“Poluição órfã” custa milhões de euros aos contribuintes em Portugal, diz Tribunal de Contas Europeu
Relatório do TCE revela que o princípio do poluidor-pagador é aplicado de forma desigual. Resultado? "Demasiadas vezes são os contribuintes europeus que têm de pagar pelos poluidores.
O princípio do poluidor-pagador não só está previsto nas políticas ambientais da UE como em teoria exige que sejam os poluidores a suportar os custos da poluição que eles próprios causaram. No entanto, revela o Relatório Especial do Tribunal de Contas Europeu (TCE) “Princípio do poluidor pagador: Aplicação incoerente nas políticas e ações ambientais da UE”, divulgado esta segunda-feira, 5 de julho, “demasiadas vezes são os contribuintes europeus que têm de pagar pelos poluidores”.
Isto porque, refere o documento, o princípio do poluidor-pagador continua a não cobrir todos os casos e é aplicado de forma desigual nos vários setores de atividade e Estados-Membros. Resultado? Muitas vezes são utilizados fundos públicos para financiar ações de despoluição, em vez de serem os próprios poluidores a pagar. Com frequência, a contaminação ambiental/poluição aconteceu há tanto tempo que os poluidores já não existem, e não é possível identificá-los, ou não podem ser responsabilizados.
“Esta poluição órfã é um dos motivos pelos quais a UE teve de financiar projetos de recuperação que deveriam ter sido pagos pelos poluidores. Pior ainda, fundos públicos da União foram também utilizados contrariamente ao princípio do poluidor-pagador, por exemplo quando as autoridades dos Estados-Membros não conseguiram aplicar a legislação ambiental e obrigar os poluidores a pagar”, diz o TCE em comunicado.
E dá exemplos de “poluição órfã” em Portugal, quando em 2011, o país estabeleceu uma lista de 175 minas abandonadas que necessitavam de uma extensa descontaminação por conterem sulfuretos metálicos ou minerais radioativos. O Tribunal examinou assim três projetos financiados pelos FEEI relacionados com minas abandonadas que funcionaram entre o século XIX e o século XX.
“A contribuição prevista da UE é de 9,1 milhões de euros entre 2015 e 2021 e os projetos envolvem a reabilitação das minas e das zonas circundantes. Tendo em conta que as atividades mineiras ocorreram há décadas, não é possível considerar os operadores legalmente responsáveis, uma vez que já não existem e portanto deixaram de ser responsáveis ou não tinham a obrigação legal de descontaminar o solo quando estavam em funcionamento”, sublinha o TCE.
Quanto já pesou a poluição na carteira dos europeus?
Em conferência de imprensa para apresentar o estudo, os autores do estudo confirmaram ao ECO/Capital Verde que “não é possível contabilizar o valor total que já foi pago até hoje pelos contribuintes europeus para compensar todos os danos causados pelos poluidores”. No entanto, sublinham, entre 2014 e 2020 cerca de 29 mil milhões de euros da política de coesão e do programa LIFE da UE destinaram-se especificamente à proteção do ambiente.
No documento há um outro número que salta desde logo à vista: 55 mil milhões de euros. “A poluição gera custos significativos para os cidadãos da UE, mas não existe uma avaliação exaustiva do custo total da poluição para a sociedade. Num estudo recente, de 2019, realizado para a Comissão Europeia, estimou-se que o “incumprimento dos requisitos da legislação ambiental da UE ascende a cerca de 55 mil milhões de euros por ano em custos e benefícios perdidos”, refere o TCE.
Outra avaliação da Diretiva de Emissões Industriais, que a Comissão Europeia publicou em 2020, mostra por exemplo que o custo dos danos das emissões para a atmosfera de todas as instalações abrangidas pela diretiva diminuiu cerca de 50% entre 2010 e 2017. No setor siderúrgico, cumprir esta diretiva custa aos poluidores cerca de 90 milhões de euros por ano. Ao mesmo tempo, a prevenção da poluição poupa 932 milhões de euros por ano.
As três recomendações do Tribunal de Contas Europeu
“Pagar pela poluição poupa dinheiro às pessoas e às empresas. Fazer com que os poluidores assumam as suas responsabilidade reduz os custos para todos, sobretudo para os consumidores”, frisou Viorel Ștefan, membro do Tribunal de Contas Europeu responsável pelo relatório, em declarações aos jornalistas.
Esta necessidade torna-se mais urgente quando na UE, como refere o relatório do TCE, cerca de três milhões de sítios estão potencialmente contaminados, sobretudo pela atividade industrial e o tratamento e eliminação de resíduos. Seis em cada dez massas de água de superfície, como rios e lagos, não se encontram em boas condições químicas e ecológicas. A poluição atmosférica, um importante risco para a saúde na UE, também prejudica a vegetação e os ecossistemas. Todos estes fatores implicam custos significativos para os cidadãos.
“Para concretizar as ambições do Pacto Ecológico Europeu de forma eficiente e justa, os poluidores têm de pagar pelos danos ambientais que causam. Contudo, até agora, os contribuintes europeus foram demasiadas vezes forçados a suportar os custos que os poluidores deveriam ter pago“, frisou ainda Viorel Ștefan.
Para ultrapassar esta questão, o TCE propõe três recomendações à Comissão Europeia: reforçar a integração do princípio do poluidor-pagador na legislação ambiental (até ao final de 2024); reforçar a aplicação da Diretiva Responsabilidade Ambiental (até final de 2023); e proteger os fundos da UE para que não sejam utilizados para financiar projetos que devem ser pagos pelo poluidor (até 2025).
Tudo aquilo que os poluidores ainda não pagam
De acordo com o TCE, a Diretiva das Emissões Industriais já abrange as instalações industriais mais poluentes, mas ainda assim a maioria dos Estados-Membros ainda não responsabiliza o setor da indústria quando as emissões permitidas provocam danos ambientais. Além disso, diz o documento, a Diretiva também não exige que este setor cubra os custos do impacto da poluição residual, que atingem centenas de milhares de milhões de euros.
De igual modo, a legislação da UE aplicável aos resíduos incorpora o princípio do poluidor-pagador, por exemplo através do que se designa por “responsabilidade alargada do produtor”, mas o Tribunal constata que frequentemente são necessários investimentos públicos significativos para colmatar o défice de financiamento.
Refere ainda o relatório que os poluidores também não suportam a totalidade dos custos provocados pela poluição da água, sendo os agregados familiares da UE que pagam a maior parte, embora consumam apenas 10% da água. “O princípio do poluidor-pagador continua igualmente muito difícil de aplicar no caso da poluição causada por fontes difusas, em especial a agricultura”, refere o TCE em comunicado.
O caso português e o bom exemplo das garantias financeiras
Por último, o Tribunal salienta que, nos casos em que as empresas não têm garantias financeiras suficientes (como apólices de seguro que cubram a responsabilidade ambiental), corre-se o risco de os custos de limpeza ambiental acabarem por ser suportados pelos contribuintes.
Até à data, apenas sete Estados-Membros (República Checa, Irlanda, Espanha, Itália, Polónia, Portugal e Eslováquia) exigem a apresentação de garantias financeiras relativamente a algumas ou a todas as responsabilidades ambientais. Contudo, ao nível da UE, essas garantias não são obrigatórias, pelo que, na prática, os contribuintes são forçados a intervir e a pagar os custos de despoluição quando uma empresa que provocou danos ambientais fica insolvente.
Num estudo elaborado para o Parlamento Europeu concluiu-se que o problema da insolvência pode ser resolvido precisamente através destas garantias financeiras obrigatórias. Por exemplo, refere o documento, “Portugal impõe garantias financeiras obrigatórias para todas as atividades de risco ambiental referidas na DRA. Aceita uma vasta gama de instrumentos de garantia financeira, incluindo apólices de seguro, garantias bancárias, fundos ambientais e fundos próprios, e não comunicou quaisquer casos de insolvência que impedissem a aplicação da responsabilidade ambiental”.
“Portugal é um exemplo muito positivo de como estas ferramentas podem ser usadas para garantir que o custo da poluição não fica por pagar”, remataram os autores do estudo em resposta ao ECO/Capital Verde.
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