‘Mini-bots’ de Itália são “estupidez” rumo a uma saída “catastrófica” do euro

  • Lusa
  • 23 Junho 2019

'Mini-bots' serão um novo tipo de títulos do Tesouro italiano, que poderiam ser usados pelo governo para pagar as dívidas a empresas (fornecedores, por exemplo) e também pelos cidadãos para impostos.

Os chamados ‘mini-bots’ são considerados uma “estupidez” por Olivier Blanchard, antigo economista-chefe do FMI, e um meio que deixaria Itália mais preparada para uma saída do euro, ainda assim “catastrófica”, segundo João Moreira Rato, ex-presidente do IGCP.

O ex-presidente do IGCP – Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública, João Moreira Rato, considera que os ‘mini-bots’ – um novo tipo de títulos do Tesouro italiano para servir como meio de pagamento -, poderiam ser um embrião de moeda alternativa ao euro, mas existem muitas limitações práticas.

“Qualquer obrigação do governo de maturidade muito curta e com baixas denominações tem o potencial de poder ser utilizada como meio de pagamento. Se o Estado as utilizar para pagar por bens e serviços e as aceitar como meio de pagamento de impostos, isso pode ajudar a generalizar a sua utilização como meio de pagamento na economia”, afirmou João Moreira Rato, em declarações por escrito à Lusa.

Contudo, o ex-presidente do IGCP frisou que o facto de aquelas “obrigações não serem reconhecidas legalmente como meio de pagamento, será sempre um obstáculo à sua utilização mais generalizada, já que algumas transações poderão ser contestadas em tribunal”.

“E isso não será permitido enquanto a Itália estiver na zona euro”, sublinhou João Moreira Rato.

Já Olivier Blanchard, antigo economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), manifestou uma visão mais crítica e negativa relativamente aos ‘mini-bots’.

Acho que é uma ideia muito estúpida, porque faz-se isto se existe realmente intenção, ou pelo menos existe hipótese, de sair do euro. E, nesse caso, assim que se torna possível, os investidores punem o país, severamente”, afirmou Olivier Blanchard, em entrevista à agência Lusa, à margem do Fórum do Banco Central Europeu (BCE), que decorreu na semana passada, em Sintra.

“Por enquanto, os investidores não estão a levar [a ideia] muito a sério, mas se realmente acontecer, então creio que veremos os ‘spreads’ das obrigações italianas a subir bastante e isso não iria matar, mas teria um efeito adverso significativo na economia italiana”, alertou o economista francês, atualmente no Peterson Institute for International Economics.

Os chamados ‘mini-bots’ seriam um novo tipo de títulos do Tesouro italiano, que poderiam ser usados pelo governo para pagar as dívidas a empresas (fornecedores, por exemplo) e também pelos cidadãos para pagarem os seus impostos ao Estado.

Os novos títulos seriam emitidos pelo Tesouro italiano, não tendo, contudo, uma taxa de juro associada nem um prazo, e teriam pequenas denominações (20, 50, 100 euros), funcionando como meio de troca e tendo, assim, a possibilidade de se tornar uma moeda paralela ao euro.

Questionado sobre se os ‘mini-bots’, a concretizarem-se, serão um primeiro passo em direção à saída de Itália da zona euro, João Moreira Rato considerou que “não obrigatoriamente”, adiantando que “deixariam a Itália mais preparada para lidar com uma saída do euro, que não deixaria, no entanto, de ser catastrófica”.

Já Olivier Blanchard alertou que, a concretizar-se, Itália “teria os seus ‘mini-bots’, que basicamente são inúteis, e estaria a pagar um ou dois por cento a mais em juros, o que corresponde a muito dinheiro”.

“E assim, a palavra estupidez vem-me à mente como a palavra certa”, sublinhou o economista francês à Lusa.

Sobre se estes títulos poderiam ajudar a resolver os problemas da economia italiana ou se funcionariam apenas como uma espécie de paliativo, o ex-presidente do IGCP considerou que “poderiam servir para a Itália aumentar a sua dívida pública e financiar maiores défices públicos”, sublinhando que “a questão de não serem ‘legal tender’ [moeda legal] ou aceites legalmente como meio de pagamento vai dificultar a sua utilização generalizada”.

No entender de João Moreira Rato, a política orçamental não tem funcionado em Itália “como motor eficaz e sustentável de crescimento económico”, e, nesse sentido, “seria mais eficaz introduzir mais concorrência e livre entrada nos mercados de bens e serviços”.

Um dos maiores defensores da ideia dos ‘mini-bots’ foi Claudio Borghi, presidente da Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados e membro da Liga, que defendeu que não seria uma nova moeda, mas a “titularização de créditos existentes”.

A medida dos ‘mini-bots’ até foi incluída no programa de governo do Movimento 5 Estrelas e da Liga, atualmente no poder em Itália, mas o debate ganhou foco depois da Câmara dos Deputados ter apoiado a criação dos ‘mini-bots’ com uma moção não vinculativa, no final de maio.

A proposta foi criticada pela oposição italiana e o próprio ministro da Economia italiano, Giovanni Tria, alertou, no passado dia 08, que os ‘mini-bots’ corresponderiam, na prática, à introdução de uma moeda paralela ao euro, o que é proibido pelos tratados da União Europeia que regulam a moeda única.

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