Missões da OCDE agora são virtuais. Trabalhar menos? “É o oposto”, diz Álvaro Santos Pereira

Também a OCDE adaptou-se à nova realidade, mantendo as missões aos países mas realizando-as à distância. Álvaro Santos Pereira dá o testemunho de como é liderar um departamento à distância.

Álvaro Santos Pereira é um dos muitos portugueses que está em teletrabalho. Está em Portugal, mas a trabalhar para o escritório de Paris onde fica a sede da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE). Em declarações para a rubrica do ECO, “Gestores em Teletrabalho“, o diretor do diretor do departamento de Economia da OCDE explica que os relatórios que estavam programados mantiveram-se, mas estão a ser feitos à distância com recurso à tecnologia.

Há mais de um mês em teletrabalhado, o ex-ministro da Economia explica que veio a Portugal visitar a família antes do agravamento da pandemia na Europa e acabou por ficar em território nacional uma vez que tanto França como os escritórios da OCDE encerraram enquanto cá estava. Em poucas semanas, a Organização adaptou-se à nova realidade e já faz missões digitais aos países.

Uma das poucas consequências positivas que nós temos desta crise é a aceleração em muitos anos da transição digital“, afirma o quadro da OCDE, organismo que tem pedido aos países para acelerar essa transição. O mesmo acontece dentro da Organização, algo que o próprio já tinha proposto. “Como nós seguimos mais de 50 países, temos de viajar muito e isso tem um impacto muito grande na vida familiar pessoal”, explica.

No passado, Álvaro Santos Pereira tinha proposto fazer missões digitais. “Até agora tinha havido alguma relutância, quer por parte dos países quer por parte dos serviços de informática da minha instituição“, confessa, referindo que “todos foram forçados a mudar essas opiniões”. “O que está a acontecer é que tudo é feito remotamente”, adianta, referindo que já houve uma missão ao Brasil que foi feita completamente à distância.

Mais: pela primeira vez na sua história de 60 anos, o comité mais antigo da OCDE analisou um relatório (survey) da OCDE numa reunião remota. “É um grande progresso“, confessa, assinalando que a missão digital ao Brasil também foi a primeira deste tipo. “Esta está a ser uma boa oportunidade para se mudar os métodos de trabalho também quando podemos”, argumenta, ressalvando que já havia algum nível de teletrabalho dentro da OCDE mas sem “tanta utilização de meios digitais” como atualmente.

Apesar de elogiar esta aceleração da transição digital interna, Álvaro Santos Pereira explica que o trabalho da OCDE requer maior proximidade. “O contacto pessoal é sempre preferível obviamente, principalmente quando estamos a lidar com questões diplomáticas, com questões de países ou mesmo questões de recursos humanos em que lidar à distância nunca é a mesma coisa”, explica. E concretiza: “Se eu estiver a falar com alguns Governos ou embaixadores da OCDE sobre esta ou aquela matéria é muito diferente estar remotamente… O fluxo e o diálogo nunca é tão frutuoso quando é remotamente comparativamente a presencialmente”.

(Entrevista foi realizada a 7 de abril)

OCDE muda o foco para a pandemia

Já o trabalho em si também mudou, mas não foi por causa do teletrabalho. “Foi por causa da crise”, revela, explicando que a crise pandémica veio mudar o foco principal dos países e da própria OCDE. Os relatórios por país (country reports) que já estavam na fase final vão avançar, mas os restantes deverão ficar em stand by. O objetivo é que o foco da OCDE, nomeadamente do departamento de economia, seja “completamente” o impacto da crise e da pandemia “nos próprios países” membros da Organização.

Esta nova exigência aumentou o volume de trabalho. “Quando muita gente pensava ‘bem, vou estar em teletrabalho, vou trabalhar menos’… tem sido o oposto“, confessa Álvaro Santos Pereira, destacando que tem “reuniões constantes quer com outros diretores quer com os meus chefes de divisão quer com toda a gente das equipas”. Assim, na prática, no período de adaptação, as horas de trabalho até foram superiores aos períodos normais.

“Há tantas ou mais reuniões do que tínhamos antes e no início o fluxo de mails aumentou brutalmente”, descreve, numa realidade que é transversal ao que está a acontecer nas empresas. “Estamos em plena crise e o que tem acontecido é que há notícias a toda a hora, muitas vezes é preciso reagir ou pelo menos analisar essas notícias“, acrescenta, referindo que utiliza “principalmente” a plataforma Zoom e, por vezes, o WhatsApp.

O foco está, portanto, nas “exit strategies” (estratégias de saída da pandemia), a pedido dos países. É aí que a OCDE poderá ajudar os seus membros dado que, ao contrário do Fundo Monetário Internacional ou do Banco Mundial, não foi criado para financiar os Estados em alturas de dificuldade, mas sim para coordenar questões económicas. “A única coisa que podemos emprestar é talento e partilhar experiências de outros países“, exemplifica.

Contribuições dos países deverão ficar estáveis

Numa altura em que os EUA decidiram suspender o financiamento para a Organização Mundial da Saúde e os países lidam com uma elevada fatura desta crise pandémica, será que organizações multilaterais como a OCDE vão sobreviver? E terá capacidade de manter o seu financiamento?

“É prematuro dizer o que vai acontecer”, considera Álvaro Santos Pereira, explicando que a OCDE é financiada por dois meios: através das contribuições dos países e através das contribuições voluntárias ligadas a projetos específicos.

O departamento que dirige, por exemplo, é “quase todo” financiado pelas contribuições dos países, as quais diz estarem “estáveis”, “em princípio”.

Contudo, as contribuições voluntárias para projetos específicos que são feitos a pedidos dos países poderão estar em causa. “Certamente vai diminuir esse tipo de fluxos”, admite.

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