Empresas aguentam novo confinamento? “Impacto vai ser grande”

Portugal vai entrar num novo confinamento. Da hotelaria à restauração, da cultura ao automóvel, do pequeno comércio aos grandes negócios, todos temem o que aí vem.

Estabelecimentos comerciais encerrados na baixa de Lisboa - 07ABR20

Portugal, tal como muitos outros países a nível mundial, está a assistir a um forte aumento do número de novos casos de infeção pelo novo coronavírus. Estão a atingir-se recordes dia após dia, aumentando a pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS), pelo que a solução vai passar por um novo confinamento “muito semelhante” ao de março. E isso vai ter impacto.

O objetivo do Governo é o de travar a pandemia. Procura, com este novo confinamento, proteger a saúde dos cidadãos, mas a medida dura, que António Costa sempre defendeu que não poderia voltar a ser tomada, vai ter um forte impacto na economia. Vai pesar nas contas públicas, mas principalmente vai afetar as receitas de muitos setores de atividade.

Da hotelaria à restauração, à cultura e ao automóvel, do pequeno comércio aos grandes negócios, todos temem o que aí vem. Ao ECO chegam alertas para o impacto avassalador de fechar portas por causa da Covid-19. E alertas para a necessidade de rapidez nos apoios, bem como o lançamentos de novas medidas que ajudem as empresas a superar mais este embate da pandemia.

Restauração com quebras de 70%. Temem-se as insolvências

Os impactos da pandemia nos setores da restauração não são novidade, mas são cada vez mais acentuados e, podem tornar-se dramáticos com o novo confinamento. Com mais de 40 anos de existência, o restaurante “O Edmundo”, situado em Benfica, tem tido quebras de 70% a partir de novembro, em consequência do encerramento aos fins de semana, bem como da redução de horário aos dias de semana para as 22h30. “Tenho 35 empregados e é pouco tempo para faturar. Não chega sequer para as despesas, para pagar os 35 vencimentos quanto mais pagar outros encargos”, lamenta José Martins, um dos três proprietários deste espaço, em declarações ao ECO.

Longe vão os tempos em que este estabelecimento servia, em média, 600 refeições por dia. “Neste momento sirvo 100 refeições”, atira José Martins, acrescentando que nem o take away tem conseguido salvar o negócio, já que representa uma fatia muito reduzida. “Quando havia normalidade, vendia 40 doses para fora, neste momento vendo 10”, explica.

No início da pandemia, “o Edmundo” teve todos os seus funcionários em lay-off “durante dois meses” e até então tem conseguido aguentar à custa das poupanças dos proprietários. Em novembro, a gerência candidatou-se ao programa Apoiar, mas ainda não recebeu quaisquer verbas. “Sozinho, já tinha fechado. Já tinha gasto todas as minhas poupanças de trabalho”, admite. E com este novo confinamento, que deverá determinar o encerramento da restauração, as perspetivas não são animadoras. “O impacto vai ser grande. Posso-lhe dizer que nestes 15 dias vou perder cerca de 40 mil euros“, revela o proprietário.

Apesar de concordar com o novo confinamento, José Martins considera que este “devia ser a 100%”, isto é, “para toda a gente” e defende que o Governo deveria ter anunciado a decisão “com mais antecedência”. Além disso, apela ao Executivo que sejam lançados mais apoios para fazer face ao impacto económico, dado que “quando o dinheiro dos sócios acabar, as empresas não conseguem sobreviver por elas”. Apesar das dificuldades assumidas, para o futuro, o dono de “Edmundo” espera aguentar o negócio “até junho, com este confinamento e estes horários”. “Se chegarmos a junho e não houver soluções é melhor abrir falência”, aponta.

"A questão não é se os meus restaurantes estão preparados para um novo confinamento – que não estão. A questão é saber se as minhas empresas estão preparadas para sobreviver a mais um confinamento — porque se o Estado fizer como no último lay-off, em que ainda estou à espera dos pagamentos dos últimos dois meses, não sei o que poderá acontecer.”

Vítor Sobral

Chef

A situação repete-se no grupo Avillez bem como nos restaurantes do chef Vítor Sobral, com efeitos ainda mais avassaladores. A pandemia levou a que o chef José Avillez tivesse de fechar seis restaurantes e restruturasse as equipas. “O momento dramático que enfrentamos há quase um ano pela propagação do Covid-19, abalou-nos fortemente, bem como a toda a área da restauração, a nível nacional e internacional”, assinala o chef, ao ECO. Nesse contexto, o grupo tem ainda “temporariamente” dois destes seis estabelecimentos encerrados e assegura que tem recorrido “aos apoios disponíveis”, sem, no entanto, mencionar quais.

Ao mesmo tempo, nos restaurantes do chef Vítor Sobral a pandemia originou quebras de faturação entre os 75% os 80%, levando a que ainda 50% dos trabalhadores estejam em lay-off. Com mais de 100 funcionários a seu cargo, em meados de setembro o chef português havia admitido que poderia não ter capacidade para manter a sua estrutura no setor alimentar e da restauração, caso o país fosse forçado a um confinamento equivalente ao do estado de emergência, situação que agora se concretizará.

Nesse sentido, e apesar de “não conseguir estimar um valor” relativamente ao impacto económico que o novo confinamento vai trazer, dá como certo que o lay-off seja alargado a 75% dos seus funcionários. “A questão não é se os meus restaurantes estão preparados para um novo confinamento – que não estão. A questão é saber se as minhas empresas estão preparadas para sobreviver a mais um confinamento — porque se o Estado fizer como no último lay-off, em que ainda estou à espera dos pagamentos dos últimos dois meses, não sei o que poderá acontecer”, crítica.

Nesse sentido, e tal como o dono de “O Edmundo”, pede mais apoios, defendendo que o Governo devia “fixar uma determinada percentagem dos impostos pagos nos últimos 5 anos e retribuir esse valor às empresas”. “Seria a forma mais justa de compensar os que cumprem as suas obrigações fiscais“, aponta.

Ao mesmo tempo, quanto ao novo confinamento que aí vem, o grupo Avillez garante que vai “adotar as medidas que forem anunciadas”, e à semelhança do chef Vítor Sobral, considera que “não é possível avaliar o impacto”, já que não são conhecidos os “detalhes” do plano do Governo. Apesar do “impacto económico grave”, até ao final de janeiro assegura que vai continuar “a preparar refeições solidárias” para apoiar a Junta de Freguesia de Santa Maria Maior e”, em princípio”, “manter o take-away do Bairro do Avillez com serviço de delivery através da Uber Eats”.

Novo lockdown assusta turismo. Setor ajusta-se, mas pede apoios

À semelhança da restauração, também o setor hoteleiro tem sido um dos mais afetados pela pandemia do novo coronavírus, uma vez que Portugal é em grande parte dependente do turismo. Com “mais de metade” dos hotéis Tivoli encerrados, o grupo teve no ano passado resultados dramáticos. “No ano 2020 tivemos um impacto negativo nunca antes vivido, atingimos uma quebra acima de 70% de faturação comparado com ano de 2019″, aponta Miguel Garcia, diretor Regional de Operações e diretor geral do Tivoli Avenida Liberdade, ao ECO.

Na sequência do impacto da pandemia, o grupo recorreu a “vários apoios à tesouraria, fiscais e à manutenção de postos de trabalho” em Portugal, bem como noutros países onde detém operações, revela o responsável. E se o grupo antecipava que o primeiro trimestre deste ano “fosse muito identifico ao último trimestre de 2020”, a verdade é que não contavam “com esta terceira vaga e um novo lockdown“, assinala Miguel Garcia.

Nesse contexto, o grupo sinaliza ainda que “não há outra alternativa senão continuarmos a ajustar-nos às circunstâncias e desafios” que a pandemia tem trazido. Ainda assim, o diretor-geral do Tivoli Avenida da Liberdade teme que a recuperação demore mais tempo do que o esperado e diz que “são necessários mais apoios específicos para o turismo“, uma vez que “nenhuma outra indústria teve tanto impacto quanto o turismo”. “O que mais nos preocupa neste momento é que a recuperação não se inicie no início do segundo trimestre e que se arraste para o terceiro trimestre. Se o plano de vacinações não tiver sucesso globalmente e se rapidamente os países não começarem a controlar a pandemia, tememos que o primeiro semestre esteja totalmente perdido”, avisa.

Alojamento local precisa de apoios que “cheguem efetivamente” ao terreno

O impacto da pandemia no turismo, que travou as viagens e passeios, atingiu em força o alojamento turístico. A Cidadepica, que tem vários espaços de Alojamento Local na zona das Janelas Verdes, já viu uma redução de cerca de 80% do volume de negócios em 2020, situação que deverá continuar agora com o novo confinamento.

Para fazer face à situação, a empresa tentou aceder aos apoios do Governo, mas não eram elegíveis. “São processos demasiado burocráticos que encontram sempre argumentos para deixar de fora a maioria dos players neste setor”, aponta o gerente ao ECO. Mesmo assim, Salvador Chaves da Cunha defende que não são necessários mais apoios, mas sim que os que existem cheguem efetivamente ao terreno e que sejam ampliados os critérios.

Quanto ao futuro, a “expectativa é que as poucas reservas que temos para as próximas semanas venham a ser canceladas”, diz. Perspetivas que se estendem também para os próximos meses. “A nossa expectativa é que não existam muitas reservas nos próximos meses, antes dos efeitos das vacinas poderem ser visíveis no regresso à normalidade”, reitera o responsável por estes espaços de Alojamento Local.

Confinamento “não vai ser fácil” para os ginásios sem mais apoios

Os ginásios encontram-se entre os estabelecimentos que poderão ter de fechar portas no novo confinamento, à semelhança do que aconteceu em março. Mesmo com a experiência que já foi sendo adquirida, “nunca estamos prontos para enfrentar confinamento”, reitera Juan de Río, CEO do Grupo VivaGym, da qual faz parte o Fitness Hut, ao ECO.

O CEO aponta que navegar as novas restrições “não vai ser fácil”, mesmo já tendo passado por isto antes. O foco vai estar em “tentar manter uma boa plataforma online para apoiar membros, tratar dos empregados e na poupança de custos”. O grupo já recorreu a algum financiamento, apesar de não ter recebido apoios diretos do Governo. Ainda assim, não tem dúvidas de que serão precisos mais apoios.

A pandemia tem trazido perda de membros no grupo e em Portugal, bem como um “alto nível de volatilidade”, principalmente numa altura em que as pessoas passaram a tomar mais rápido a decisão de deixar os ginásios. Esta situação é assim um “desafio”, sendo que levou até que o grupo não conseguisse concretizar as cinco novas aberturas de espaços que estavam planeadas em Portugal.

Automóvel teme ficar em situação “muito complicada”

No primeiro confinamento, as vendas de automóveis afundaram a pique — levando a que 2020 tenha terminado com uma quebra de mais de 30% em termos de novas matrículas. Neste segundo confinamento, os efeitos vão sentir-se, mas a dimensão destes “depende do período de duração desta paragem”, diz Hélder Pedro. “O setor teve a segunda maior queda percentual da União Europeia e, a haver nova paragem, a situação será muito complicada para as empresas”, refere o secretário-geral da ACAP ao ECO.

"O setor [automóvel] teve a segunda maior queda percentual da União Europeia e, a haver nova paragem, a situação será muito complicada para as empresas.”

Hélder Pedro

Secretário-geral da ACAP

“Se a situação se prolongar para além dos quinze que estão previstos, a situação das empresas do setor ficará muito complicada”. Hélder Pedro lembra que o setor automóvel “tem um Protocolo Sanitário específico, pelo que consideramos que as empresas cumprem todas as regras sanitárias”. “Compreendemos que a situação do país é muito complicada mas” considera “fundamental que, pelo menos e a exemplo do que se passou em março e abril, continuem como setores essenciais (e que poderão estar abertos) os serviços de reparação automóvel e comercialização de peças nas várias áreas que compõem o nosso setor”.

Antecipando já os efeitos que este “fecho” do país por causa da pandemia poderá vir a ter no setor, a ACAP pede, “para além da rapidez das medidas transversais de apoio às empresas”, que o Governo ponha em marcha “um plano de estímulo à procura, tal como existe em Espanha ou França”, apontando, por exemplo, para o incentivo ao abate de veículos em fim de vida.

Centros comerciais pedem para manter portas abertas. Ou então, querem apoios

Ainda não é certo quais são as medidas exatas para o novo confinamento, mas os shoppings pedem para ficarem abertos. A Associação Portuguesa de Centros Comerciais (APCC) lançou um apelo ao Estado para não exigir uma obrigatoriedade de encerramento da quase totalidade das atividades dos centros comerciais, recordando que o setor já gastou mais de 600 milhões de euros no apoio aos lojistas.

“Acreditamos que o mais prudente seria o Governo permitir que todas as atividades nos centros comerciais continuem abertas, para garantir que os portugueses têm espaços seguros e controlados para atender às suas necessidades”, refere António Sampaio de Mattos, presidente da APCC, citado em comunicado.

A associação sublinha que não foi identificado qualquer surto com origem nestes estabelecimentos comerciais desde o princípio da pandemia. Pede, no entanto, que caso o Governo decida avançar com medidas restritivas, que sejam implementadas ajudas diretas aos lojistas e aos próprios shoppings.

Para lojas, já foi difícil “aguentar o barco”. Agora, serão precisos mais apoios

As lojas poderão também ter de fechar portas neste novo confinamento, segundo admitiu já o Governo. As restrições vão trazer um “impacto negativo” para um setor que já teve dificuldade em “aguentar o barco até hoje”, e vão “ser precisos mais apoios”, defende o sócio gerente do Armazém das Malhas.

“Um novo confinamento prejudica diretamente toda a cadeia, desde a produção até à venda ao cliente final. Terá com certeza um impacto negativo com consequências que ainda não conseguimos prever”, aponta Tiago Luís ao ECO. Nesta altura, os fatores que têm ajudado o negócio são o facto de ter uma presença online e também ter trabalhado para o mercado interno, o que “atenua as perdas”.

Ainda assim, a empresa já teve de recorrer ao lay-off, em março do ano passado, que foi, no entanto “pouco eficaz” e não teve “em conta as necessidades das micro e pequenas empresas”. O Armazém das Malhas teve também apoio da Câmara Municipal de Lisboa através do fundo de apoio às lojas com história.

Um novo confinamento prejudica diretamente toda a cadeia, desde a produção até à venda ao cliente final. Terá com certeza um impacto negativo com consequências que ainda não conseguimos prever.

Tiago Luís

Sócio gerente do Armazém das Malhas.

Mesmo com estas ajudas, para fazer face ao impacto que ainda aí vem, “são precisos mais apoios que ajudem realmente as empresas nas suas necessidades decorrentes desta adversidade”. O responsável defende que os apoios a fundo perdido são “uma das poucas opções viáveis”, ainda que tenha que “ser justo e de acordo com as reais necessidades de cada negócio”.

No teatro, “ordenados estão em risco” e despesas são “difíceis de cobrir”

Outro dos setores bastante afetados pela pandemia tem sido a cultura. Para a Barraca, companhia de teatro, este período trouxe “um grande saldo negativo”, de tal forma que “o dinheiro está mesmo a acabar”, e o novo confinamento veio complicar o cenário. O grupo aponta que “todas as verbas resultantes de apoios e curtas e raras receitas foram aplicadas no pagamento de salários e na enorme carga de impostos que nunca abrandou”.

Tendo em conta a situação atual, “os ordenados estão em risco e as despesas de estreia são muito difíceis de cobrir”, sinaliza o grupo, num post publicado no Facebook. A companhia vai ter de aguardar o levantamento do confinamento para avançar com uma nova data de estreia do espetáculo que estava previsto acontecer.

Para a Barraca, “o público adulto e escolar costuma cobrir anualmente um terço das despesas”, mas o “seu lugar foi preenchido este ano por um enorme vazio”. Ainda assim, todos os empregados receberam os ordenados, sendo que “com um baixíssimo apoio do Estado”, mantiveram “durante todo este ano de catástrofe mundial mesmo aqueles que se encontram pagos a recibos verdes, cujo compromisso com a Companhia se limita à programação temporária”.

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