950 navios foram dados como perdidos no mar nos últimos 10 anos
Segundo a AGCS transporte marítimo fechou 2019 com um mínimo histórico de navios perdidos no mar. O desafio ambiental é risco para durar e 2020 abriu uma crise humanitária causada pela pandemia.
A AGCS, unidade do grupo Allianz especialista em grandes riscos e seguros industriais, acaba de divulgar a sua mais recente análise ao setor do shipping (transporte marítimo), revelando que o número de embarcações com mais de 100 toneladas de porte bruto perdidas no mar (41 em 2019, contra 53 em 2018), decresceu 20% na variação anual, acentuando o declínio acumulado dos últimos 10 anos aos 70%. No entanto, desde 2010, mais de 950 navios foram dados como perdidos no mar, introduz o Safety & Shipping Review 2020.
Enquanto decresceu o número de barcos perdidos no mar, o total de incidentes cresceu em 5%, face a 2018, para um total de 2 815, um terço dos quais originados por avarias e danos de maquinaria. Também a geografia dos incidentes se alterou: pela primeira vez desde 2011, a área abrangendo o Mar do Norte, Ilhas britânicas, Mancha e Golfo da Biscaia concentrou maior número de sinistros (605). O Mediterrâneo oriental era até agora a zona com maior frequência de incidentes.
De acordo com a Allianz Global Corporate & Specialty SE (AGCS), além das questões relacionadas com a engenharia de construção naval (segurança das embarcações e tecnologias de construção); outros fatores que o estudo aborda – e que condicionam a atividade do shipping – como tensões geopolíticas, a pirataria e a cibersegurança, mais a crise gerada pela pandemia (COVID-19), aumentam o risco sobre compromissos e avanços que vinham sendo alcançados pelo setor, podendo até comprometer a segurança marítima no longo prazo.
Com a pandemia, dificuldades operacionais e a acentuada contração da economia colocam o setor perante um conjunto de “desafios sem precedente”, assevera o documento da AGCS.
O novo coronavírus atingiu o setor num momento que já se afigurava difícil para a indústria marítima, “tentando reduzir as emissões poluentes em resultado das alterações climáticas, riscos políticos e pirataria, problemas contínuos como incêndios em navios”, afirma Baptiste Ossena, responsável global da AGCS nos seguros de casco, citado no relatório. “Agora o setor também enfrenta a tarefa de operar num mundo muito diferente, com as incertezas de saúde pública e económicas da pandemia”.
Sintetizando o impacto da pandemia no setor, o estudo aponta 10 desafios, entre os quais:
- A incapacidade de assegurar a troca de tripulações está a ter impacto no bem-estar dos marinheiros, o que poderia levar a um aumento do erro humano a bordo das embarcações;
- A interrupção da manutenção e serviços essenciais aumenta o risco de danos nas máquinas, o que já é uma das principais causas de reclamações de seguros;
- Vistorias e inspeções portuárias reduzidas ou atrasadas por lei podem levar a práticas inseguras ou a que o equipamento defeituoso não seja detetado.
- Os danos e atrasos da carga prováveis, uma vez que as cadeias de abastecimento estão sob tensão.
- A capacidade de responder rapidamente a uma emergência poderia também ser comprometida com consequências para incidentes graves que dependem de apoio externo.
- O número crescente de navios de cruzeiro e de petroleiros inoperativos em todo o mundo representam risco financeiro significativo, devido à potencial ameaça de condições meteorológicas extremas, pirataria ou riscos políticos.
A propósito de crise humanitária no setor, a Organização Marítima Internacional (agência do sistema das Nações Unidas) está a mobilizar esforço internacional de vários países para solucionar o drama de mais de 200 mil marinheiros e tripulantes de navios que, por emergência da pandemia, sofrem restrições de desembarque e/ou repatriamento. A este contingente juntam-se outros tantos colegas que, por sua vez, aguardam em terra para embarcarem em rendição dos que estão a bordo.
Meta na redução de emissões poluentes molda o risco setorial por muitos anos
Os objetivos de redução das emissões irão moldar o risco de transporte marítimo nos anos vindouros, antecipa o relatório. Cortar as emissões de CO2 para metade até 2050 exigirá que a indústria mude radicalmente de combustíveis, a tecnologia dos motores e mesmo a conceção dos navios, admitem os peritos da AGCS.
Sabendo-se que cerca de 90% de todo o comércio internacional utiliza o tráfego marítimo, é também reconhecido que o shipping é importante contribuinte na produção dos gases que provocam o efeito estufa. De acordo com dados da Organização Marítima Internacional (IMO na sigla anglo-saxónica), o setor de shipping é responsável por 2,2% das emissões globais de dióxido de carbono e, sem que haja um travão, as emissões do setor poderão aumentar entre 50% e 250% até 2050 em função do crescimento previsto para o comércio mundial feito por mar.
Os limites admitidos para o nível de enxofre no fuel naval foram reduzidos.
Embora as metas de redução do monóxido de enxofre e nitratos, nos termos da convenção internacional que as regula (Marpol – Anexo VI também designadas como “regras IMO 2020″ para a prevenção da poluição emitida pelos navios), tenham sido aliviadas, variando agora consoante o sistema de exaustão das embarcações, a indústria do shipping mantém-se comprometida com o desafio da descarbonização e da sustentabilidade ambiental, sendo que a ambição envolve transformações importantes na indústria de construção naval e do transporte marítimo, afirmam os especialistas.
Por isso, as questões levantadas pela IMO “constituem atualmente um dos tópicos mais importantes para os armadores”, sustenta o relatório no capítulo dedicado ao tema das emissões e da sustentabilidade ambiental.
Algumas das companhias líderes do setor, como a Maersk e a CMA CGM, já se comprometeram com metas de neutralidade carbónica até 2050. No entanto, observa o estudo, os proprietários de navios terão de ponderar os prós e contras de cada tipo de combustível, consoante as vantagens ambientais, custos associados e desempenho das máquinas (motores).
A estratégia da OMI, segundo resolução adotada em 2018, definia como estratégia inicial para o shipping, até 2050, a redução da emissão dos gases com efeito estufa em, pelo menos, 50% (face aos níveis de 2008). Para atingir este objetivo, seria preciso investir (em tecnologia e combustíveis mais limpos) entre 1 bilião e 1,4 bilião dólares entre 2030 e 2050. Qualquer coisa entre 40 mil milhões e 60 mil milhões de dólares por ano durante duas décadas, estima o documento do grupo Allianz SE.
Já a descarbonização total do setor implicaria despesa estimada em 1,6 biliões (ponto médio de intervalo) e não seria tão simples quanto reduzir as emissões de enxofre. É que, segundo Rahul Khanna, que chefia a área de consultoria de risco marítimo na AGCS, a descarbonização implicaria mudar não só o tipo de combustíveis utilizados, mas encetar “transformações radicais” na tecnologia dos motores e mesmo ao nível da própria conceção dos navios.
Em última análise, considera o relatório, “a descarbonização terá também implicações regulamentares, operacionais e de reputação”.
Geopolítica; pirataria no Golfo da Guiné e a cibersegurança
Do ponto de vista das tensões geopolíticas, os acontecimentos no Golfo de Omã e no Mar do Sul da China mostram cada vez mais rivalidades políticas em águas internacionais e a navegação continuará a ser condicionada por disputas geopolíticas. O aumento do risco político e da agitação a nível mundial tem implicações para a navegação, tais como a capacidade de garantir a segurança das tripulações e o acesso aos portos. Além disso, outra grande ameaça, o Golfo da Guiné (África ocidental) reemerge como o ponto de acesso global dos piratas do mar, com a América Latina a ver aumentar os assaltos à mão armada e o renovar a atividade criminosa no Estreito de Singapura.
Os armadores estão também cada vez mais preocupados com a perspetiva de conflitos de natureza cibernética. “Tem havido um número crescente de ataques de falsificação de GPS a navios, particularmente no Médio Oriente e na China”, além de relatos de um “aumento de 400% de tentativas de ataques cibernéticos ao setor marítimo desde o surto do coronavírus”.
A inovação tecnológica “não é uma panaceia”, assume a AGCS, mas uma ferramenta cada vez mais útil. A tecnologia de navegação pode ser positiva para a segurança e para reduzir as participações dirigidas aos seguros, estando cada vez mais a ser utilizada para combater alguns dos riscos destacados no relatório – desde a redução do risco de incêndios em navios, passando pela monitorização da temperatura da carga sensíveis ou perigosas, até mesmo para a potencial integração, no futuro, de sistemas de supressão com recurso a drones.
Uma maior utilização de sistemas tecnológicos de controlo na monitorização e manutenção dos motores poderia reduzir significativamente os danos nas máquinas e incidência de avarias, uma das maiores causas de reclamações em seguros.
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