Ainda há menos 125 milhões de postos de trabalho do que antes da pandemia, alerta OIT
A trajetória dos mercados de trabalho é de uma "recuperação estagnada", com brechas significativas entre as economias desenvolvidas e em desenvolvimento, avisa a OIT.
Apesar do levantamento um pouco por todo o mundo das restrições impostas por causa da pandemia e da vacinação da população estar a avançar, o efeito da crise sanitária e económica no mercado de trabalho ainda se faz sentir. Há 125 milhões de empregos a tempo inteiro ainda por repor, para chegar aos níveis registados antes da pandemia. As disparidades entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento também aumentaram com a crise provocada pelo novo coronavírus, alerta a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Por cada 14 pessoas vacinadas — com as duas doses — era criado um novo posto de trabalho a tempo inteiro no mercado laboral mundial.
Tomando como referência os níveis anteriores à pandemia (o quatro trimestre de 2019), as horas trabalhadas a nível mundial em 2021 diminuíram 4,3%, o equivalente a 125 milhões de empregos a tempo inteiro, segundo as estimativas da OIT, reveladas esta quarta-feira. Esta previsão representa uma significativa revisão dos 3,5%, ou 100 milhões de empregos a tempo inteiro, projetada pela agência das Nações Unidas em junho.
“A trajetória atual dos mercados de trabalho é de uma recuperação estagnada, com o surgimento de riscos significativos de desvantagem e de uma grande divergência entre economias desenvolvidas e em desenvolvimento”, afirma o diretor-geral da OIT, Guy Ryder.
O relatório da OIT dá ainda conta de uma recuperação a duas velocidades, o ritmo dos países desenvolvidos e o dos países em desenvolvimento, algo que diz “afetar perigosamente o conjunto da economia mundial”. Tendência que se poderá agravar. Se nada for feito ao nível de apoio financeiro e técnico, continuará a haver uma “grande divergência” nas tendências de recuperação do emprego entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento, alerta a oitava edição do “Observatório da OIT: A Covid-19 e o mundo do trabalho”.
No terceiro trimestre de 2021, ou seja, durante os meses de julho, agosto e setembro, o total de horas trabalhadas nos países com rendimentos elevados foi 3,6% inferior ao registado no quarto trimestre de 2019, antes do início da pandemia. Já a diferença registada nos países com os rendimentos mais baixos situou-se nos 5,7%, e nos países com rendimentos médio baixos nos 7,3%.
“Numa perspetiva regional, Europa e Ásia central experimentaram a menor redução de horas de trabalho, em comparação com os níveis anteriores à pandemia (2,5%). Segue-se a Ásia e Pacífico (4,6%). África, Américas e Estados Árabes registaram diminuições de 5,6%, 5,4% e 6,5%, respetivamente”, lê-se no relatório da agência das Nações Unidas liderada por Guy Ryder.
14 pessoas vacinadas = 1 novo posto de trabalho
Apesar de a recuperação económica ter sido mais lenta este ano, e com diferentes ritmos geográficos, o avanço no processo de vacinação das populações impulsionaram substancialmente a retoma. As estimativas indicam que, no segundo trimestre de 2021, por cada 14 pessoas vacinadas — com as duas doses — era criado um novo posto de trabalho a tempo inteiro no mercado laboral mundial.
“Sem vacinas, a perda de horas de trabalho a nível mundial teria rondado os 6,0% no segundo trimestre de 2021, e não os 4,8% registados”, esclarece a OIT.
Ainda assim, a Organização Internacional do Trabalho salienta que a distribuição desigual das vacinas refletiu-se num efeito “positivo” para os países com rendimentos altos, “insignificativo” para os países com rendimentos médio baixos e “quase nulo” no caso das nações com rendimentos baixos.
No começo de outubro, a proporção de pessoas totalmente vacinadas no mundo alcançou os 34,5%, mas com diferenças importantes entre os países de elevados rendimentos (59,8%) e os países com baixos rendimentos (1,6%).
“Estes desequilíbrios poderiam resolver-se rápida e eficazmente se o nível de solidariedade mundial em torno das vacinas aumentasse. A OIT calcula que se os países com rendimentos baixos dispusessem de vacinas em pé de igualdade, a recuperação das horas de trabalho se equipararia à das economias mais ricas em pouco mais de um trimestre”, pode ler-se.
Além das vacinas, a OIT considera que houve outro fator chave nas trajetórias de recuperação: os pacotes de medidas de estímulo fiscal. “No entanto, a disparidade entre os estímulos fiscais continua sem resolver-se, já que por volta de 86% das medidas de estímulo globais se concentram nos países com rendimentos elevados”, alerta.
Em termos práticos, as estimativas indicam que, em média, um aumento do estímulo fiscal de 1% do PIB anual fez aumentar as horas de trabalho anuais em 0,3%, comparativamente ao último trimestre de 2019.
Desde 2015 que a brecha na produtividade não era tão elevada
Ao nível da produtividade laboral mundial — ainda que se tenha registado um aumento de mais do dobro do valor médio a largo prazo em 2020 — este ano, estima-se que os valores aumentem a um ritmo muito menor, consequência, uma vez mais, das disparidades entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.
En 2020, a produtividade por hora de cada trabalhador nos países com altos rendimentos foi, em média, 17,5 vezes superior à apurada num trabalhador de um dos países de baixos rendimentos. Este ano, a brecha é ainda mais significativa, tendo passado para 18:1, a proporção mais elevada desde 2005.
“É dramático que estas tendências sejam determinadas pela desigualdade da distribuição das vacinas e da capacidade fiscal. Há uma necessidade premente de abordar ambas”, refere Gudy Ryder.
“Na OIT já começámos a agir. Em junho, a Conferência Internacional do Trabalho lançou um apelo global à ação para uma recuperação da crise da Covid-19 centrada nas pessoas, um roteiro que compromete os países a garantir que a recuperação económica e social da crise é plenamente inclusiva, sustentável e resiliente”, continua. “É hora de aplicar esse roteiro.”
OIT vai convocar fórum político internacional
Num cenário de “vacinação equitativa”, a OIT prevê que, no quarto trimestre de 2021, os países com rendimentos baixos e médios baixos conseguiriam atenuar largamente a sua perda de horas de trabalho. No cenário atual, a agência das Nações Unidas diz que as “limitações de índole fiscal” e o “processo de vacinação ineficaz” continuarão a dificultar a recuperação, que se vê afetada também por outros riscos, nomeadamente “a situação de dívida e as restrições a longo da cadeia de abastecimento global”.
“A ação à escala internacional, incluindo o apoio nos planos financeiros e técnicos, é primordial para facilitar uma recuperação centrada no ser humano. Sobre isto, a recente atribuição sem precedentes do FMI de 650 mil milhões de dólares em Direitos Especiais de Saque (DES) oferece uma grande oportunidade. A fim de mobilizar e facilitar este tipo de esforços internacionais, a OIT encorajará o diálogo tripartido a nível nacional Estados-membros e convocará um grande fórum político internacional com instituições multilaterais e outros atores-chave”, lê-se no relatório num capítulo dedicado à visão do futuro.
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