Centeno devia ter tido o “bom senso” de não ir diretamente para o Banco de Portugal, diz Teodora Cardoso

A ex-presidente do Conselho das Finanças Públicas critica a ida direta de Mário Centeno do Ministério das Finanças para o Banco de Portugal. Teodora Cardoso teme perda de independência do BdP.

Teodora Cardoso foi economista do Banco de Portugal (BdP) durante duas décadas e foi a primeira mulher a chegar à administração do banco central. Em entrevista ao ECO, a ex-presidente do Conselho das Finanças Públicas critica a ida direta de Mário Centeno — que deveria ter “bom senso” de não o ter feito — de ministro das Finanças para governador do BdP. Apesar de elogiar as “grandes qualidades” de Centeno, Teodora Cardoso teme que a independência do banco central esteja em causa.

“Em teoria, não havia nada que impedisse”, começa por dizer. Contudo, “neste caso penso que teria sido de bom senso, e em particular do próprio Mário Centeno — tenho grande estima por ele, embora ele agora não acredite nisso porque ele não gosta que o critiquem — não ter feito esta evolução”. Teodora Cardoso considera que o cargo pode “satisfazer o ego, mas vai ter custos”.

Para a economista, que foi quadro do Banco de Portugal durante duas décadas, o ex-ministro das Finanças tinha “outras alternativas” pelo que “não precisava de ir para o BdP”. “Ele tinha aquela vontade e deixou-se levar por isso, mas não é bom nem para ele nem para o Banco de Portugal“, antecipa Teodora Cardoso, sugerindo que teme pela independência do banco central.

O Banco de Portugal sempre foi um contrapeso da politização constante da economia e teve um papel importante para corrigir certas coisas, e em parte também para as evitar, mas para isso tem que ter uma grande independência face ao poder político“, avisa, em jeito de recado para Mário Centeno que assumiu o cargo de governador do Banco de Portugal há cerca de seis meses, poucas semanas depois de ter saído do Governo. A nomeação, que coube ao Governo a que pertenceu, causou polémica na política portuguesa, mas não houve uma maioria parlamentar para a impedir.

Empresas não podem ficar “dependentes do crédito bancário”

Na mesma entrevista ao ECO, a economista considera que ao se pensar no futuro pós-moratórias é necessário evitar que as empresas fiquem “completamente dependentes do crédito bancário, o que fragiliza as empresas e os bancos, daí a importância da recapitalização”. Caso contrário, “para não fragilizar as empresas vamos fragilizar os bancos”, avisa, apesar de reconhecer que a política monetária de taxas muito baixas “vai manter-se enquanto a situação foi muito crítica”.

Mas parte logo para outro aviso: os juros baixos “não se vão manter para sempre”. A economista teme que haja uma “assimetria muito grande” na recuperação económica da Zona Euro que leve à subida dos juros dos soberanos com maior endividamento, como é o caso de Portugal, mesmo com as taxas diretoras historicamente baixas do Banco Central Europeu e as elevadas compras de dívida soberana no mercado secundário.

No entanto, há uma área em que está mais otimista face à crise financeira: “A supervisão não é, de todo, a que era antes da crise financeira a nível mundial mas também cá”, diz, reconhecendo que “houve uma grande evolução”. Teodora Cardoso dá destaque à criação de áreas de estabilidade financeira dentro do BdP e do BCE com “o papel de estar constantemente a ver como é que evoluem os recursos dos bancos, os balanços das empresas, dos particulares, do Estado” e de dar “recomendações para que se evite o ponto em que o balão rebenta”.

Além disso, “os próprios bancos têm muito mais consciência do risco”, considera, recordando que “na fase anterior à crise financeira houve uma completa subavaliação do risco”. “Aquela ideia de que os privados se autorregulavam porque sabiam os riscos que corriam obviamente não funcionou”, admite. “Os bancos estão mais cuidadosos e toda a gente ficou mais prudente, seja as empresas seja os particulares”.

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