Transportes públicos são “ponto nevrálgico” da transmissão do vírus, diz especialista

  • Lusa
  • 27 Setembro 2020

O infeciologista do Hospital Egas Moniz, Jaime Nina, defende que "para manter o distanciamento, os autocarros, comboios e o Metro deviam ter fila sim, fila não, com passageiros".

O infeciologista Jaime Nina defendeu este domingo que é necessário quadruplicar a oferta dos transportes públicos para permitir a distância necessária entre os passageiros, considerando que são um “ponto nevrálgico” da transmissão do coronavírus.

“Os transportes públicos são um dos pontos nevrálgicos da transmissão”, afirmou, defendendo que “para manter o distanciamento, os autocarros, os comboios e o Metro deviam ter fila sim, fila não, com passageiros”. Mas para isso era preciso “ter quatro vezes mais carruagens, autocarros, e quatro vezes mais motoristas e maquinistas”, disse o infeciologista do Hospital Egas Moniz em entrevista à Lusa.

Se esta solução tivesse começado a ser pensada em maio, tinha havido tempo para reforçar a frota e ter “maquinistas e motoristas suficientes”. “É caro? É, mas ter a economia fechada não é mais caro”, questionou, argumentando que “só uma semana de economia fechada para tentar evitar [a propagação do vírus] pagava isto tudo e ainda sobrava muito dinheiro”.

O especialista lamentou que não haja “uma abordagem global” e que se esteja a ver “setor a setor”, prevendo “um problema com o inverno”. “Enquanto que no verão as pessoas evitam os transportes públicos, têm as janelas abertas, se estiver uma chuva desgraçada não estou a ver ninguém a andar de carro com as janelas abertas, nem a andar muito na rua quando pode andar de autocarro”, disse o professor na Universidade Nova de Lisboa, no Instituto de Higiene e Medicina Tropical e da Faculdade de Ciências Médicas.

Sobre a evolução da epidemia, Jaime Nina disse que já está na segunda “onda”: “o agosto foi um bocado molhado, houve chuva, e isso teve logo uma repercussão em toda a Europa, não só em Portugal”. Mas, nesta fase, está a atingir mais os jovens, uma situação que disse estar relacionada com o aumento de testes: “estão a apanhar pessoas infetadas que há três meses não eram apanhadas porque tinham uma doença mais ligeira, e como tal, a letalidade está a baixar porque há mais casos ligeiros”.

O infeciologista saudou o aumento da testagem, mas considerou que tem sido “muito lentamente” e “muito longe daquilo que deveria ser feito”. A este propósito, fez uma analogia futebolística: “a tática que Portugal e a Europa está a usar é como se chamasse os 10 jogadores de campo tudo em frente da baliza de olhos fechados a tentar apalpar a bola e não a deixar passar”. “Era muito mais preferível andar a correr pelo campo todo atrás da bola” e tentar apanhá-la e controlá-la.

Exemplificou com o que países como Singapura, Taiwan, Hong Kong e Coreia do Sul estão a fazer ao nível de testes para apanhar os casos ligeiros e cortar as cadeias de transmissão. “Portugal fez cerca de dois milhões de testes, Singapura vai quase em 100 milhões para uma população um bocadinho mais pequena que a nossa”, disse, observando que, segundo dados da Organização Mundial da Saúde, Portugal tem mais de 1.900 mortes e Singapura tem 27, com um número de casos sensivelmente igual.

No seu entender, “há muita coisa que está a falhar no rastreio e no encaminhamento de casos” porque “o Ministério da Saúde está a utilizar quase exclusivamente os recursos próprios”. “Depois não tem médicos e técnicos de saúde pública, não tem laboratórios de biologia molecular quando há um manancial enorme de pessoas disponíveis”, salientou.

Em abril e maio, contou, “quando toda a gente estava aflita porque não havia capacidade de fazer os testes todos”, os laboratórios de biologia molecular da Universidade Nova estavam fechados com as pessoas em teletrabalho, apesar de a faculdade os ter colocado ao dispor. Por outro lado, podiam chamar os estudantes de medicina: “Era bom para eles porque estavam a fazer um trabalho útil e relevante para o seu curso e, obviamente, era bom para o Ministério da Saúde porque triplicava ou quadruplicava a mão-de-obra necessária para fazer rastreio de casos”.

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