Alcochete volta aos planos do Governo. Quem disse o quê sobre o novo aeroporto de Lisboa?

Um novo aeroporto de Lisboa é discutido desde 1969 e há nova reviravolta: Alcochete volta a estar em cima da mesa. Certo é que o Humberto Delgado já esgotou a capacidade e a decisão é para ontem.

Foi há mais de 50 anos que o debate sobre o novo aeroporto de Lisboa começou, mais precisamente em 1969. Primeiro era para ser em Rio Frio, até o 25 de abril adiar a decisão para o final do século. Depois seria na Ota, decisão apoiada por Guterres. Mas em 2008 o Governo de Sócrates decidiu que seria em Alcochete, mas a crise de 2011 atirou a decisão para Passos, que escolheu o Montijo e António Costa respeitou a sua decisão. Até agora.

50 anos volvidos, o que aconteceu agora? A proposta de Montijo foi para a frente, teve inclusive a aprovação da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e a reprovação de vários partidos e cientistas – certo é que nunca houve um consenso -, mas na terça-feira a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) decidiu que não vai fazer a apreciação prévia de viabilidade para efeitos de construção do Aeroporto Complementar no Montijo, ou seja, travou o projeto.

Perante o indeferimento, o Governo decidiu avançar com um processo de Avaliação Ambiental Estratégica onde terá três alternativas: duas incluem o Montijo (que parece ser a opção preferida do executivo) e uma volta a colocar em cima da mesa o aeroporto em Alcochete.

Se a decisão do aeroporto em Alcochete parecia ter sido enterrada com Sócrates, o debate público não foi. Desde então muitos políticos e especialistas não desistiram da ideia. Outros, continuam a abominá-la.

Alcochete? “Jamais”

“Construir um aeroporto na Margem Sul? Jamais, jamais!”, foi a famosa frase proferida por Mário Lino em 2007. A posição do ex-ministro das Obras Públicas do Governo de José Sócrates era semelhante à do executivo de António Guterres: era preferível construir o novo aeroporto de Lisboa na Ota (Alenquer) que em Alcochete (“margem sul” do Tejo), hipótese levantada pelo seu primeiro-ministro. No ano seguinte, anunciou, em conjunto com José Sócrates, que o aeroporto seria construído em Alcochete, o que levantou críticas da oposição.

Também João Cravinho, ex-ministro das Obras Públicas no executivo de Guterres, mostrou-se descontente com a opção de Sócrates. Em declarações à SIC Notícias, em 2008, afirmou que “um dos sete critérios em que se baseou a decisão [de ir para Alcochete] está erradamente calculado”. “Houve uma autêntica lavagem do cérebro dos portugueses, uma campanha maciça terrível que levou os portugueses a acreditar que ficava mais barato, quando fica mais caro.”

O que disse Sócrates em 2008?

“O país precisa de andar para a frente. Precisamos de construir o novo aeroporto rapidamente”, disse o ex-primeiro ministro, José Sócrates, nos primeiros dias de 2008. A decisão estava tomada, era Alcochete. Adicionalmente, estava prevista a construção de uma terceira ponte sobre o Tejo e foi ainda debatida a remodelação do projeto Metro Sul do Tejo para incluir a sua expansão até Alcochete.

“A questão de tudo o que vejo não é financeira. O ponto que eu quis salientar quando falei dos critérios, foi a questão da segurança, da operacionalidade, da flexibilidade do aeroporto. É melhor em Alcochete no que na Ota”, afirmou, em conferência de imprensa, no dia do anúncio do aeroporto.

Alcochete tinha todos os pareceres favoráveis?

Entre os 28 pareceres emitidos, houve um desfavorável à construção do aeroporto no Campo de Tiro. Trata-se do parecer do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB), que referiu ser uma “solução suscetível de gerar impactos de maior magnitude e não reversíveis sobre a avifauna aquática (particularmente a migradora) dependente da Zona de Proteção Especial (ZPE) do Estuário do Tejo e do sistema de zonas húmidas associadas à Lezíria e à península de Setúbal com destaque para a ZPE do Estuário do Sado”.

Este parecer não foi impeditivo do Governo socialista aprovar a instalação do aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete, decisão que se pensava definitiva.

Passos Coelho: o início do projeto Montijo

“Os pressupostos em que se baseou a decisão de construir um novo aeroporto na região de Lisboa assentaram numa conjuntura bastante diversa da que hoje vivemos”, explicou o antigo primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, em 2011.

No ano seguinte, de visita à Base Aérea do Montijo, Passos Coelho afirmou que não iria anunciar nenhuma decisão relacionada com o novo aeroporto. “O Governo já teve ocasião de dizer que está a estudar uma alternativa que nos permita fazer o funcionamento do aeroporto da Portela durante um maior número de anos, o que necessitará sempre de uma pista de apoio e, evidentemente, a Base Aérea do Montijo é uma das possibilidades que não deixará de ser estudada”, declarou. Em plena crise, confessou que o executivo estava a “equacionar todos os cenários” para se usar o aeroporto da Portela “durante um maior número de anos, de modo a evitar que o país tenha de despender uma soma demasiado avultada para um novo aeroporto, que esperemos não venha a ser necessário sobretudo na próxima década“. Não chegou a uma década, pois uns anos depois a solução para o Montijo foi anunciada.

Governo de Costa não desiste de Montijo

Em 2019, Pedro Marques, ex-ministro do Planeamento e das Infraestruturas questionou “como se pagaria um aeroporto de raiz a mais de uma hora de transportes públicos de Lisboa?”. No Parlamento, o agora eurodeputado enfatizou a falta de recursos financeiros para a solução de Alcochete.

Já no ano de 2020, o atual ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, confirmou a afirmação do seu antecessor, em entrevista ao Expresso: “Alcochete é muito mais caro do que a solução com que estamos a trabalhar (o Montijo). Torná-lo competitivo exigiria um nível de infraestruturas que são altamente dispendiosas, infraestruturas que não temos de fazer no caso do Montijo. E demora muito mais tempo do que a solução que temos. Mesmo com Alcochete todo infraestruturado demoraríamos 45 minutos a chegar a Lisboa, o destino da esmagadora maioria dos passageiros que recebemos no Aeroporto Humberto Delgado”.

Costa respeita Montijo, mas Sócrates ainda tem algo a dizer

A solução de António Costa não agradou o seu colega socialista e ex-primeiro-ministro. Num artigo de opinião publicado no Expresso em fevereiro do ano passado, José Sócrates teceu duras críticas à decisão tomada pelo atual chefe do Governo.

“A solução Montijo é apresentada como mais rápida de executar que a anterior solução de Alcochete. Tal afirmação não é verdadeira. Recordemos que a solução Alcochete tem o projeto aprovado desde 2010. Repito, desde 2010”, começou por escrever. “Se a questão fosse andar depressa, a solução Alcochete estava e está muitos anos à frente das outras.”

Depois de considerar também o argumento da Vinci (dono da ANA) de que Alcochete constitui “um incomportável investimento”, uma “artimanha”, Sócrates questiona-se: “afinal, quem é que indicou o Montijo como opção?” – opção do executivo de Passos Coelho. E responde: “A opção Montijo mais Portela não foi escolhida ou proposta por nenhum órgão da administração pública; não foi recomendada nem estudada por nenhum laboratório público de investigação; não foi comparada com outras nos seus custos ambientais – ela parece resultar simplesmente da escolha da empresa Vinci”.

Esquerda une-se por Alcochete

Com o BE não conta para nenhuma alteração legislativa para impor um aeroporto no Montijo contra as populações e movimentos ambientalistas e contra a segurança das pessoas”, disse Catarina Martins em fevereiro de 2020, referindo-se à vontade do executivo de alterar a lei que exige parecer favorável de todas as câmaras municipais dos concelhos afetados pelo aeroporto do Montijo. “Mas conta sim com o BE para uma solução que já está estudada, que não tem que ser mais lenta e que pode voltar a ser posta em cima da mesa. Não é preciso que fique ou tudo no Montijo ou tudo na mesma. Há sempre soluções, saibamos olhar para elas”, acrescentou a líder bloquista, referindo-se ao Campo de Tiro em Alcochete.

À semelhança do BE, também o PCP tem defendido o projeto de Alcochete. Depois do parecer favorável da APA, o PCP acusou o Governo de ceder “aos interesses da multinacional Vinci”. “O que Portugal precisa é de um novo aeroporto! Um aeroporto digno desse nome. Que tenha capacidade de expansão e de desenvolvimento, que permita um investimento faseado para dar resposta às necessidades futuras do país”, afirmou o PCP, na altura, em comunicado. Mais recentemente, após a decisão do regulador da aviação, o PCP voltou a insistir: “A única opção que verdadeiramente serve os interesses nacionais: a construção faseada do Novo Aeroporto de Lisboa nos terrenos do Campo de Tiro de Alcochete”.

Esquerda não está sozinha na defesa de Alcochete

Em fevereiro do ano passado, a Ordem dos Engenheiros voltou a posicionar-se a favor do aeroporto em Alcochete. O bastonário Carlos Mineiro Aires apontou como argumentos a favor a zona menos urbana e a questão das aves – uma das maiores críticas ao aeroporto no Montijo. Para Mineiro Aires, o projeto Alcochete assemelha-se a outros projetos europeus, como por exemplo em Bruxelas. “É um aeroporto que tem todas as condições para não ter impactos e suficientemente perto da capital para ser eficiente”, disse à TSF.

Mais recentemente, em novembro de 2020, o ex-presidente da TAP, Fernando Pinto, deu razão a alguns defensores do projeto Alcochete no seu livro “Pensar o Futuro”. Segundo escreve o semanário Expresso, Fernando Pinto nunca afirma efetivamente que a melhor localização para um novo aeroporto seria Alcochete, mas relembra que “já existe uma declaração de impacto ambiental válida, sem maiores condicionantes e sem a problemática das aves” que o aeroporto do Montijo apresenta.

“A vantagem apontada é que no final desse processo, que pode ser ajustado às necessidades de tráfego e disponibilidade de recursos, Lisboa teria finalmente um moderno sistema aeroportuário, projetado de raiz e representativo da real potencialidade do país. Poderia também fazer-se uso das verbas comunitárias que estarão disponíveis em razão da epidemia para obras estruturantes com grande necessidade de força laboral”, escreveu, citado pelo semanário.

PSD de Rui Rio a favor de Alcochete ou Montijo?

Se no tempo de Passos Coelho, Montijo era a opção preferida dos social-democratas, não parece que o seja com o executivo socialista de António Costa. O PSD de Rui Rio chegou a pôr a hipótese de Alcochete, pois consideravam “previsível que venham a ser apontados problemas ambientais à solução do Montijo”. “Neste sentido, o PSD entende que poderá ser avisado a reapreciação da solução Alcochete, mesmo que tal obrigue a uma renegociação das condições contratuais da concessão”.

O PSD foi, inclusive, um dos partidos que reprovou a revisão da lei para que as autarquias não travassem a construção do aeroporto complementar de Lisboa. “É que nem pensar, nem pensar. É um pontapé no princípio de Estado de Direito. Que a lei é estúpida, é. Mas é lei“, disse à TSF David Justino, vice-presidente do PSD, em fevereiro do ano passado, quando questionado sobre a eventual mudança na legislação.

Essa posição mereceu a perplexidade do atual primeiro-ministro. “O plano B ao Montijo é recuar sete anos e recomeçar do zero agora com a hipótese de Alcochete. Isso terá custos muito grandes para a economia do país e, portanto, eu acho que todos devem agir com responsabilidade” afirmou, relembrando que a decisão do Governo dá continuidade às decisões tomadas pelo executivo do PSD/CDS-PP de Passos Coelho.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades do partido. Na terça-feira, depois da decisão da ANAC, a conversa foi diferente. “Se é neste enquadramento que o Governo pretende mudar a lei no sentido de que um único município não possa reprovar um projeto de dimensão nacional, nós estaremos de acordo com a mudança dessa lei”, disse Rui Rio, esclarecendo que apenas não estavam “de acordo” para “mudar a lei” de forma a que esta beneficiasse “um projeto em concreto”.

De Sócrates a Costa, Alcochete já esteve em debate por diversas legislaturas. E o entrave ao Montijo é apenas mais um revés no longo debate que conta com mais de meio século. A aguardar uma decisão está o aeroporto Humberto Delgado que já esgotou a sua capacidade há muito.

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