Cientistas europeus alcançam recorde de 11 MW de energia de fusão nuclear
Diz a EUROfusion diz que o recorde registado no mais recente teste "é a demonstração mais clara do potencial da fusão nuclear para fornecer energia de baixas emissões de carbono, segura e sustentável"
Investigadores europeus, incluindo uma equipa de portugueses do Instituto Superior Técnico, conseguiram atingir de forma sustentada um recorde de energia de fusão num teste que visa preparar a operacionalização do maior reator de fusão nuclear experimental do mundo, que está em construção em França.
A notícia está a ter destaque internacional, depois do anúncio feito pelo EUROfusion, o consórcio europeu cofinanciado pela Comissão Europeia e criado para o desenvolvimento da energia de fusão, do qual faz parte o IST, através do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN), mas também mais 30 organizações e 4.800 especialistas, engenheiros, estudantes de toda a Europa.
O teste teve lugar em Oxford, no dispositivo de fusão Joint European Torus (JET), o maior do género até à data, a funcionar no Reino Unido. De acordo com o comunicado, os cientistas e engenheiros obtiveram um “valor recorde de 59 megajoules de energia de fusão sustentada”.
Na experiência “relâmpago”, que durou cinco segundos, o JET alcançou uma potência média de fusão (energia por segundo) de cerca de 11 MW (megawatts).
Aquele que será no futuro o maior reator de fusão nuclear experimental do mundo, o International Thermonuclear Experimental Reactor (ITER), está ainda em construção no sul de França, e estará preparado para produzir 500 megawatts por períodos de 400 a 600 segundos, devendo começar a funcionar, numa primeira etapa, entre 2026 e 2027.
O ITER será então um projeto muito mais avançado do que o JET (que tem desativação prevista para 2025) e visa demonstrar a viabilidade científica e tecnológica da energia de fusão. No entanto, esclareceu Bruno Soares Gonçalves, o reator ITER ainda “não transformará essa energia em eletricidade”.
A questão que se põe é: Porquê? O investigador do Técnico explicou em declarações ao ECO/Capital Verde: “O ITER irá produzir 10 vezes mais energia do que a energia gasta para iniciar a reação. No entanto ainda não produzirá eletricidade, uma vez que apenas dispõe de dois módulos experimentais para testar a conversão de energia e a produção de um dos combustíveis necessários. No entanto, o ITER é essencial para testar a viabilidade científica e tecnológica da fusão nuclear e os seus resultados serão essenciais para o desenvolvimento do futuros reatores de produção de energia elétrica, alguns dos quais já em fase de desenho conceptual como é o caso do DEMO que está a ser desenvolvido pela EUROfusion”
Reunindo parceiros de peso como a União Europeia, a China, o Japão, a Índia, a Coreia do Sul, a Rússia e os Estados Unidos (e também a participação de empresas portuguesas), o ITER será assim a “antecâmara” da futura central energética europeia de demonstração de fusão DEMO, em estudo e com a qual se pretende testar a produção de eletricidade de uma forma “limpa e segura”.
O comunicado do EUROfusion refere que o valor recorde registado no mais recente teste “é a demonstração mais clara do potencial da fusão nuclear para fornecer energia de baixas emissões de carbono, segura e sustentável”, assinalando que “os resultados estão completamente alinhados com as previsões”.
A fusão “permite gerar quase quatro milhões de vezes mais energia do que a que é consumida em carvão, petróleo ou gás”, com “combustível abundante e sustentável” e com “baixas emissões” poluentes.
Para o coordenador do programa do consórcio EUROfusion, Tony Donné, citado em comunicado, está-se “no caminho certo para um futuro movido a energia de fusão”.
“Se conseguimos manter a fusão por cinco segundos, podemos vir a fazê-lo por cinco minutos e depois por cinco horas, à medida que ampliamos a escala da nossa operação em máquinas futuras”, afirmou.
Numa experiência anterior, em 1997, a energia de fusão nuclear alcançada tinha sido de 21,7 megajoules, menos de metade da atingida em finais de 2021. A “potência de pico” de 16 megawatts atingida brevemente em 1997 “não foi ultrapassada nas experiências mais recentes, pois o foco tem sido obter energia de fusão de um modo sustentado”, ressalva a mesma nota.
Além de ter estado neste teste, a equipa portuguesa do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear, do Técnico, participa na construção do ITER no desenvolvimento de sistemas de deteção que permitem “determinar alguns parâmetros do plasma no interior do dispositivo”, como densidade e temperatura, e no desenvolvimento de sistemas de controlo do dispositivo e aquisição dos dados que serão posteriormente analisados pelos investigadores para melhorarem a compreensão deste tipo de reator”, disse à Lusa o presidente do instituto, Bruno Soares Gonçalves.
A experiência cujo resultado foi agora anunciado aconteceu em finais do ano passado e faz parte de uma campanha de ensaios promovida pelo consórcio europeu EUROfusion e que, segundo Bruno Soares Gonçalves, “ajuda a preparar o ITER” com dados “bastante consistentes”.
O EUROfusion explica que a fusão nuclear, “o processo que alimenta estrelas como o Sol, representa uma fonte de eletricidade limpa, quase ilimitada e de longo prazo, usando pequenas quantidades de combustível que podem ser obtidas por todo o globo a partir de materiais baratos”.
O processo de fusão (o oposto da fissão de átomos pesados em que assenta a energia nuclear atual) “consiste em juntar átomos de elementos leves, como o hidrogénio, a altas temperaturas, formando hélio e libertando uma enorme quantidade de energia na forma de calor”, acrescenta a nota, ressalvando que “a fusão é inerentemente segura, uma vez que não pode dar origem a um processo de produção descontrolado”.
O dispositivo JET de Oxford, que “pode atingir condições semelhantes” às do reator experimental ITER e às das futuras centrais de fusão, é à data o único do género a trabalhar no mundo “onde se consegue usar a mesma mistura de combustível deutério-trítio” planeada para máquinas mais sofisticadas e potentes.
No JET são gerados plasmas (estados da matéria obtidos mediante a ionização quase completa de um gás a temperaturas muitíssimo elevadas) capazes de atingir temperaturas de 150 milhões de graus Celsius, “dez vezes mais quentes que o centro do Sol”.
Nos plasmas ocorrem então as reações de fusão. Numa central comercial de fusão nuclear, a energia produzida pelas reações de fusão é usada para gerar eletricidade.
(Notícia atualizada às 14h45 com declarações dos investigadores portugueses que participam no projeto)
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