Tribunal de Contas critica mudanças na contratação pública
Tribunal de Contas considera que existem riscos de "eventuais favorecimentos de adjudicatários e potenciais conflitos de interesses e empolamento dos preços", entre outros.
O Tribunal de Contas alerta que as alterações introduzidas na lei da contratação pública, que permitiram um “aligeiramento dos procedimentos”, traduzem-se numa maior utilização de procedimentos não concorrenciais de ajuste direto e consulta prévia simplificados que aumentam os riscos de corrupção e fraude, que apenas podem ser combatidos com um aumento da transparência.
Em junho entrou em vigor um diploma que estabeleceu medidas especiais de contratação pública para projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus, de habitação e descentralização, de tecnologias de informação e conhecimento, de saúde e apoio social, de execução do Programa de Estabilização Económica e Social (PEES) e do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), de gestão de combustíveis no âmbito do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais (SGIFR) e de bens agroalimentares.
No relatório de acompanhamento da contratação pública abrangida por esta nova Lei, publicado esta terça-feira, o Tribunal de Contas considera que “a principal consequência da aplicação das medidas especiais de contratação pública é o alargamento da utilização de procedimentos não concorrenciais de ajuste direto e consulta prévia simplificados“. Aliás, nos cinco meses em que a nova lei vigora, 95,8% dos contratos com valor inferior a 750 mil euros comunicados ao Tribunal de Contas foram feitos por ajuste direto simplificado e consulta prévia simplificada.
Além disso, “por via da aplicação das medidas especiais, 20,8% dos contratos, representando 72,8% do montante, deixaram de ser submetidos a um procedimento aberto à concorrência”. A instituição liderada por José Tavares, revela ainda que dos 96 contratos que lhe foram submetidos, 17 dos procedimentos, apesar de terem sido convidadas pelo menos cinco entidades a apresentar proposta, só uma ou duas o fizeram. Em 33 dos 96 contratos, os intervenientes (adjudicante e adjudicatário) estão situados na mesma localidade, precisa ainda o relatório.
Indicadores que revelam “os riscos” associados à falta de concorrência. “Em sede de medidas especiais de contratação pública, os procedimentos estão fortemente influenciados por um maior grau de discricionariedade atribuído às entidades adjudicantes, acarretando riscos acrescidos de arbitrariedade, favorecimento e fraude”, pode ler-se no relatório.
Em sede de medidas especiais de contratação pública, os procedimentos estão fortemente influenciados por um maior grau de discricionariedade atribuído às entidades adjudicantes, acarretando riscos acrescidos de arbitrariedade, favorecimento e fraude.
E se todos os procedimentos de contratação pública podem ser afetados por faltas de integridade e conflitos de interesses, que redundam em fraude, corrupção e favorecimentos, como reconhece o Tribunal de Contas, esse “risco aumenta quando os processos de formação dos contratos não são concorrenciais“. “Mesmo em circunstâncias normais de exposição à concorrência, a corrupção nos processos de aquisição pública pode envolver custos adicionais de 10 a 25%, estimando-se, por outro lado, que cerca de metade das situações de corrupção ocorra nos
contratos públicos”, diz o documento.
Na análise que o Tribunal de Contas fez aos 96 contratos que lhe foram submetidos nos últimos cinco meses, apenas 0,43% do total de contratos publicados no Portal Base, destacou riscos associados à “grave deficiência de fundamentação”, porque, “em regra, não foi suficientemente explicitada a necessidade que se visava satisfazer com a contratação” e não era dada qualquer justificação para “a escolha das entidades a convidar” ou para a “fundamentação e justeza do preço”. Mas também pelo facto de não ter sido dada “comprovação suficiente do financiamento das despesas inerentes aos contratos”, seja em financiamento europeu ou nacional.
A instituição liderada por José Tavares chama ainda a atenção para a “deficiente execução dos contratos”, a qual “não foi garantida por caução nem mesmo em contratos de maior duração”. O Tribunal revela que 93 dos 96 contratos foram outorgados sem prestação de caução, ou seja, 79,9% do valor total contratado não apresenta garantias que respondam pelo eventual incumprimento total ou parcial. Além disso, critica o facto de não serem conhecidas as razões pelas quais a maior parte das empresas convidadas a apresentar propostas não respondem aos convites.
Outro dos riscos apontados reside no “eventual fracionamento de contratos, em especial no domínio dos ajustes diretos simplificados”. “Tendo em conta que o recurso aos procedimentos nos termos previstos nas medidas especiais de contratação pública se deve fazer em respeito pelos limiares da despesa envolvida nos contratos, um dos riscos envolvidos na sua aplicação é o de a despesa ser subestimada ou mesmo fracionada, a fim de serem aplicados procedimentos menos formalizados“, lê-se no relatório que recorda que esta “situação representaria uma violação dos pressupostos da aplicação das medidas especiais”.
Também existem ainda riscos de “eventuais favorecimentos de adjudicatários e potenciais conflitos de interesses e empolamento dos preços”. Estes riscos são acrescidos quando não se apliquem processos concorrenciais (em que, designadamente, os vários concorrentes exercem um controlo sobre os processos e decisões) e uma das formas de os controlar é obrigar as entidades adjudicantes a justificar de forma robusta as razões para as suas escolhas”, diz o relatório.
Finalmente, há ainda o risco de se perder financiamenteo europeu por falta de avaliações de custo benefício exigidas pelos regulamentos europeus. Uma das alterações introduzidas foi precisamente a dispensa de justificar a decisão de contratar grandes contratos com uma análise custo-benefício prévia. Isto permite uma aplicação mais rápida dos fundos disponibilizados, mas “desvaloriza a demonstração e avaliação da qualidade dessa aplicação e diminui as salvaguardas para os interesses económicos e financeiros públicos, quer nacionais quer europeus”, diz o Tribunal de Contas. Mas alguns regulamentos europeus exigem ou podem vir a exigir uma avaliação de custo-benefício ou equivalente, apesar da dispensa prevista no Código dos Contratos Públicos, mesmo abaixo dos valores referidos no Código, “o que, a não ser salvaguardado, poderá dar origem a riscos de perda posterior de financiamento”, alerta a instituição.
Todos estes riscos podem ser mitigados com um aumento da transparência dos processos de contratação. “Estes procedimentos de transparência devem observar-se com rigor, em regime de dados abertos, para que se possam realizar fiscalizações e para que se possa exercer o devido controlo social”. Para já o Tribunal de Contas considera que estes riscos vão ser aprofundados em auditorias e serão feitas “verificações substantivas”.
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