Trabalho do futuro, um desafio para a tecnologia 5G

  • Palmira Simões
  • 6 Agosto 2021

Nem só presencial nem só remoto. Alguns dias em teletrabalho, outros no escritório, o modelo híbrido parece estar a reunir consensos entre colaboradores e empregadores. A tecnologia é a chave.

A pandemia generalizou o trabalho remoto nos setores de atividade em que era possível. Para manterem os seus negócios em andamento, muitas organizações experimentaram, pela primeira vez, este modelo do qual há muito se falava, mas que poucas vezes tinha sido implementado de forma tão permanente. Novos modos de comunicação, de produzir e de comercializar produtos e serviços representaram um desafio para gestores, decisores e colaboradores, só ultrapassável graças às ferramentas tecnológicas cada vez mais avançadas e à digitalização de processos já existentes.

Entretanto, aquilo que foi a solução para uma situação de emergência já é, para muitos, um recurso de futuro, um forte aliado que pode ser personalizável em função de cada empresa e pessoa, situação e contexto. Mas se para os trabalhos de escritório as ferramentas de conectividade, produtividade e de informação que temos ao nosso dispor neste momento são para já suficientes, o mesmo não acontece noutras em que o contacto físico, como a indústria e a saúde, está mais presente. “É aqui que entra o 5G”, diz João Ricardo Moreira, administrador da NOS Comunicações. Para além de trazer mais velocidade e capacidade de transmissão, nomeadamente ao nível do vídeo, esta tecnologia disruptiva melhora a latência, ou seja, reduz substancialmente o tempo de interação entre o utilizador e a rede, tudo características que possibilitam repensar a forma como se trabalha, mesmo ao nível da manipulação de maquinaria pesada.

De acordo com a versão preliminar do Livro Verde sobre o futuro do trabalho 2021, um documento governamental em fase de finalização que visa criar linhas de orientação para preparar o país para responder aos desafios da revolução digital, a crescente digitalização da economia tem sido potenciada pela disponibilização e tratamento de informação em massa (big data) e, ainda, pelo desenvolvimento de novas tecnologias como a computação em nuvem, a inteligência artificial, a automação e a robotização, as impressoras 3D, o blockchain, a internet das coisas ou o 5G. Toda esta transformação exige, contudo, que as empresas tenham de se preparar para o que aí vem e fazerem elas próprias um reboot ao seu modelo operacional interno e esquecer as estruturas do passado.

"Já existem soluções bastante em conta, respostas muito pragmáticas e facilmente adaptáveis às necessidades e a adoção das mesmas pode e deve ser gradual. Ninguém transforma uma empresa digital num estalar dos dedos.”

João Ricardo Moreira

Administrador da NOS Comunicações

Mais do uma inevitabilidade, isto é uma oportunidade”, frisa o responsável da NOS Comunicações, ao mesmo tempo que destaca que as empresas “têm de começar a ter consciência do potencial da tecnologia, têm de estar atentas à forma como é incluída nas operações das empresas vizinhas e concorrentes e essa consciência deve estar acrescida de um sentido de urgência. Não há tempo para pensar e decidir mais tarde, sob pena de ficarem para trás e perder mercado. Já existem soluções bastante em conta, respostas muito pragmáticas e facilmente adaptáveis às necessidades e a adoção das mesmas pode e deve ser gradual. Ninguém transforma uma empresa digital num estalar dos dedos”.

Oportunidades de melhoria diferenciada para todos

Se num dos pratos da balança as empresas contam com a tecnologia para se reformatarem, no outro estão os colaboradores. Para dar resposta aos desafios relacionados com a gestão das equipas e a manutenção da coesão cultural, a tecnologia assume, destaca João Pita Negrão, senior manager da Deloitte, um papel fundamental como enabler da transformação do work (o que fazemos e como fazemos), da workforce (quem faz) e do próprio workplace (onde fazemos).

A transformação do work e do workplace são dois dos pontos em que a aprendizagem destes longos meses de pandemia se tem mostrado relevante para muitas empresas ao nível de processos e modos de funcionamento. Um inquérito recente da Harvard Business School revela que um grande número de trabalhadores, depois de terem experienciado o teletrabalho, não querem regressar ao escritório. Pelo menos de forma definitiva. Do lado das empresas, e segundo a consultora Robert Walters, seis em cada dez diretores preferem que o trabalho seja feito presencialmente. Entre as vozes contra e a favor, neste esgrimir de vontades começou a emergir uma nova palavra para definir o modelo de trabalho do futuro: híbrido.

De acordo com outro inquérito, agora da consultora McKinsey, nove em cada dez organizações querem implementar um modelo de trabalho híbrido, mas ainda não sabem como fazê-lo. Com todas as partes a exigir maior flexibilidade, é imperativo, sublinha a Adecco, empresa especialista em recursos humanos e outsourcing, que todos estejam alinhados no modelo ideal. Auscultar as necessidades dos colaboradores para identificar quais os elementos do trabalho flexível que funcionaram bem e onde ainda há espaço para melhorias é o primeiro passo para estabelecer a nova norma.

"Com um diálogo construtivo entre colaboradores e responsáveis pela gestão das organizações, é possível que se vão testando soluções híbridas diferenciadas consoante o perfil pessoal e profissional de cada um.”

Clara Raposo

Presidente do ISEG

Clara Raposo, professora e presidente do ISEG – Instituto Superior de Economia e Gestão, não duvida de que “quando o teletrabalho passar de ‘necessidade’ a opção, teremos uma grande oportunidade de melhoria para todos. Com um diálogo construtivo entre colaboradores e responsáveis pela gestão das organizações, é possível que se vão testando soluções híbridas diferenciadas consoante o perfil pessoal e profissional de cada um”.

A tendência híbrida traz um conjunto de benefícios, quer para as empresas quer para os colaboradores, considera João Negrão. No primeiro caso, pode verificar-se uma diminuição de custos de estrutura, permite um maior raio de captação de talento e melhora a vida profissional dos próprios colaboradores. Já estes podem igualmente vivenciar um maior work-life balance por via da eliminação parcial dos tempos de deslocação e maior flexibilidade horária. Na opinião deste especialista, o futuro do trabalho passará, necessariamente, pela sua humanização uma vez que os desafios de fundo, relacionados com a captação, desenvolvimento e retenção de talento, cultura organizacional e saúde física e mental, se centram mais no próprio colaborador e na forma como as organizações proporcionam uma experiência extraordinária às suas pessoas”.

Barreiras a ultrapassar

É na cultura organizacional que Carolina Almeida Leite, manager na consultora de recrutamento Michael Page, põe a ênfase quando fala em condicionamentos que o trabalho à distância pode impor. “Por exemplo, no onboarding, na integração e formação dos trabalhadores, sobretudo dos mais juniores que necessitam de acompanhamento, além de uma menor evolução e aprendizagem através da observação do outro”, salienta a especialista em recursos humanos que defende a implementação do modelo misto entre o presencial e o remoto para colmatar esta contrariedade.

"As universidades em conjunto com os grandes players tecnológicos devem contribuir para desenvolver as melhores soluções para as pessoas e, por essa via, para as organizações.”

Clara Raposo

Presidente do ISEG

Já a presidente do ISEG ressalta que é preciso que haja boa formação dos quadros para que esta adaptação aos novos tempos seja harmoniosa e bem-sucedida. Deste ponto de vista, as universidades também podem desempenhar um papel importante – no estudo da eficiência das novas formas de trabalho, a par da felicidade dos colaboradores. “As universidades em conjunto com os grandes players tecnológicos devem contribuir para desenvolver as melhores soluções para as pessoas e, por essa via, para as organizações. A título de exemplo, posso adiantar que na nossa área de formação executiva, estamos a ultimar no ISEG uma formação muito cuidada com a Microsoft para acompanhar as empresas neste processo de transição para um modelo de trabalho híbrido, a lançarmos no outono”, desvenda a especialista em gestão e finanças que admite ser este o caminho a seguir: “As empresas precisam de desenvolver, com os seus colaboradores, competências digitais e tecnológicas e, simultaneamente, novas competências de trabalho em equipa, de liderança, de relacionamento. São tempos desafiantes que exigem o nosso melhor”.

A evolução tecnológica é uma realidade inegável e está a transformar também o campo das profissões. Segundo o Fórum Económico Mundial, até 2030, muitas das competências que hoje os trabalhadores possuem e trazem para as empresas já terão mudado. Vários estudos apontam que 75% a 85% das profissões que serão mais requisitadas até ao final da próxima década ainda não existem. A chave está, por isso, na formação. Para a manager da Michael Page, este é um ponto que deve ser levado muito a sério não apenas pelos departamentos de recursos humanos, mas também pelas lideranças e pelos próprios colaboradores. “Tem de haver uma consciencialização dos benefícios tanto da tecnologia como da formação inerente, que devem ser encarados como vantagens não só para a empresa como para as pessoas, que devem ser envolvidas nos processos desde o primeiro momento, particularmente as mais resistentes à mudança, para que tudo seja encarado como natural”, sublinha Carolina Leite, que considera a comunicação outro fator-chave para o sucesso da transição: “As dúvidas ainda são muitas e há todo um trabalho pela frente no sentido de clarificar o papel da evolução dos meios tecnológicos na vida das empresas e das pessoas”.

"Muitos pensam que têm tempo mas quem tem esta perspetiva não está a ver bem os sinais dos tempos, pois existem outros players no mercado ou a entrar nele que apresentam propostas de valor assentes no digital e que estão a conquistá-lo.”

João Moreira

Administrador da NOS Comunicações

João Moreira também evidencia a questão da literacia digital como um fator crítico para o sucesso da transformação digital que está a ocorrer, mas, no seu ponto de vista, a maior barreira é psicológica e está do lado dos empresários: “Muitos pensam que têm tempo mas quem tem esta perspetiva não está a ver bem os sinais dos tempos, pois existem outros players no mercado ou a entrar nele que apresentam propostas de valor assentes no digital e que estão a conquistá-lo”. Cabe aos gestores, que conhecem a sua empresa como ninguém, avaliar as oportunidades e as necessidades.

Para apoiá-los, estão empresas que tratam a tecnologia por “tu” e que por isso têm a capacidade de ajudar a encontrar as melhores soluções que possam acrescentar valor às organizações. “O nosso papel neste momento é pedagógico de apoio à decisão. Partilhamos o conhecimento que tempos sobre a tecnologia, partilhamos os casos já conhecidos de aplicação dessa tecnologia e disponibilizarmo-nos para fazermos uma avaliação do investimento que é necessário e do respetivo retorno em termos de eficiência e rentabilidade”, remata o responsável da NOS Comunicações.

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