Teodora Cardoso avisa que “situação está mais complicada” e que empresas já não têm pé de meia

A ex-presidente do Conselho das Finanças Públicas considera que a situação económica "está mais complicada", mostra pessimismo e avisa que as empresas já não têm as mesma reserva que tinham no início.

Está afastada de cargos públicos há quase dois anos, após ter sido a primeira presidente do Conselho das Finanças Públicas entre 2012 e 2019, mas continua a olhar para a economia portuguesa como uma economista com o conhecimento de décadas. Em entrevista ao ECO, Teodora Cardoso mostra-se mais pessimista do que otimista com o futuro da economia portuguesa e recomenda cautela a todos, seja nas previsões seja aos decisores políticos na “atitude” que têm. Pede realismo e não inflação de expectativas, tal como viu no Orçamento do Estado para 2021 (OE 2021), do qual é bastante crítica.

Concorda com a visão de que este confinamento não terá o mesmo impacto do primeiro? Os economistas referem que os agentes económicos já estão mais preparados, têm a expectativa de que seja curto e os apoios públicos já estão no terreno, por exemplo.

Esses são os lados positivos. Mas também há alguns negativos. O principal lado negativo que vejo é o facto de, apesar de tudo, no início, muitas empresas ainda tinham alguma reserva que lhes permitiu suportar aquele primeiro impacto. E agora, sobretudo nas pequenas e micro empresas, que é o que temos mais, essa reserva já não existe. É claro que, em contrapartida, há mais medidas que, aparentemente, começam a estar mais fluidas, mas há aqui um equilíbrio que não é precisamente otimista.

Ou seja, está pessimista…

Há o lado do que se passa também nos nossos parceiros. Há uma coisa que não tem sido muito referida em relação às previsões. A primeira questão é que fazer previsões neste momento é um exercício completamente gratuito. Já é gratuito quase sempre, mas neste caso não vale a pena perdermos tempo com isso. Embora seja necessário perceber que tudo isto tem impactos e que esses impactos têm de ser tidos em conta para muitas coisas, desde logo para a vida das pessoas, para o Estado, para o endividamento, para a banca, enfim, para tudo.

Estava a dizer que há algo que não tem sido muito referido nas previsões. O quê?

Uma coisa que não tem sido referido nesse aspeto de impacto tem sido o Brexit. Ainda não sabemos o que vai sair realmente de tudo isto. Porque, por um lado, é mais positivo o facto de as transações comerciais se manterem mais ou menos. Mas esse “mais ou menos” tem um menos, que é haver muito mais complicações alfandegárias. Aí, como sabemos, não somos normalmente muito eficazes. Somos eficazes a complicar. Portanto, se a complicação já existir, é mau. A Inglaterra é importante, quer em termos comerciais de mercadorias, quer em serviços e turismo. Portanto, isto tudo junto com o Covid, num lado puramente bilateral é complicado.

Os outros parceiros comerciais também estão a passar pelo mesmo…

E depois temos o resto do mundo, em particular o resto da Europa. Vamos ver o que vai acontecer. Também temos o caso de Espanha, que a economia está a sofrer fortemente, é outro mercado muito importante. E depois a nível mais global temos de ver o que vai acontecer agora com a mudança nos Estados Unidos, que também vai levar tempo, que vai implicar relações com a China e com a Europa, onde não temos nada a dizer, mas somos afetados. Portanto, tudo isto são coisas muito complexas que vão afetar o ano que está a decorrer e os próximos anos, provavelmente. Sobretudo em relação a previsões temos de ser muito cuidadosos e estar muito atentos a tudo. Às vezes temos tendência para nos fixarmos numa coisa só. São as medidas do Governo, ou o Covid, ou a vacina… Tudo isto se junta e se junta a muitas outras coisas.

Mas, face à informação que temos agora em janeiro, está mais pessimista face à expectativa de há um mês ou dois?

Isso sim, porque uma coisa que vimos é que há um mês ou dois não se esperava que isto agravasse desta maneira. E esse agravamento de certeza que não vai dar bom resultado. Isso é uma certeza. E, portanto, as coisas estão mais complicadas. Disso não há dúvida nenhuma.

Portanto, aquela expectativa de que houvesse um crescimento forte em 2021 já não existe?

Isso acabou. Não vai acontecer. Houve aquela altura em que se falava dos roaring twenties [período em 1920 de prosperidade económica que acaba na Grande Depressão em 1929]. Espero que isso não aconteça e que não acabem como acabaram os do século XX. Era melhor que houvesse uma retoma mais calma, mas que fosse mais segura e tivesse em conta que, de facto, quer queiramos quer não, o mundo mudou. E não foi a Covid que o mudou. Foram as tecnologias, sobretudo. E outra coisa muito importante que também está a mudar por todo o mundo é a demografia. E não pensávamos nisso antes, ou pensávamos muito vagamente. E, no entanto, essas duas coisas, juntamente com a Covid, até se acentuaram. Portanto, continua a ser preciso pensar nisto, num contexto que a Covid agravou. E admitindo que ele há de passar — admito que sim, que seja controlado mais tarde ou mais cedo –, também não vamos pensar que há de ser controlado a correr. Essa foi uma das ideias erradas que foram criadas, que com a vacina o problema estava resolvido. E pode estar, mas daqui a um ou dois anos. Até lá isto ainda é muito complicado.

E as empresas já se adaptaram desde março a essa realidade tecnológica?

Algumas empresas que estão a adaptar-se, mais ou menos depressa, porque foram obrigadas a isso e, portanto, já não só os grandes. Agora já há pequenas empresas a utilizar. Uma coisa que era tão criticada e que agora é tão útil é a Uber e a Glovo. E todos usamos. Foi muito importante. Portanto, isto tudo, de repente, sofreu um grande impulso e esse impulso vai, mais ou menos, bater. E vai ter consequências.

A grande questão que se coloca é: a economia portuguesa aguenta este novo confinamento?

É um conceito que não faz muito sentido, quer dizer, a economia tem de se aguentar. O país não vai desaparecer.

Se aguenta no sentido em que passa pela crise sem efeitos muito nefastos…

Aí é que tudo depende muito da maneira como encaramos isto. Uma das coisas é, realmente, a questão dos apoios do Estado. E é evidente que numa situação como esta isso é absolutamente indispensável. Há um entendimento generalizado no mundo inteiro que os Estados têm de avançar e apoiar a economia, as empresas e as famílias. Agora, temos o velho problema, que não tem nada a ver com a Covid, que foi toda a dívida que acumulámos antes. Isso não vai impedir, nem impede, nem está a impedir que o Governo se endivide mais e que as empresas se endividem mais, embora no caso das empresas não estamos a ver muito isso. Os últimos dados que vi mostram que o endividamento das empresas e das famílias não está a subir, porque toda a gente tem ainda a recuperação da crise financeira. As famílias e as empresas ficaram prevenidas, e os bancos também. Portanto, todos esses estão muito mais cuidadosos agora. E os bancos têm agora regras muito mais restritas do que antes. Portanto, por um lado não há um grande aumento. Há, no entanto, no caso das empresas, o problema das moratórias. Quando as moratórias acabarem, tudo isso vai ser muito complicado e vai ter de ser muito bem gerido.

Teme as agências de rating?

Tenho visto vários comentários que as agencias de rating já estão a olhar para isto, é evidente que estão e vão continuar a estar porque é o papel delas, e para isso que elas servem. Vão ver se temos efetivamente de tomar medidas que consigam não só manter a economia e voltar ao passado, mas fazer a tal transformação, contribuir para a transformação e que garanta que esta dívida tem condições de ser paga. Todo o nosso cuidado tem de incidir evidentemente em medida de curto prazo, mas é preciso ir além disso. Ainda não vi suficientes sinais que realmente tranquilizem de que estamos a fazer esse trabalho.

“Este orçamento foi um espetáculo triste”

O OE 2021 já antevia esta situação?

O OE 2021 não previu nada. Ou melhor, previu que realmente era previsto que o muito curto prazo era preciso gastar à vontade e depois logo se vê. Este Orçamento foi um espetáculo triste. Aquela aprovação na especialidade, com não sei quantas mil alterações, tiveram de estar a aprovar medida que nem devem ter tido tempo para ler… Isto numa situação crítica que em termos de economia e orçamentais é de facto muito grave. Não era possível prever em outubro ou novembro [o novo confinamento]. Ainda agora é impossível prever tudo o que se vai passar em 2021, quanto mais nessa altura. O meu problema não é esse, o meu problema é a atitude: não vi que existisse, fosse de quem fosse, a perceção de que estamos a passar por uma crise que vai ter consequências.

Prevê que haverá um Orçamento Suplementar em 2021?

Se há Orçamento Suplementar este ano é a menor das preocupações. De há uns anos para cá o Orçamento Suplementar tornou-se um tabu, preferimos andar a fazer manobras esquisitas para o evitar. O Suplementar tem pelo menos uma vantagem: é mais transparente do que as cativações. Portanto, se tiver de haver, ok, haverá. Não é daí que vêm os problemas de curto prazo.

O Governo não colocou a ênfase nos problemas para tentar não minar a confiança dos agentes económicos?

Se é essa a ideia, é uma ideia muito errada. É muito pior apresentar expectativas positivas que passado uma semana são postas em causa. Não há nada pior para afetar a confiança do que isso. Vemos nos países onde isso não é feito, em que há mais cuidado a olhar realisticamente e prudentemente para o futuro, que há maior confiança. Somos dos países onde há menor confiança, e uma das razões provavelmente tem a ver com isso, essa necessidade de estar constantemente a criar expectativas positivas que depois são defraudadas.

Num artigo de opinião no Jornal de Negócios disse que o OE 2021 fazia uma “má atribuição de recursos”. Porquê em concreto?

Deve ter ouvido aquela definição de economia que estuda a aplicação de recursos escassos. Em Portugal nunca se consideram os recursos como escassos. Sempre dizemos que o financiamento há de vir de qualquer lado, portanto, aplica-se de qualquer maneira. Onde se vê que há uma má aplicação de recursos é, por exemplo, no aumento da dívida sem o aumentar do crescimento da economia capaz de sustentar essa dívida. É um sinal de má colocação de recursos. Hoje pode-se ver em muito mais coisas, mas a nível macroeconómico este é um indicador irrefutável.

Mas o défice de 2021 deveria ser mais baixo? Que devia haver consolidação orçamental?

O meu problema nunca foi o défice anual. O meu problema é o enquadramento orçamental. É uma guerra em que ando há 30 anos e que não serve de nada porque sou derrotada. Mas sou persistente. O nosso enquadramento orçamental é assim. A política orçamental de cada ano… para já é estritamente anual e em base de caixa, o que não se gastar não interessa. Avaliam-se as despesas ou a dotação, nunca se avaliam as despesas pelo resultado que se quer alcançar e muito menos se avaliam depois se eles foram alcançados ou não.

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