Ministério Público pede dez anos de prisão para Salgado. Decisão final marcada para dia 7 de março

Leitura da decisão marcada para dia 7 de março. Defesa do ex-líder do BES considera "inaceitável" o MP ignorar a doença de Alzheimer de que sofre o arguido.

O Ministério Público pediu dez anos de prisão efetiva para Ricardo Salgado, que esteve esta terça-feira, no Campus de Justiça, no dia das alegações finais do Ministério Público (MP) e dos advogados de defesa, a ser julgado por três crimes de abuso de confiança. Mas o arguido não entrou pelo edifício A do Campus de Justiça, onde decorre o julgamento, e preferiu fugir aos jornalistas e entrar pela garagem. A decisão final — de condenação ou de absolvição — será conhecida a 7 de março.

“Não estou em condições de prestar declarações”, disse Ricardo Salgado, já na sala de audiências. Questionado pelo juiz presidente, Francisco Henriques, pelas razões da ausência de declarações, o arguido disse “foi-me atribuída a doença de Alzheimer”, disse o ex-líder do BES. Antes destas declarações, Ricardo Salgado disse o seu nome completo, o dos seus pais, a sua data de nascimento e naturalidade.

O procurador Vítor Pinto deu início às alegações finais mas Salgado interrompeu-o de imediato. “Não consigo ouvir senhor meritíssimo”, referindo-se ao magistrado do Ministério Público, e não ao juiz (que é quem é apelidado na estrutura judicial de ‘meritíssimo’). “Pode falar um pouco mais alto? A minha audição está péssima”, disse o ex-homem forte da banca e levantou-se e acabou a mudar de cadeira, mais próximo do coletivo de juízes e do Ministério Público. “Não são perguntas para si, são alegações finais”, esclareceu o advogado de defesa, Francisco Proença de Carvalho, ao seu cliente, que aos 77 anos está visivelmente limitado na sua deslocação pela sala de audiência.

O MP pediu que Salgado fosse condenado a pena única de 10 anos de prisão pelos três crimes de abuso de confiança por considerar que existe prova documental suficiente para o provar e que a tese da defesa não convenceu.

“Em face da prova documental e da prova testemunhal, não temos dúvidas de que se forem aplicadas as regras do processo penal democrático, o julgamento só pode terminar com a absolvição do doutor Ricardo Salgado”, afirmou o advogado Francisco Proença de Carvalho. “O Dr. Ricardo Salgado tem tanto direito ao respeito e à dignidade humana como qualquer outro arguido”.

No fim da audição, o juiz voltou a perguntar a Ricardo Salgado se queria testemunhar. “Eu gostaria de poder dizer algo mas estou muito diminuído nas minhas qualidades e a minha memória foi-se embora. Peço desculpa por isto mas não tenho condições”, afirmou o ex-banqueiro, que agradeceu a atenção do juiz. Na conclusão, o juiz garantiu que o silêncio do arguido não o prejudica e reitera que “o tratamento que tribunal lhe deu é o mesmo que deu a qualquer outro cidadão. Não é um tratamento diferente”.

A defesa de Ricardo Salgado referiu que a prova da acusação são os “três núcleos de transferências” que estão em causa e “uma presunção criminal que teve apenas um ligeiro apoio em dois testemunhos”. Francisco Proença de Carvalho alegou também que Paulo Silva, inspetor tributário, não tem “qualquer conhecimento direto dos factos” e que é o “corresponsável pela grande teoria fracassada da Operação Marquês”.

“Dificilmente encontraremos alguém que tenha estado sobre esta pressão mediática durante dez anos. Mais tarde ou mais cedo, a saúde teria que ficar alterada”, disse o Proença de Carvalho. “Além do pacemaker, intervenções cirúrgicas ao coração e agora o diagnóstico de Alzheimer, posso acrescentar que, desde Julho de 2021, o estado do meu cliente tem vindo a demonstrar um agravamento”. E sublinha a falta de memória. “Nada custa mais a esta defesa ver a forma desumana como as pessoas se referem à situação de saúde do Dr. Ricardo Salgado e que outras ignoram. Nota-se uma falta de humanismo perante uma pessoa de quase 80 anos que sofre esta doença”. A postura do MP quanto a esta matéria é “chocante. Lamentável que se ignore esta situação do estado de Ricardo Salgado quando se pede uma pena de dez anos de prisão efetiva! E não é esta a Justiça que quero para nós!”. Pedindo a absolvição, a defesa admite que, a haver pena de prisão, terá de ser suspensa.

Ricardo Salgado está a ser julgado por três crimes de abuso de confiança. Este tipo de crime é imputado a quem “ilegitimamente se apropriar de coisa móvel ou animal que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade”, sendo punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. Caso o objeto deste crime seja de valor “consideravelmente elevado” e se “o agente tiver recebido a coisa ou o animal em depósito imposto por lei em razão de emprego ou profissão”, a pena poderá ser de um a oito anos.

O MP considerou ainda que Salgado teve “persistência criminosa” e revelou “egoísmo”, em vez de “procurar reparar o mal dos crimes cometidos” e acrescentou que “a ausência de arrependimento também terá de pesar”. Tendo em conta estas circunstâncias, “entendemos que a pena a aplicar por cada um dos crimes referidos não deve ser inferior a seis anos de prisão. Ou seja: seis anos vezes três crimes, num total de 18 anos. Mas, atendendo ao cúmulo jurídico, a pena única aplicada não deve ser mais baixa que dez anos de prisão”, disse o magistrado do Ministério Público.

“A Ricardo Salgado resta-lhe ter esperança que o Estado de direito funcione e que a Justiça funcione. Isto já não tem a ver com a Operação Marquês. O que o MP defendia foi quase tudo arrasado na fase da instrução”, disse ainda Francisco Proença de Carvalho. “Este julgamento em separado da Operação Marquês cria insegurança jurídica. O que está em causa não são os motivos da trágica dissolução do BES, nem o papel de Ricardo Salgado na economia, nem tão pouco se está a julgar a Operação Marquês. Com face na prova documental e testemunhal, foram aplicadas regras cujo único desfecho deve ser a absolvição”, disse o advogado.

“Ao pedir a prisão efetiva de uma pessoa com a patologia comprovada do doutor Ricardo Salgado, [o MP] pede algo que vai contra a decência e o humanismo”, disse, acrescentando: “O MP fingiu que não sabe da condição do doutor Ricardo Salgado, desconsiderando tudo o que está na jurisprudência e no humanismo do Estado de Direito português”.

Ricardo Salgado está a ser julgado por crimes relacionados com a Espírito Santo Enterprises, o já conhecido “saco azul” do GES, envolvendo um valor superior a dez milhões de euros. O julgamento está a decorrer de forma autónoma face aos restantes arguidos da Operação Marquês, já que Ivo Rosa, na altura da decisão instrutória, anunciou que iria proceder à separação de processos de Salgado, Vara, Carlos Santos Silva, João Perna e José Sócrates.

Considerando que a pronúncia do MP neste processo era “manifestamente coxa” e que decorria da separação do processo Operação Marquês, que descreveu como um “autêntico fiasco”, Francisco Proença de Carvalho interrogou ainda o coletivo de juízes se será capaz de resistir à pressão mediática em torno do antigo presidente do Banco Espírito Santo (BES).

“A grande dúvida que se acentua com as alegações do MP é a total desconsideração da situação comprovada e que ninguém tem coragem de colocar em causa: Consegue a magistratura resistir à pressão pública? Quer o sistema de justiça dar um exemplo ao país de que é imune a todas as pressões e julgar pelos factos?”, questionou, sem deixar de referir que “não se estão a julgar os motivos que levaram à resolução do BES, nem tão pouco se está a julgar o objeto central da Operação Marquês”.

Aproveitando os cinco minutos que o juiz concedeu, o procurador do Ministério Público questionou ainda, no final, os argumentos da defesa do ex-banqueiro em relação ao diagnóstico de Alzheimer. “Onde é que foi revelada afetação das capacidades cognitivas que justifique uma suspensão de pena em caso de condenação quando o arguido está capaz de perceber os discursos e diálogos? Sem dramatismos e teatralizações, não faz sentido imputar ao MP o que não é verdadeiro”, atirou o procurador.

Juiz recusou suspender julgamento devido a Alzheimer

Em outubro, o juiz Francisco Henriques não aceitou o pedido da defesa de Salgado para suspender o julgamento, atendendo ao relatório médico que concluía por um diagnóstico de Alzheimer que os advogados apresentaram no dia 12 de outubro ao tribunal. E admitiram que esta doença não é razão suficiente para que “as capacidades de defesa do arguido estejam limitadas de tal forma que o impeçam de se defender de forma plena. Não parece decorrer do teor do atestado médico que o arguido esteja mental ou fisicamente ausente”, explica o despacho do juiz Francisco Henriques, a que o ECO teve acesso.

“A deficiência cognitiva, ou seja, a capacidade de reproduzir memórias, não é de todo impeditiva do exercício do direito de apresentar pessoalmente em julgamento a versão dos factos passados”, argumenta o juiz.

O relatório médico enviado ao tribunal confirmava os “sintomas de declínio cognitivo progressivo”, segundo o médico neurologista Joaquim Ferreira, que assume ainda que “após toda a investigação realizada, podemos agora concluir pelo diagnóstico de doença de Alzheimer”, segundo o relatório do médico.

Mas os argumentos não convenceram o juiz Francisco Henriques que defendeu que “a degradação das faculdades cognitivas são consequência natural da longevidade humana. Em regra, o ser humano na faixa etária do arguido sofre de natural decréscimo das capacidades cognitivas”.

Assine o ECO Premium

No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.

De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.

Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.

Comentários ({{ total }})

Ministério Público pede dez anos de prisão para Salgado. Decisão final marcada para dia 7 de março

Respostas a {{ screenParentAuthor }} ({{ totalReplies }})

{{ noCommentsLabel }}

Ainda ninguém comentou este artigo.

Promova a discussão dando a sua opinião