Carlos Alexandre diz que relação “tensa” entre Salgado e Pinho não é credível

Despacho de Carlos Alexandre - com 372 páginas - diz que alegada atividade criminosa de Pinho era "altamente rentável", feita com "discrição e elegância e com melhorias óbvias no nível de vida".

A prisão preventiva foi considerada “excessiva” pelo juiz de instrução Carlos Alexandre, mas logo que o arguido Manuel Pinho pague a caução de seis milhões de euros, a prisão domiciliária cessa e Pinho ficará na mesma sem passaporte e proibido de se ausentar de Portugal. Porque o juiz de instrução acredita — concordando com o Ministério Público — que existe o perigo de fuga do casal. E que existe também o perigo de subtração à Justiça. Carlos Alexandre diz ainda que a necessidade de prevenir esse perigo não se coaduna com meras apresentações periódicas ou proibições de sair do território nacional.

Estas foram alguns dos argumentos apresentados pelo magistrado que esta quarta-feira interrogou Manuel Pinho, ex-ministro da Economia e Alexandra Pinho, sua mulher, no âmbito do caso EDP. E que culminou com a medida de de coação de prisão domiciliária para Pinho e uma caução de seis milhões de euros, a mais alta de sempre aplicada na justiça portuguesa.

No despacho relativo a estas mesmas medidas de coação — a que o ECO/Advocatus teve acesso — Carlos Alexandre frisa que Manuel Pinho, no interrogatório que prestou no Ticão, se remeteu ao silêncio e que apenas se referiu a circunstâncias pessoais e económicas — não concretizando que condições seriam essas — remetendo o juiz para as declarações de anteriores interrogatórios e refugiando-se no silêncio sobre os fundamentos dos ganhos patrimoniais de que é acusado. E considera que — depois de analisada a prova — essa mesma prova é “impressiva!” e que se indicia “um intrincado jogo de conjunções de interesses que a nosso ver tem relevância criminal”.

Já Alexandra Pinho, o juiz sustentou que sempre que a arguida foi confrontada com documentos que “punham em causa a sua narrativa, referiu que não eram do seu conhecimento”. O juiz de instrução terá questionado a mulher de Manuel Pinho sobre a origem desses dinheiros, como foram alcançados e que tipo de cumplicidade existia entre Ricardo Salgado e Manuel Pinho. Alexandra Pinho terá exposto o seu currículo profissional e histórico de vida pessoal, para explicar a sua nomeação para alguns cargos associados ao grupo detido por Ricardo Salgado e explicou que, de facto, tinha e tem uma vida em comum com o arguido mas com “relativo desconhecimento” do que o marido fazia quer enquanto ministro, quer depois de ser ministro, bem como alegou o desconhecimento dos ganhos financeiros de Pinho ou como ocorreu o convite feito para a Universidade de Columbia.

O juiz não se mostrou convencido ao dizer que não era “credível” que Alexandra Pinho, durante a função de diretora coordenadora de um banco, com ordenado imediatamente antecedente ao de um administrador, nunca se questionou de onde vinha ou a razão de tanto dinheiro. Disse ainda que se mostrou surpreendido quando a arguida disse que entre Pinho e Salgado existia uma relação tensa. “Não compreendemos como é que uma relação é tensa e reverencial ‘engolindo sapos’ quando tudo o que nos depara é um entrelaçar de contactos e posições em negócios públicos”, diz o despacho. No final, o magistrado considerou a versão do casal de “incongruente”.

É por “demais evidente a gravidade e danosidade social dos crimes imputados e aqui indiciados”, escreve Carlos Alexandre que considera que os factos indiciados pelo MP contra o casal Pinho é “uma atividade altamente rentável”, feita com “discrição e elegância e com melhorias óbvias no nível de vida e de assinalável prejuízo para os contribuintes, para o equilíbrio das famílias e para a segurança da vida em sociedade”.

Carlos Alexandre sentiu ainda necessidade de explicar que Manuel Pinho não foi detido após o interrogatório no DCIAP. Explicou que essa diligência não foi sequer feita e sim que o ex-governante já tinha um mandado de detenção em seu nome, para evitar que este e a mulher não comparecessem perante as autoridades judiciárias. Mas que a única diligência marcada e realizada foi perante o juiz de instrução, que aconteceu após essa mesma detenção.

“É ou não verdade – a jurídica – e não a parlamentar ou jornalística, que todos os factos apresentados se resumem a um artifício fraudulento e artifícios jurídicos com o objetivo de conseguir proveitos patrimoniais em detrimento dos contribuintes. Em sã consciência, há ou não prova indiciária de tudo isto? Entendemos que sim”, sublinha o magistrado judicial.

Ao pedir a prisão preventiva de Manuel Pinho, o MP lembrou que Manuel Pinho recebe 15 mil euros de reforma e alegou “um sério risco” de os arguidos continuarem a dissipar o património “ilicitamente conseguido” e que “se encontra oculto, e em parte incerta, fora de Portugal”.

O Ministério Público estimou ainda que a prática dos factos imputados ao ex-governante terá causado ao Estado “um prejuízo de 1,2 mil milhões de euros” e que o produto que resultou dos crimes imputados aos arguidos supera em muito os cinco milhões de euros. Daí ter pedido uma caução de dez milhões de euros, caso não fosse aplicada a prisão preventiva, e foram esses mesmos argumentos da acusação que terão levado Carlos Alexandre a decidir o valor de seis milhões de euros de fiança.

Para justificar o pedido inicial de prisão preventiva para Manuel Pinho, o MP defendeu que os arguidos “manifestam uma grande mobilidade, dizendo viver em Espanha, deslocando-se habitualmente ou podendo deslocar-se com facilidade, assim que terminarem as restrições pandémicas, aos EUA (em particular Nova lorque, cidade onde ainda mantêm um apartamento adquirido, através da offshore Blackwade, por um milhão de euros com dinheiro proveniente da Tartaruga Foundation e do GES), China (…), Austrália, Brasil e Reino Unido”.

O que é o caso EDP?

Nos autos – em que Manuel Pinho está indiciado pelos crimes de corrupção passiva para ato ilícito, branqueamento, participação económica em negócio e fraude fiscal, e Alexandra Pinho por branqueamento e fraude fiscal.

Manuel Pinho foi constituído arguido no âmbito do caso EDP no verão de 2017, por suspeitas de corrupção e branqueamento de capitais, num processo relacionado com dinheiros provenientes do Grupo Espírito Santo. No processo EDP/CMEC, o Ministério Público imputa aos antigos administradores António Mexia e Manso Neto, em coautoria, quatro crimes de corrupção ativa e um crime de participação económica em negócio.

O caso está relacionado com os Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) no qual Mexia e Manso Neto são suspeitos de corrupção e participação económica em negócio para a manutenção do contrato das rendas excessivas, no qual, segundo o Ministério Público, terão corrompido o ex-ministro da Economia Manuel Pinho e o ex-secretário de Estado da Energia Artur Trindade.

O processo tem ainda como arguidos o administrador da REN e antigo consultor de Manuel Pinho João Conceição, Artur Trindade, ex-secretário de Estado da Energia de um Governo PSD, Pedro Furtado, responsável de regulação na empresa gestora das redes energéticas, e o antigo presidente do BES, Ricardo Salgado.

O que diz o DCIAP sobre Pinho e Salgado?

As suspeitas de corrupção que envolvem a relação de Pinho e Salgado são relativas aos cerca de 15 mil euros que Pinho terá recebido através da sociedade offshore Tartatuga Foundation, com origem no BES. O emprego e o salário que Alexandra Pinho recebia no BES, enquanto curadora da coleção BES Art, também estão na mira do DCIAP.

Tudo isto e não só seriam contrapartidas por alegados benefícios concedidos pelo então ministro da Economia à EDP e ao GES. No total, o casal Pinho recebia mais de 20 mil euros mensais do grupo liderado por Ricardo Salgado.

Diz o DCIAP, segundo o despacho de indiciação a que o ECO teve acesso, que Pinho prometeu a Salgado, desde logo e a fim de beneficiar indevidamente os interesses do GES/BES e os seus próprios, e a estar sempre disponível para tal. Daí o pagamento do montante mensal de 15 mil euros que lhe vinha sendo transferido até então pelo GES. E com a permanência da sua mulher, como curadora do BES PHOTO/BESART, a continuação do recebimento de um salário de cerca de cerca de sete mil euros.

Diz o DCIAP que em causa estará também o pagamento de 500 mil euros, a curto prazo, o que ocorreu a 11 de maio de 2005, quando Pinho já exercia funções governativas há cerca de dois meses, o regresso posterior ao GES/BES, o que também se concretizou, e a passagem à reforma aos 55 anos com uma pensão equivalente a 100% do salário pensionável (cerca de 62 mil euros mensais).

 

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