Governo em rutura com a Anacom. Os 5 pontos da discórdia

O secretário de Estado das comunicações, Alberto Souto de Miranda, esteve no Parlamento numa audição que surpreendeu os deputados presentes: "É evidente a perda de confiança no regulador."

Nada o fazia prever. A pedido do Bloco de Esquerda, o secretário de Estado com a pasta das comunicações foi ao Parlamento para falar sobre 5G. O que se sucedeu foi uma intervenção repleta de duras críticas à atitude da Anacom, numa audição que o deputado João Gonçalves Pereira chegou a considerar que “não é normal”. “É evidente a perda de confiança no regulador”, disse o centrista.

Tirada após tirada, Alberto Souto de Miranda foi causando surpresa aos deputados presentes. Recuperou temas que se acreditava já estarem fechados. Disse não querer intrometer-se na “guerra de preços” entre a Anacom e a Apritel para, logo de seguida, assumir que “prefere” os números da Anacom… recuando de imediato com o aviso de que a comparação do regulador com os preços das telecomunicações na União Europeia não tinha em conta a qualidade.

Além disso, acusou a Dense Air de “negociatas” para ficar com licenças abaixo do preço do leilão. E até apontou baterias à Autoridade da Concorrência, deixando implícito que um dos valores levados pela presidente Margarida Matos Rosa (em média, as famílias gastam 700 euros por ano com telecomunicações) àquela comissão estavam a ser vistos numa lógica sensacionalista. Pelo meio, houve tempo para anunciar a criação da tarifa social de internet, tudo isto antes do fim da primeira ronda de perguntas.

Os pontos da discórdia

  • O regulamento do leilão do 5G. A Meo já tinha apelado à alteração do projeto, por considerar que o mesmo não reflete o novo contexto causado pela pandemia. Faltam três meses para o arranque do leilão e a consulta pública também já terminou. Mas Alberto Souto de Miranda disse no Parlamento que o regulamento criado pela Anacom “não é congruente” com a estratégia nacional aprovada pelo Governo em Conselho de Ministros. Foi ainda mais longe, levantando uma suspeita pelo facto de o projeto ter surgido um dia antes da resolução do Governo. Neste sentido, mostrou-se esperançoso de que a Anacom vá rever o regulamento, deixando bem claro: “Se o regulamento vai avançar nos termos da consulta? Para o Governo não.”
  • A revogação da licença da Dense Air. A empresa é desconhecida dos portugueses, mas detém já uma licença 5G. Ficou com ela através da aquisição de uma empresa que tinha comprado espetro em 2010 e a Anacom, em dezembro, decidiu não lhe retirar a mesma, optando antes por reconfigurar o espetro. No Parlamento, Alberto Souto de Miranda garantiu que “está tudo impugnado nos tribunais” (pelas operadoras) e disse esperar que a Anacom volte atrás na decisão, pois “corremos o risco de estes procedimentos” serem “anulados” judicialmente. Falando em “negociatas” (retirou de imediato a expressão, mas ficou clara a intenção), disse que, nos termos atuais, a Dense Air terá uma licença 5G a preços abaixo do que os que teria de pagar se a tivesse de comprar em leilão.
  • A guerra de preços. Tem sido um pingue-pongue no setor, com a Anacom e a Apritel, a associação do setor, a trocarem críticas. De um lado, o regulador diz que os preços das telecoms em Portugal estão a aumentar enquanto na Europa estarão a diminuir. Do outro, a Apritel mune-se de um estudo que pediu à Deloitte e assegura que os preços, na verdade, são baixos comparando ofertas comparáveis. No Parlamento, Souto de Miranda questionou: “Porque é que os preços não baixam? O que é que os reguladores estão a fazer?” E foi ainda mais longe, criticando os reguladores de, “em vez de aparecerem sistematicamente na comunicação social a dizer que os preços são altos”, não fazerem nada para mudar essa situação. Por isso, anunciou que o Governo criará a tarifa social de internet, com condições de acesso semelhantes às da tarifa social de luz.
  • O jogo do gato e do rato. Alberto Souto de Miranda falou no Parlamento de um “jogo do gato e do rato” que envolve o Governo, as operadoras e a Anacom. O Executivo quer que sejam identificadas “com clareza” as zonas do país sem cobertura de rede móvel, algo que ainda não estará feito. “Isso, julgo que, agora, irá ser feito”, indicou. Além disso, indicou que o leilão do 5G contém “frequências úteis para que” a própria cobertura de 4G “possa ser complementada”.
  • O roaming nacional. Tem sido uma das bandeiras da Anacom: se os clientes estrangeiros em Portugal podem ligar-se a qualquer rede, os portugueses também deviam poder usar qualquer rede, independentemente da operadora que forneça o serviço. O regulador quer forçar as operadoras a partilharem infraestruturas de 5G e, até aqui, acreditava-se que o Governo também. Em fevereiro, o ministro Pedro Nuno Santos foi claro em resposta a uma questão do ECO: “Nós achamos que devemos avaliar e caminhar para um roaming nacional que permita aproveitar toda a infraestrutura do nosso território.” Porém, no Parlamento, Alberto Souto de Miranda disse que esta medida pode servir como ação de “canibalização” do investimento entre operadoras: “Roaming imposto e obrigatório? Não o subscrevemos.”

Em declarações ao ECO, o deputado social-democrata Hugo Carvalho mostrou-se “surpreendido” com a audição ao secretário de Estado: “Estou surpreendido com o nível de discordância entre o Governo e a Anacom sobre o nível de concorrência do mercado, para a qual também a Autoridade da Concorrência já alertou.”

“Quando toca a preços do mercado das telecomunicações, o Governo diz que não pode interferir com a Anacom. Para fazer o leilão como quer (que recordo ser um leilão em que a concorrência está mais do que em causa), já aceita interferir”, continuou. “Ficamos sem saber em que ponto estamos quanto ao leilão. Não é possível acreditar na instalação do 5G em breve quando o Governo diz que ou a Anacom cumpre as suas orientações ou não tem problemas em suportar a nulidade de todo o processo”, reiterou Hugo Carvalho.

O ECO pediu também uma reação à Anacom às críticas e posições assumidas pelo Governo através do secretário de Estado Alberto Souto de Miranda. Encontra-se a aguardar resposta.

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