Empresas com dificuldades em pagar subsídios de férias. Lei diz que podem adiar

Algumas empresas, sobretudo PME, estão com dificuldades de tesouraria e os subsídios de férias vão ser um problema. Podem adiar esse pagamento, mas os trabalhadores têm de concordar.

Depois de terem estado dois meses e meio significativamente condicionadas pelas medidas de confinamento, as empresas começam agora a reabrir as suas portas. Fazem-no numa altura em que, habitualmente, a grande maioria dos trabalhadores costuma gozar férias. Este ano, o subsídio correspondente pode não chegar, contudo, no prazo do costume às carteiras dos portugueses. É que os empregadores têm sentido fortes dificuldades de tesouraria face à pandemia do coronavírus e a lei prevê a possibilidade de adiarem o pagamento em causa, mas apenas se o trabalhador concordar.

Em conversa com o ECO, o presidente da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CCPME) alerta que ainda há muitos empregadores à espera do apoio do lay-off simplificado e outros tantos que não conseguiram aceder às linhas de crédito lançadas pelo Governo. Resultado: “Há muitas empresas que não conseguiram pagar salários e estão a viver dias muito difíceis”, sublinha Jorge Pisco. E se nem têm recursos para pôr em dia as remunerações, provavelmente não terão capacidade de assegurar os subsídios de férias, acrescenta o responsável.

O mês tradicional das férias, julho, será, de resto, particularmente difícil, frisa o presidente da CCPME. Isto porque além terem de lidar com as dificuldades de tesouraria já existentes, as empresas sentirão a pressão decorrente da necessidade de eventualmente pagar os subsídios de férias. A somar a isso, os empregadores terão de começar a pagar os impostos e as contribuições sociais que, no segundo trimestre, foram diferidos e flexibilizados. “Houve um adiamento, mas não houve nenhuma medida compensatória”, salienta Pisco. “As microempresas vivem da faturação diária, como é que vão pagar os impostos diferidos? Como é que vão pagar os subsídios de férias?”, questiona.

Em março, o Governo anunciou a flexibilização do pagamento dos impostos e das contribuições para a Segurança Social. Os pagamentos das retenções na fonte do IRS e de IRC devidos a 20 de abril, 20 de maio e 20 de junho passaram a poder ser feitos em prestações. Também o pagamento do IVA passou a poder ser pago em três ou seis levas. E as contribuições sociais devidas entre março e maio foram, por sua vez, reduzidas a um terço, tendo ficado fixado que o valor remanescente seria pago no segundo semestre, de uma vez ou em prestações. Tudo somado, em julho, as empresas que aderiram a esta flexibilização terão de pagar além das contribuições e impostos devidos nesse mês, várias destas prestações.

Para o presidente da Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confecção (ANIVEC), o pagamento dos impostos e contribuições sociais diferidas será “um problema”, até porque a retoma está a ser lenta. “As empresas não arrancam porque não têm trabalho, não é porque não querem”, avisa.

Ao ECO, César Araújo conta que “as empresas não têm recursos financeiros, porque estiveram paradas e a pagar um terço dos salários aos trabalhadores em lay-off“. “O cenário é um pesadelo. As empresas não sabem o que fazer”, acrescenta.

Questionado sobre a questão dos subsídios de férias, o responsável atira: “As empresas ficaram descapitalizadas. Como se resolve? Trabalhando”. Para o líder da ANIVEC, este será, portanto, um verão de trabalho, uma vez que as empresas nem têm recursos para assegurar os subsídios de férias, nem podem dispensar os seus trabalhadores de modo a ter uma resposta pronta “às poucas encomendas” que começam a chegar. “Se a empresa não estiver em ponto morto, não responder às encomendas, não vão faltar outros países a responder a essas encomendas”, sublinha. “Dar férias é acelerar a insolvência”, defende.

Já para João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), julho será o mês decisivo para determinar se as empresas terão ou não efetivamente capacidade para assegurar os subsídios de férias. “Temos noção que grande parte dos subsídios de férias são pagos no mês de julho e isso vai depender muito da recuperação económica“, frisa o responsável, em declarações ao ECO.

Vieira da Lopes adianta também que poderão estar, por isso, no horizonte adiamentos dos subsídios em questão, com o acordo entre o empregador e os trabalhadores.

No mesmo sentido, o presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP) sugere que, face aos “enormes problemas de liquidez” vividos pelas empresas, se diluam os subsídios de férias, não procedendo ao pagamento por inteiro, mas na proporção dos dias que vão sendo gozados. Tal “permite alisar os fluxos de tesouraria das empresas”, salienta Luís Miguel Ribeiro.

E o que diz o Código do Trabalho? Os trabalhadores têm direito a 22 dias úteis de férias, por ano. E por lei, nesse período, o empregador deve pagar não só a retribuição que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efetivo, mas também o subsídio de férias, correspondente “à retribuição base e às outras prestações que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho”. Esse subsídio deve ser pago antes do início do período de férias e, no caso de gozo interpolado dos tais 22 dias, de modo proporcional.

A lei deixa, contudo, a porta aberta a que esse pagamento não seja cumprido no prazo referido. Segundo explica ao ECO o advogado Pedro da Quitéria Faria, o subsídio de férias pode ser adiado total ou parcialmente, mas apenas se o trabalhador concordar, isto é, é preciso fazer um acordo escrito.

No máximo, o pagamento tem de até ao fim do ano, refere o especialista, ou seja, o subsídio tem mesmo de ser pago no ano em que vencem as férias. Já se não houver esse “sim” do trabalhador nesse sentido, o empregador estará a incorrer numa contraordenação muito grave.

Pedro da Quitéria Faria sublinha, além disso, que tecnicamente o empregador não precisa de justificar a decisão de adiar o pagamento em causa e alerta que, nos casos em que haja instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, as regras podem ser diferentes.

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