Da coligação semáforo à geringonça, um guia para o futuro governo alemão

Desde os anos 50 que um governo alemão é formado por apenas dois partidos. Este ano pode ser diferente. Saiba as alianças possíveis e para onde apontam as sondagens.

O namoro entre social-democratas e verdes alemães, durante a campanha para as legislativas deste domingo, antecipa um regresso ao início do século quando a dupla SPD/Verdes, de Gerhard Schröder e Joschka Fischer, governaram durante dois mandatos.

As sondagens mostram que o social-democrata e atual ministro das Finanças, Olaf Scholz, pode aspirar a ser o próximo chanceler. Desde meio de agosto que aparece à frente nas intenções de voto, e, nos vários debates em que se destacou, prefere repetir, tal como a candidata dos Verdes, Annalena Baerbock, que é tempo dos democratas-cristãos (CDU), de Armin Laschet, voltarem à oposição ao fim de 16 anos no poder.

A combinação SPD-Verdes é, no entanto, curta. Para conseguirem uma maioria parlamentar precisam de um terceiro parceiro. Nas últimas sondagens da Wahrecht.de/FT, os dois partidos têm 44,6% dos votos. Se se juntarem aos liberais (FDP), liderado por Christian Lindner, passariam a ter 56,9% — a chamada coligação semáforo. “A fase do semáforo amarelo é sempre mais breve”, avisou Laschet, antes de defender que “o FDP seria constantemente ameaçado de ser expulso” desta aliança.

A outra opção passa por uma ‘geringonça’ à alemã, uma coligação original no panorama político alemão, entre o SPD, os Verdes e o partido mais à esquerda, Die Linke. A maioria também parece assegurada (51,5%), ainda que à justa e o Die Linke esteja demasiado perto do limiar de 5% necessário para entrar na câmara baixa do parlamento alemão (Bundestag).

Fonte: Wahlrecht.de/FT

Ao SPD e Verdes interessa manter vivo o cenário da ‘geringonça’, até como forma de pressão para os liberais, que historicamente preferem ser parceiros da CDU. “A simples existência de uma potencial combinação SPD-Verdes-Die Linke pode levar o FDP a mudar de lado e a concordar com uma coligação semáforo, justificando com a salvaguarda da política fiscal e orçamental e o ‘interesse nacional’”, defende, numa nota, o chefe economista do Unicredit, Erik Nielsen.

Com 40% dos 60,4 milhões de eleitores indecisos, o resultado é muito mais incerto do que há quatro anos, quando Angela Merkel ia à frente, com uma diferença de dois dígitos, e as apostas limitavam-se a tentar acertar no parceiro da CDU. As sondagens de 2021 só indicam que o candidato social-democrata segue na dianteira, mas por pouco e, em caso de renúncia a uma nova ‘grande coligação’ entre SPD e CDU, será necessário um governo com três partidos.

A história mostra que os alemães tendem a preferir o status quo e que nem sempre o partido mais votado é o que forma governo. Ao todo, desde 1949, existiram 24 governos de coligação na Alemanha, mas os exemplos de um governo formado com três partidos ficaram nos anos 50 — descontando o facto da própria CDU ser uma aliança de dois partidos, com a CSU, o partido democrata-cristão que concorre apenas na Baviera.

Este ano, até o número final de deputados pode ser um recorde. No mínimo há 598 representantes no Bundestag que podem, em teoria, ser esticados para 900. Nas eleições de 2013 havia 630 deputados, número que subiu para 709 em 2017, um máximo de sempre. Com dois votos no boletim — um direto num representante do distrito, outro na lista de um partido –, cada alemão pode escolher votar em dois partidos. No final, são os votos no partido que refletem a representação no Parlamento, mas quanto maior for a dispersão partidária entre os 299 eleitos diretamente e os votos num partido, mais cresce o número de deputados.

Para lá da ‘grande coligação’, que não pode ser descartada se assegurar uma maioria parlamentar, o ECO guia-o pelas outras cinco alianças possíveis entre três partidos, após 26 de setembro. Primeiro tem de se lembrar das cores dos partidos: SPD (vermelho), CDU/CSU (preto), Verdes, Liberais (amarelo) e Esquerda (vermelho e preto):

Coligação Semáforo

SPD-FDP-Verdes. Um governo com estas cores ganha força perante as últimas sondagens. Seria a primeira vez, em 16 anos, que a CDU passaria à oposição. A coligação responderia a três desafios que enfrenta a economia germânica: equidade social (SPD), mudança nas políticas climáticas (Verdes) e a modernização da economia e do setor público (FDP). Os liberais têm historicamente recusado ficar entre o SPD e os Verdes, mas este ano não descartam este cenário desde que assegurem o cargo de ministro das Finanças. A combinação teria, logo à partida, um obstáculo a superar: o aumento de impostos colhe mais simpatias no centro-esquerda que entre os liberais. A nível regional, existe a aliança semáforo no estado Rhineland-Palatinate.

Coligação Geringonça

SPD-Verdes-Die Linke. Seria uma espécie de “geringonça” à alemã, com a entrada pela primeira vez do Die Linke no arco da governação. Nem o SPD, nem os Verdes têm excluído formar uma aliança com o partido mais à esquerda do espetro político alemão — que inclui uma fação dos comunistas e dissidentes social-democratas. Ideologicamente, o trio de esquerda tem pontos em comum na área dos impostos ou políticas sociais. As posições radicais da política externa da Esquerda — que, por exemplo, defende a saída da Alemanha da NATO — tornam esta aliança impopular e imprevisível. Ainda assim, existe em três estados alemães: Turíngia, Bremen e Berlim.

Coligação Jamaica

CDU-Verdes-FDP. Esta combinação é uma das mais prováveis se a CDU ficar à frente em votos, ou se Laschet acabar por conseguir formar governo. Em 2017, houve uma tentativa de negociação a três, mas os liberais desistiram e a opção voltou a ser uma “grande coligação”, a terceira nos últimos quatro mandatos. Neste cenário, a CDU manteria o chanceler, os Verdes ficariam com o Ministério do Ambiente e Negócios Estrangeiros e a pasta das Finanças cairia em mãos liberais. Resta saber se os Verdes conseguiriam ceder a uma política fiscal mais à direita e a uma maior rigidez das finanças públicas. A nível regional foi possível um entendimento no estado de Saarland entre 2009 e 2012 e, nos dias de hoje, em Schleswig-Holstein.

Coligação Alemanha

CDU-SPD-FDP. Com as cores da bandeira alemã, esta coligação é uma das mais improváveis, apesar do alargado apoio parlamentar e até do alinhamento político em várias políticas. É a preferida dos empresários e pessoas com elevados rendimentos. Mesmo garantindo o cargo de chanceler, se os social-democratas entrassem num governo dominado pelo centro-direita arriscariam diluir a sua base de voto.

Coligação Quénia

SPD-CDU-Verdes. Uma ‘grande coligação’, mais os Verdes, teria uma maioria absoluta reforçada — acima de 66%. Os três partidos têm uma larga experiência governativa, conhecem bem o eleitorado e são moderados. Mas esta é considerada uma opção teórica, ainda que esteja a funcionar nos estados federados de Brandenburgo e Saxónia. A ameaça da extrema-direita do AfD, que teve cerca de um quarto dos votos nas eleições regionais, obrigou estes três partidos a um entendimento.

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