Vírus na economia não contagia bolsas. Bancos centrais e investidores confinados ajudaram a proteger

Há um ano em pandemia, os mercados financeiros já esquecem o sell-off do início do surto. Estímulos monetários e orçamentais, bem como a vacina impulsionam a recuperação, especialmente a tecnologia.

Para uma crise sem precedentes, foram aplicadas medidas sem precedentes“. É assim que Carlos Almeida, diretor de Investimentos do banco Best, explica o que se passou nos últimos meses. Com empresas paralisadas e famílias fechadas em casa, as economias de todo o mundo afundaram, levando bancos centrais e governos a injetar dinheiro na economia como nunca. A estratégia foi uma boia de salvação para as bolsas, mas atirou o endividamento para níveis recorde.

“Atendendo à origem da crise e à imposição de restrições que condicionam a atividade económica — com maior severidade os serviços — foram aplicadas medidas por parte dos governos e dos bancos centrais”, aponta Almeida, que considera que primeiro a política monetária e mais tarde a orçamental foram “determinantes para assegurarem o funcionamento dos mercados financeiros”.

A atividade gerada por todo o mundo recuou 3,5%, com Portugal a acompanhar com um tombo de 7,6% do PIB. Desde a Segunda Guerra Mundial que as economias não tinham um desempenho tão fraco, mas nas bolsas… ninguém diria. Após o sell-off de março de 2020, quando o surto chegou à Europa e depois aos EUA, a recuperação foi guiada pelas promessas dos presidentes da Reserva Federal norte-americana (Fed) e do Banco Central Europeu, Jerome Powell e Christine Lagarde respetivamente, de que não iriam abandonar as economias.

As taxas de juro extremamente baixas diminuíram os encargos de serviço de dívida de muitas empresas o que fez subir a sua cotação, tornando ao mesmo tempo menos rentáveis veículos tradicionais de investimento como as obrigações. Este cocktail de circunstâncias foi extremamente benéfico para as ações.

Ricardo Evangelista

Analista sénior da ActivTrades

A promessa refletiu-se em juros historicamente baixos e mega programas de estímulos. A Fed imprimiu tanto dinheiro que um quinto de todos os dólares em circulação foram criados no primeiro ano da pandemia, enquanto o BCE aumentou mais os ativos que tem no balanço num ano do que durante os oito anos em que foi liderado pelo italiano Mario Draghi. De ambos os lados do Atlântico começaram os apelos a que os orçamentos fossem usados para subir a parada.

Se nos EUA a questão é mais pacífica, na Europa não tanto, fazendo retomar a discussão sobre a emissão de eurobonds. O projeto não avançou, ou melhor, sofreu um rebranding (com uma diferença fundamental sobre a partilha de risco) e foi concretizado na emissão conjunta de social bonds pela Comissão Europeia para financiar a recuperação e apoiar os países nos seus próprios projetos nacionais.

“Cocktail” energético para as bolsas

Foi este o cenário — e o da descoberta de vacinas para a Covid-19 que deram início a planos massivos de vacinação — que as bolsas foram navegando. “As taxas de juro extremamente baixas diminuíram os encargos de serviço de dívida de muitas empresas o que fez subir a sua cotação, tornando ao mesmo tempo menos rentáveis veículos tradicionais de investimento como as obrigações. Este cocktail de circunstâncias foi extremamente benéfico para as ações“, explica Ricardo Evangelista, analista sénior da ActivTrades.

O índice de referência nacional PSI-20 reduziu as perdas, mas ainda assim está no vermelho contabilizando o ano da pandemia (março a março), com uma perda de 4%. Em sentido contrário, o europeu Stoxx 600 avança 8,5% no mesmo período, apesar do segundo confinamento. Já Wall Street não só esqueceu o vírus como renovou sucessivamente máximos no final do ano passado. O S&P 500 valoriza mais de 25%, enquanto o tecnológico Nasdaq ganha quase 50%.

Ambos os analistas apontam para a tecnologia como a vencedora da pandemia no campo acionista tendo em conta que o confinamento e o teletrabalho obrigaram a acelerar tendências de digitalização no mercado laboral e no entretenimento. A única tecnológica na bolsa de Lisboa, a Novabase, sobe 50% nos últimos 12 meses. O mesmo aconteceu com a sustentabilidade, o que se refletiu na EDP Renováveis, que quase duplica de valor. Em sentido contrário, houve áreas sobre pressão como a banca ou as petrolíferas, que afundaram as cotações do BCP e da Galp Energia.

Desempenho do PSI-20 no primeiro ano da pandemia

Fonte: Reuters

A aceleração de tendências durante a pandemia poderá ficar e continuar a impulsionar o rally das tecnológicas e das energéticas verdes, mas o impacto dos desenvolvimentos da economia nos mercados não está totalmente esquecido. “Nesta fase, as atenções estão centradas na evolução das taxas de juro e na capacidade de gestão dos bancos centrais em reverterem as medidas extraordinárias. Aqui, é necessário compreender que a sinalização da retirada de estímulos, no curto prazo, poderá gerar instabilidade nos mercados. Porém, o cenário de retirada das medidas extraordinárias é, em si mesmo, um sinal que a economia estará a evoluir de forma positiva”, considera Carlos Almeida.

O diretor de investimentos do Best sublinha que em termos do desempenho económico, a evolução dos planos de vacinação e os processos de desconfinamento serão muito importantes para os próximos meses. “É necessário assegurar a recuperação abrangente dos setores mais condicionados no último ano, nomeadamente o turismo, restauração e cultura”, diz, sobre a recuperação da economia, que irá ser cumulativa à gestão de dívidas e défices sem precedentes.

Investidores confinados e a loucura das criptomoedas

O dinheiro barato não foi a única razão para a recuperação das bolsas, mas também o crescente interesse da parte de investidores de retalho. “O enorme número de pessoas retidas em casa, que tendo continuado a receber salários, e até subsídios extra no caso americano, acabaram por utilizar este rendimento excedentário para começar a negociar ativos financeiros, o que também contribuiu para os ganhos”, explica Ricardo Evangelista.

A conjugação de dinheiro, tempo e acesso a plataformas de trading low cost (que também dispararam na pandemia) levou a um aumento do interesse pelos mercados financeiros. O número de negociações realizadas por investidores de retalho na bolsa de Lisboa aumentou 50% em 2020, face a 2019, por exemplo. E gerou fenómenos como o da GameStop, em que um grupo no Reddit se confrontou com grandes investidores em Wall Street.

As taxas de juro extremamente baixas diminuíram os encargos de serviço de dívida de muitas empresas o que fez subir a sua cotação, tornando ao mesmo tempo menos rentáveis veículos tradicionais de investimento como as obrigações. Este cocktail de circunstâncias foi extremamente benéfico para as ações.

Ricardo Evangelista

Analista sénior da ActivTrades

Mas não foi só: as criptomoedas também ganharam um renovado interesse. A bitcoin ultrapassou pela primeira vez os 56 mil dólares, com a ajuda da adesão de investidores institucionais, de que é exemplo o investimento de 1,5 mil milhões de dólares da fabricante automóvel Tesla. A totalidade do mercado de criptomoedas vale atualmente 1,5 biliões de dólares, apesar de os reguladores reforçarem constantemente que investir em criptomoedas pode resultar na perda da totalidade do capital investido.

O analista sénior da ActivTrades considera que a pressão compradora sobre as criptomoedas poderá estar de certa forma relacionada com a cobertura que muitos investidores estão a fazer ao risco do ressurgimento da inflação. A expectativa é que o pós-Covid traga uma aceleração da inflação — o que já é visível nos juros de longo prazo — e provoque uma desvalorização das divisas tradicionais.

“Como a bitcoin é um instrumento especulativo descentralizado e independente dos bancos centrais, estando assim imune ao risco inflacionista que as políticas de estímulo neste momento em vigor poderão gerar. Muitos agentes de mercado começaram a acumular a criptomoeda com uma forma de se precaverem face à potencial desvalorização do dólar e do euro”, justifica.

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