Seguros marítimos sofrem com portos e terminais de contentores entupidos
Congestionamento de cadeias logísticas amplifica riscos tomados pelas seguradoras. Preços e pressão nas redes de abastecimento podem comprometer a recuperação económica, coincidem seguradoras e ONU.
O mercado de seguro marítimo, excluindo o segmento P&I, cresceu globalmente 6,1% em 2020, beneficiando do efeito combinado da ampliação na base de prémios, taxas de sinistralidade excecionalmente baixas (devido a menor atividade marítima) e sinais de reativação económica “pós-pandemia”. No fecho de 2021, o panorama tornou-se incerto.
O recente IUMI Stats Report 2021, publicado pela União Internacional de Seguros Marítimos (International Union of Marine Insurance), reúne dados da própria associação e outras fontes para indicar que o volume global de prémios de seguro marítimo alcançou 30 mil milhões de dólares em 2020, com evolução positiva em todas as linhas de seguro, excetuando coberturas Proteção e Indemnização (P&I).
A Europa, com 47,7% do seguro contratado continuou maior região de subscrição, seguida da Ásia Pacífico (29,3%), América Latina (9,3%) e América do Norte (7,7%), com restante 6% em “outros”. O setor de carga gerou 17,2 mil milhões ou 57,2% do total e o seguro de casco representou 23,8% (7,1 mil milhões de dólares), o setor energia offshore 12,1% e a responsabilidade marítima (excluindo P&I pelo International Group of P&I Clubs) gerou 6,8%. Em termos absolutos, o incremento global refletiu crescimentos das trocas globais de bens, valores e variação no efetivo da frota.
No entanto, refere a IUMI, o início de 2021 já sinalizava que a manutenção da tendência “é incerta.”
O cenário de incerteza quanto à sustentabilidade da tendência também surge numa lista de tópicos (regulação ambiental, descarbonização no shipping e cibersegurança, entre outros) que – segundo resultados de inquérito apresentado em outubro no Global Maritime Issues Monitor 2021 (publicado pela corretora Marsh em parceria com a IUMI) – terão maior impacto na indústria marítima na próxima década, especialistas de diversas seguradoras apontam agora fatores e riscos que concorrem para ventos incertos.
No mesmo sentido, quando se avalia o grau de preparação do setor transporte marítimo relativamente a questões ambientais e a digitalização, manifesta-se preocupação. À medida que a inteligência artificial vai integrando os sistemas de gestão das operações logísticas e os sistemas de condução autónomos se tornam mais omnipresentes em cada modo de transporte, “todo o ecossistema do movimento de mercadorias irá evoluir”, sinaliza Elisabeth Case, Silent Cyber Leader, US & Canada Cyber Practice, Marsh. “O setor marítimo será afetado de múltiplas formas, incluindo a interoperabilidade dos sistemas de reserva e expedição de carga e os conhecimentos de embarque” eletrónicos (bill of lading), desenvolve a especialista de cyber.
“Estes desenvolvimentos podem alterar a responsabilidade levando à necessidade de adquirir novos e ou alargar programas de seguros que se alinhem com nova regulamentação,” afirma Case citada no Maritime Issues Monitor 2021.
De resto, conforme adverte o IUMI Stats Report 2021, dado que a mudança climática está a aumentar a probabilidade de eventos catastróficos de origem natural. Esta ameaça, conjugada com a grande acumulação de carga em terminais portuários, recomenda que as seguradoras façam monitorização mais atenta dos seus “níveis de exposição”.
Por fim, atualizando uma base de dados pela primeira vez disponibilizada em 2020 e que continua em construção, a União Internacional de Seguros Marítimos indica que, com informação de 25 países, já tem cadastro de 9 mil sinistros totalizando 14 mil milhões de dólares em perdas. Estes números, que abrangem período desde 2013, englobam sinistros identificados com base em cinco indicadores estatísticos (data do sinistro; ano da apólice; perdas incorridas; tipo de dano e modo de transporte).
Entupimento de portos e terminais de carga preocupa seguradores
Num artigo retirado da edição de dezembro Best’s Review, publicação mensal da agência de notação A.M. Best, especialistas de (re)seguradoras globais adiantam explicações. Os estrangulamentos na cadeia global de abastecimento nos últimos 12 meses como efeito da pandemia colocou o seguro marítimo em “águas agitadas”, segundo Alex Berisha, gestor de seguros de carga marítima na Liberty Mutual (EUA).
“Uma questão que emergiu em resultado de problemas na cadeia de abastecimento é a exposição agregada de navios à espera de chegar aos portos de destino e a acumulação carga nos terminais,” reforçou Tom Nasso, head of Ocean Marine no grupo Ascot, acrescentando que os preços e a inflação social têm o seu impacto, como aconteceu no caso do furacão Ida, que deixou “grande número de embarcações a precisarem de ser reparadas,” a inflação já afetava o custo da mão-de-obra e dos materiais. Por outro lado, “a inflação social também está a influenciar o risco de responsabilidade marítima.”
Para Ralph Salce, vice-presidente para a área Ocean Marine na seguradora Tokio Marine America, o congestionamento de carga em vários portos dos Estados Unidos durante longos períodos é principal preocupação para a maioria das seguradoras marítimas neste momento. A acumulação de risco pode significar agravamento de despesa, uma vez que várias apólices em conjunto podem gerar números enormes em termos de perdas por sinistro.
Sean Dalton, vice-presidente executivo e responsável pela área de marinha na Munich Re (EUA), referiu que os valores segurados estão a aumentar como resultado da inflação, da procura e do aumento do preço dos fretes, em particular para carga contentorizada, atualmente em níveis recorde. “Catástrofes naturais, incêndios recorde de navios de carga, perdas de contentores ao mar, remoção de destroços e inflação social são perdas crescentes para seguradoras e resseguradoras marítimas.” Os prémios de resseguro marítimo estão a subir, e, numa perspetiva ajustada ao risco, as taxas acompanham esse movimento. “Os resseguradores marítimos fazem parte de empresas de (re)seguros de bens e acidentes de maior dimensão. Como tal, são afetadas pelos seus resultados, e espera-se que tenham um bom desempenho e que melhorem consistentemente o seu negócio,” detalhou Dalton no artigo da Best’s Review.
Perspetivas da Unctad: Riscos e incerteza nos preços (CiF e FoB)
À medida que a economia global se aproxima do seu “normal”, há sinais otimistas para o comércio marítimo, assume a organização mundial para o Comércio e o Desenvolvimento (Cnuced). Apontando perspetiva positiva para o curto prazo, “alguns dos impactos e legados da pandemia poderão prolongar-se,” admite a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Cnuced, Unctad na sigla em inglês) no seu recente Review of Maritime Transport – 2021.
A organização projeta um aumento de 4,3% do volume de carga marítima em 2021, excedendo os níveis de 2019, esperando que a carga contentorizada cresça 7,7%. Para os próximos cinco anos (2022-2026), o total do comércio marítimo deverá crescer 2,4% ao ano – em comparação com 2,9% na média das duas décadas anteriores.
Referindo previsões do Fundo Monetário Internacional de que o comércio marítimo irá moderar, em 2021, acompanhando o comportamento da economia global (pib), a Unctad recorda que “as perspetivas económicas globais melhoraram até finais de 2020, apoiadas pelo lançamento de vacinas em regiões avançadas, (…).” Apesar de otimismo moderado, a Unctad adverte que, embora as tendências emergentes sejam encorajadoras, “a incerteza persiste uma vez que a sustentabilidade da recuperação nascente, frágil e divergente depende do percurso da pandemia e uma implementação mais ampla de vacinas em todo o mundo.”
A intensificação da pressão sobre estrutura de custos, ineficiências, e vulnerabilidades na cadeia de abastecimento marítimo, impulsionada principalmente pela perturbação da COVID-19 e os seus efeitos de arrastamento na navegação e nos portos, pode continuar a perturbar as cadeias de abastecimento e prejudicar a recuperação económica, admite a Unctad.
A manter-se, o aumento atual das taxas de frete marítimo para contentores poderá impulsionar os preços globais de importação em 11% e os níveis de preços ao consumidor em 1,5% até 2023. Este aumento no preço dos fretes “terá um profundo impacto no comércio e prejudicará a recuperação socioeconómica, especialmente nos países em desenvolvimento, até que as operações de transporte marítimo regressem ao normal”, afirma Rebeca Grynspan, secretária-geral da Unctad, citada numa fonte externa ao documento.
Além de responder a fatores do mercado global, tais como uma forte procura de transporte marítimo, oferta limitada e escassez de contentores, “os custos de transporte marítimo em itinerários específicos são também determinados por fatores estruturais, incluindo infraestruturas portuárias, medidas de facilitação do comércio e conectividade dos transportes marítimos regulares,” lê-se no relatório acabado de divulgar pela Unctad.
Além das flutuações induzidas pela pandemia, esses fatores, como os preços Cif (cost+insurance and freight) e Fob (free-on-bord) , os mais comuns no comercio internacional, “podem ter um maior impacto nos custos de transporte e comércio competitividade a longo prazo,” explica a organização que, para avaliar as flutuações de preços do transporte marítimo, tem em desenvolvimento uma plataforma (Global Transport Costs Dataset for International Trade-GTCDIT) já acessível online mas que, atualmente, ainda só permite a consulta de dados (preços e itinerários internacionais de comércio e bens) relativos a 2016.
Pandemia obrigou a rever Convenção do Trabalho Marítimo
Com a pandemia e os efeitos da crise sanitária sobre as tripulações do transporte marítimo (e aéreo), um conjunto de organizações internacionais (OMS, OIT, OMI e ICAO) emitiu, em março de 2021, uma declaração conjunta assegurando condições de vacinação prioritária (de marinheiros e tripulantes de aeronaves). Por essa altura, depois de 400 mil marinheiros serem apanhados no mar pela crise sanitária emergente, 200 mil dos quais confinados a bordo de navios para além da expiração dos seus contratos, a IMS (sigla anglo-saxónica por que é designada a Câmara Internacional da Marinha Mercante), emitiu um conjunto de recomendações de boas práticas (também dirigidas aos P&I Clubs) e que passaram a constituir regras para a proteção e um seguro para os homens do mar, com responsabilidade atribuída aos empregadores (armadores e operadores) ao nível de indemnizações por hospitalização, morte decorrentes de ameaças como a pandemia.
Para solucionar a situação de “trabalhos forçados” em que se encontravam centenas de milhares de marinheiros confinados em navios, as agências das Nações Unidas promoveram, através da OIT (ILO) emendas à Convenção de Trabalho Marítimo (MLC – Maritime Labour Convention 2006, as amended) revendo direitos do pessoal embarcadiço e fornecendo também aos operadores dos navios, transitários e proprietários de carga os instrumentos necessários para procedimentos de due diligence aplicáveis a toda a cadeia de abastecimento, explica a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Cnuced ou Unctad).
Essas orientações, produzidas pelas agências da ONU no âmbito da MLC, têm como objetivo identificar, prevenir, mitigar e abordar impactos adversos dos direitos humanos para os marítimos afetados pela crise de COVID-19.
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