Diretor do Banco de Portugal rejeita falta de intervenção “enérgica” no BES

Luís Costa Ferreira, diretor de supervisão do Banco de Portugal, aproveitou decisões do tribunal para refutar a ideia de que faltou uma atuação enérgica no BES. Responsabilidades caem sobre Salgado.

O diretor do departamento de supervisão do Banco de Portugal rejeitou a ideia de que faltou uma supervisão “enérgica” no BES, como disse João Costa Pinto na sua audição na comissão de inquérito ao Novo Banco. Pelo contrário, foi “energética e intrusiva”, disse Luís Costa Ferreira aos deputados. O responsável também negou que se tenha ignorado alertas internos sobre a complexidade do GES feitos em 2011, como concluiu o relatório sobre a atuação do Banco de Portugal no banco. Aliás, Costa Ferreira disse no Parlamento que podia dar nota das medidas, uma a uma, que o supervisor tomou “para dar cabal resposta às questões formuladas” pelo relatório Costa Pinto, contrariando o que disse o seu autor.

Luís Costa Ferreira teve a responsabilidade direta pela supervisão do BES entre julho de 2013 e outubro de 2014 e foi o segundo a ser ouvido no Parlamento no âmbito do inquérito em curso que visa apurar as perdas do Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução.

Logo na sua intervenção inicial, o responsável socorreu-se de acórdãos dos tribunais e da acusação do Ministério Público para fazer a defesa da atuação do supervisor e atirar responsabilidades para a gestão de Ricardo. “Desde final de 2013 que o Banco de Portugal intensificou a vigilância sobre o BES e exerceu o poder, nomeadamente com medidas corretivas”, declarou Costa Ferreira, citando uma decisão do tribunal de Lisboa. “Não se podia exigir do Banco de Portugal uma atuação diferente no quadro da supervisão”, citou noutra passagem.

Por outro lado, Costa Ferreira lembrou o exercício que o Banco de Portugal fez junto da ESI, o chamado ETRIC (exame transversal aos créditos dos bancos), o qual veio a detetar a “situação financeira real” da sociedade, para reforçar o seu ponto. Esse exercício “teve características totalmente inovadoras e intrusivas”, seguindo-se a outras “inspeções transversais” desde 2011. “Dificilmente posso conceber um exercício mais energético e intrusivo por parte de um supervisor bancário“, rematou.

Noutro sentido, o tribunal considerou que Ricardo Salgado e a sua administração agiram com dolo, acrescentou o diretor do Banco de Portugal. “O tribunal considerou que Ricardo Salgado estava ciente de que prestava informação falsa e criava visão distorcida da Espírito Santo Internacional (holding não financeira do GES)” e que no “seu interesse próprio se afastou” de uma gestão sã e prudente.

Ricardo Salgado agiu de “forma ruinosa para a ESI, sabendo que a sociedade se defrontava com problemas e que dificilmente ia conseguir pagar a dívida emitida” e vendida a pequenos investidores, acrescentou Costa Ferreira. Concluindo o seu raciocínio: “A responsabilidade sobre o GES recai sobre os seus dirigentes em resultado das suas ações ilícitas”.

O diretor também negou que o Banco de Portugal tenha ignorado alertas internas sobre a complexidade do GES, nomeadamente o aviso dos técnicos quanto à dificuldade de fiscalizar o grupo que tinha a holding mãe, a Espirito Santo Financial Group, sediada no Luxemburgo. Citou uma carta de 2013 que foi o “corolário de várias inspeções” e que expressou que deveria ser “promovida a simplificação da estrutura” do grupo e que foram feitas diligências para deslocalizar a ESFG para Portugal dentro de uma base jurídica.

Sobre a idoneidade de Ricardo Salgado, Luís Costa Ferreira disse que uma intervenção precoce para removê-lo da administração do BES ao abrigo da medida de ring fencing poderia causar instabilidade da instituição e criar riscos para o sistema, criando-se um quadro em “que iria ser necessário um suporte público que não existia a nível europeu”.

Costa Pinto disse na passada quarta-feira que se o Banco de Portugal tivesse agido de forma atempada e enérgica que os problemas do BES teriam sido evitados ou, pelo menos, minimizados.

Supervisor queria mais 500 milhões de capital no Novo Banco

Mais tarde, Costa Ferreira revelou que o Banco de Portugal queria mais dinheiro para o Novo Banco quando o banco foi criado em agosto de 2014, na sequência da resolução do BES. Foi decidida uma recapitalização pública de 4,9 mil milhões de euros para o banco, mas o supervisor queria mais 500 milhões.

“O montante que inicialmente estava estimado era de 500 milhões superior, mas não resultava de uma diferente valorização de ativos e passivos, resultava apenas de um buffer adicional de capital para o Novo Banco”, disse Costa Ferreira, questionado sobre o processo de constituição do balanço inicial do banco (separação do banco bom e do banco mau).

O diretor explicou aos deputados que a necessidade de capitalização de 4,9 mil milhões de euros foi calculada através da comparação e correção de ativos e passivos transferidos do BES e para que o Novo Banco cumprisse os requisitos regulamentares de fundos próprios. Costa Ferreira contou que, no fim de semana em que foi decidida a resolução do BES, ele e o então vice-governador, Pedro Duarte Neves, participaram numa reunião no Ministério das Finanças (Maria Luís Albuquerque era a ministra) para discutir o apoio financeiro ao Novo Banco. Dessa reunião resultou a afetação de 4,9 mil milhões de euros para o banco, aquém do que o Banco de Portugal pretendia. O valor foi depois confirmado pela PwC.

“O valor do capital resultou do montante necessário para assegurar o cumprimento dos rácios mínimos, de 8%, com o tal buffer que o Banco de Portugal queria”, sublinhou Costa Ferreira, após as dúvidas levantadas pelos deputados sobre a avaliação que foi dada aos ativos transferidos para o Novo Banco. Uma parte destes ativos (crédito malparado) está hoje a dar prejuízos ao banco, razão pela qual tem pedido dinheiro ao abrigo do mecanismo de capital contingente.

Ao longo da audição, Costa Ferreira foi confrontado com a sua saída do Banco de Portugal para a auditora PwC, em 2014. O responsável, que entretanto regressou em 2017 ao supervisor, rejeitou conflitos de interesse nas mudanças. “Todas as atividades de consultoria que eu prestei visaram assegurar o cumprimento das normas prudenciais. Não existe incompatibilidade daquilo que foram as ações desenvolvidas na PwC com as ações que foram desenvolvidas no Banco de Portugal”, disse.

(Notícia atualizada às 14h52)

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