais — expressaram o seu apoio ao processo do spitzenkandidaten e o Conselho Europeu tomou nota, mas sem matar de vez o processo para evitar um conflito institucional com o Parlamento Europeu, mas chamou a si, de forma inequívoca, a responsabilidade de escolher o líder da Comissão Europeia e do Conselho Europeu.

Foi isso mesmo que Donald Tusk foi dizer aos jornalistas no final da reunião dos líderes: “A discussão de hoje [terça-feira] confirmou o acordo dos líderes em fevereiro do ano passado, de que o Conselho Europeu vai exercer o seu papel na eleição do presidente da Comissão, ou seja, em concordância com os tratados, que não pode haver ‘automaticidade’. Ao mesmo tempo, ninguém pode ser excluído. Ser um cabeça-de-lista não é uma característica que desclassifique, pelo contrário, pode aumentar as suas hipóteses”.

O polaco que preside ao Conselho Europeu lembrou que quem propõe é o Conselho Europeu, e depois quem elege é o Parlamento Europeu, e que mesmo dentro do Conselho Europeu tem de haver uma maioria qualificada. Mas quando fugiu ao discurso escrito, Donald Tusk foi mais longe na mensagem passada às famílias políticas no Parlamento: “as obrigações dos tratados são mais importantes que ideias ou invenções políticas”.

Vestager ganha força

Com Angela Merkel e Emmanuel Macron às avessas, a liberal Margrethe Vestager ganha força como candidata à liderança da futura Comissão Europeia. Em parte, devido a este diferendo: “se não for um francês, a Alemanha também não imporá um alemão, caso contrário o mesmo acontece no BCE”, admitiu uma fonte.

Estes dois líderes podem forçar as suas posições ou chegar a um meio-termo. E esse meio-termo pode muito bem ser Margrethe Vestager, uma líder forte como descreveu o primeiro-ministro do Luxemburgo, com experiência na Comissão e no Governo como pediam liberais e socialistas, e que não seja de nenhuma das duas famílias políticas mais votadas.

Além disso, MargretheVestager ganhou um apoio que não tinha até esta terça-feira, o do seu próprio país. O primeiro-ministro dinamarquês, antigo adversário político de Vestager, defendeu que a comissária da Concorrência tem o perfil para liderar a Comissão Europeia, algo que não tinha feito até agora.

Mas ainda há muito caminho para fazer. Mesmo que o acordo dê a liderança da Comissão Europeia aos liberais, Vestager (que tem a simpatia, mas não o apoio de Angela Merkel) tem ainda contra si não ser oriunda de um país da zona euro, algo que alguns líderes torcem o nariz.

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