“Proibir despedimentos é um disparate porque destroem-se os empregos e as empresas”

O ex-ministro considera que é contraproducente proibir os despedimentos, como pedem o BE e o PCP, e prevê que será necessário pôr em cima da mesa a renovação extraordinária dos contratos temporários.

Álvaro Santos Pereira, responsável pela reforma da lei laboral realizada durante a troika, elogia a atual ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, mas avisa que será necessário voltar a implementar medidas dessa época como a renovação extraordinária dos contratos temporários e o uso dos apoios do IEFP para incentivar as empresas a contratarem novamente. Contudo, a proibição dos despedimentos não deve ser uma opção uma vez que destruirá tanto os empregos como as empresas. O mais importante é que as pessoas tenham emprego, seja permanente ou temporário, diz em entrevista ao ECO.

Por causa do confinamento ditado pela pandemia, nos EUA os números dos pedidos de subsídios de desemprego na última semana chocaram toda a gente, não tendo precedentes. O que pode acontecer em Portugal?

É inevitável haver um aumento do desemprego. As próprias empresas podem ter alguma relutância em voltar a contratar. É muito provável que, infelizmente, o desemprego não só aumente como permaneça num nível mais elevado durante algum tempo. Temos de monitorizar. É cedo, ainda não vimos números e, portanto, não vou estar a especular qual será a taxa de desemprego que vamos ter. Mas posso dizer que, no pico da anterior crise, tivemos um desemprego de 17,8% e fomos o país onde o desemprego desceu mais rapidamente para, neste momento, 6,5%. Isso aconteceu exatamente após a reforma laboral: flexibilizar os meios de contratação, introduzir mecanismos como o banco de horas, etc. Isso ajudou muito para as empresas recuperarem e à criação de emprego. Penso que isso vai ter de acontecer novamente em termos de flexibilização para conseguirmos aumentar a contratação o mais rapidamente possível.

A sua experiência governamental passou bastante pelo mercado de trabalho, tendo feito uma reforma da lei laboral quando foi ministro. Se o emprego é a prioridade, o que é preciso fazer nessa área nesta situação?

Penso que vai ter de haver medidas para facilitar a contratação, para facilitar a renovação dos contratos temporários. Neste momento, o que é importante é as pessoas terem emprego. Obviamente que seria melhor se fosse permanente, mas mesmo que o contrato seja temporário, o que importa é que as pessoas tenham emprego. A renovação extraordinária dos contratos temporários, como foi feito em 2012, vai ter de se pôr na mesa. É importante que se ponha. [Já] proibir os despedimentos é um disparate total. O que vai acontecer se proibirmos os despedimentos é que imediatamente passado dois, três ou quatro meses vamos ter empresas a entrar em insolvência. Portanto, destroem-se os empregos e destroem-se as empresas. Isso não pode acontecer.

Claramente vai ser preciso um plano de combate ao desemprego. O Ministério do Trabalho está a fazer um bom trabalho neste momento. A ministra tem de ser elogiada pela sua atuação. O plano nacional contra o desemprego tem de ser um plano que fomente a criação de emprego, como fizemos em 2011 e 2012, utilizando muito os meios do IEFP para facilitar a contratação. Na altura foram criados estágios não só para jovens mas também para desempregados de longa duração. O Estado tem de facilitar e incentivar a contratação ao pagar parte do salário inicial. Isso já está a começar a acontecer, mas vai ter de acontecer em maior escala para proteger as pessoas. No fundo isso é o mais importante porque se não houver emprego aí a economia não vai certamente recuperar. A prioridade total tem de ser o combate ao desemprego. Há muitas famílias em dificuldades.

Concorda com as medidas que o Governo implementou e o desenho destas, nomeadamente o lay-off simplificado? Devia haver mais?

Alguns dos mecanismos que era preciso avançar já avançaram neste pacote de medidas. Temos de ter uma dimensão real do que está a acontecer para claramente depois o Governo reagir. Ainda é prematuro [dizer que mais medidas são necessárias]. As medidas que o Governo até agora introduziu — tanto na parte do emprego como no diferimento de impostos, de contribuições sociais, de avançar com linhas de crédito para as empresas — são medidas que têm sido utilizadas praticamente por todos os governos. As medidas fazem sentido.

Mas é importante ter a certeza absoluta de que estão a ser implementadas. Às vezes anunciam-se programas e não quer dizer que estejam a ser implementados. Acho que isso é muito importante: ter a garantia absoluta de que estão a ter impacto, que estão a chegar às pessoas, a ajudar as empresas e as pessoas que estão a ficar desempregadas ou em lay-off, e depois ver o impacto dessas medidas e ver se têm de ser ajustadas consoante a sua eficácia.

Há economistas e partidos que pedem mesmo a isenção de impostos, em vez do diferimento, e outros que pedem que o Estado avance com injeções de capital diretas nas empresas. Será necessário? É uma boa ideia?

Ainda é um pouco prematuro falar desse cenário. Devemos evitá-lo, se possível, porque abre uma caixa de Pandora em relação a muitas questões. Podem ser bastante nefastas para as próprias contas públicas. Temos de ver também a margem que temos. Ainda se estão a discutir os possíveis instrumentos europeus para ajudar. Uma das grandes lições desta crise é que aqueles que pensavam que baixar a dívida era um erro ou que ter excedentes orçamentais era um erro chegam claramente à conclusão que eles próprios é que estavam errados. O que uma das lições desta crise nos ensina é que o poder de fogo dos governos depende um pouco das condições económicas e financeiras que o próprio Estado tem.

Se não houver margem orçamental para fazer nada, os países ficam um pouco de mãos atadas: não podem investir em saúde como deviam nem podem ajudar a economia e as pessoas que perdem os seus empregos de forma decisiva. Obviamente, porque andamos a fazer o nosso trabalho de casa desde a última crise financeira, já estamos numa situação bem melhor do que a que estávamos em 2011. Se isto tivesse acontecido, imagine, em 2012, tinha sido a desgraça total. Tinha sido altamente nefasto. Agora é muito nefasto ainda, mas pelo menos temos um pouco mais de margem e é para isso mesmo que a dívida pública serve, para poder ser utilizada quando é preciso. Claramente que, neste momento, é preciso. Temos de utilizar esses meios para conseguirmos ajudar as pessoas e ajudar a economia.

A banca tem um papel particularmente relevante nesta ajuda. Está a fazê-lo? E também acha que os bancos têm de retribuir a ajuda que os portugueses lhes deram na última década?

Ainda é prematuro ver se a banca está a ajudar ou não. Penso que sim. Já vi valores para algumas linhas de crédito a rondas os 300 ou 400 milhões de euros em uma ou duas semanas. Os mecanismos estão a ter impacto, mas ainda não temos dados. Espero que a banca possa apoiar a recuperação da economia. Isso é o mais importante e temos de fazer o possível para que isso aconteça.

Os bancos têm todo o interesse em apoiar a recuperação da economia. Se houver um grande aumento de insolvências, por exemplo, vamos voltar a um dos problemas que tivemos há pouco tempo dos non performing loans (NPL, crédito mal parado). Os próprios bancos têm interesse em que isto corra bem. As coisas estão interligadas: a economia correr bem e o setor financeiro correr bem.

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