Arranca fase de instrução do caso BES, sete anos e meio depois do início da investigação
A fase que irá decidir se Ricardo Salgado vai ou não a julgamento começa esta segunda-feira, a cargo do juiz Ivo Rosa. No total, são 767 volumes de processo.
Uma acusação com quase quatro mil páginas, que aponta o dedo a 18 pessoas singulares e sete empresas, num processo que conta com 123 assistentes, 242 inquéritos apensados ao processo principal, queixas de mais de 300 pessoas, num total de 767 volumes, entre autos principais, arrestos, incidentes de oposição, apensos bancários e 171 volumes de autos principais com cerca de 687.398 folhas. Mais todos os apensos bancários, de buscas e diversos (mais de duas centenas) e equipamentos informáticos apreendidos. No total, o processo do Universo Espírito Santo conta com uma acusação com 3.552 folhas, assinadas por sete procuradores em que só os arguidos têm 27 advogados, fora o dos assistentes.
Basta esta descrição para se perceber que estamos perante o maior processo da Justiça portuguesa, até à data. Iniciado no dia 12 de agosto de 2014, o inquérito do processo principal “Universo Espírito Santo” teve origem numa notícia de 3 de agosto desse ano sobre a medida de resolução do BES e analisou um conjunto de alegadas perdas sofridas por clientes das unidades bancárias Espírito Santo. Esta segunda-feira começa a fase de instrução do caso BES, em que a figura central é Ricardo Salgado — ex-presidente do Grupo Espírito Santo (GES) — acusado de 65 crimes: um crime de associação criminosa, 30 crimes de burla qualificada, 12 de corrupção ativa (todos em coautoria), nove de falsificação de documento, dois de manipulação de mercado, quatro de infidelidade e sete de branqueamento de capitais.
Esta fase de instrução, a cargo de Ivo Rosa, que está em exclusividade (juntamente com o processo Octopharma e da Operação Marquês), é uma fase processual que é facultativa — pedida neste caso pela defesa de Salgado — e resulta na decisão de levar ou não os arguidos a julgamento. Uma fase que começa ano e meio depois da acusação e sete anos depois da derrocada do BES que, segundo a acusação, terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.
“Não se pode esperar que um processo com esta dimensão e complexidade (sem qualquer dúvida o maior e mais complexo alguma vez colocado perante os tribunais portugueses), que durou seis anos em inquérito, com uma acusação deduzida por sete procuradores, em que à defesa foi conferido o prazo de 14 meses para requerer a abertura da instrução, que a instrução decorra com celeridade ou que seja realizada dentro do prazo legal”, escreveu o juiz Ivo Rosa, no despacho relativo à abertura da instrução do processo.
E o que diz a acusação?
O despacho de acusação do Ministério Público (MP) considerou que tendo “o governo do GES sido assumido de forma autocrática pelo arguido Ricardo Salgado” e que o banqueiro “associou a marca Espírito Santo ao seu ativo mais relevante, o BES, confundindo-a com este ao longo de anos no modo como publicamente apresentou esta realidade, para cuja imagem o próprio contribuiu determinantemente”. Perante isso, Ricardo Salgado “logrou apropriar-se de património de terceiros no âmbito do negócio financeiro do Grupo, onde fez circular dívida das entidades não financeiras, independentemente da legitimidade para o exercício dessa atividade, ou das condições patrimoniais destas empresas”, acusam os procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
Na acusação do Ministério Público, é imputado ao arguido Ricardo Salgado — o ex-líder do BES acusado de mais de 60 crimes no âmbito do processo GES, em coautoria com Machado da Cruz, Amílcar Pires, José Castella, entre outros — um crime de associação criminosa.
Ora, segundo a acusação do Ministério Público, em causa está um crime levado a cabo “pelo menos durante seis anos, entre 2009 e 2014”, de uma forma transversal aos ramos não financeiro e financeiro do GES e ao próprio BES.
O ex-presidente do BES está acusado ainda de corrupção ativa no setor privado, burla qualificada, branqueamento de capitais e fraude fiscal, no processo BES/GES. E também de 12 crimes de corrupção ativa no setor privado e de 29 crimes de burla qualificada, em coautoria com outros arguidos, entre os quais José Manuel Espírito Santo e Francisco Machado da Cruz. O processo conta ao todo com 25 arguidos, acusados num total de 348 crimes.
E a defesa?
A resposta da defesa do antigo líder do grupo chegou em setembro de 2021, num requerimento de abertura de instrução com 777 páginas, nas quais os advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce rebateram a tese do MP, argumentando que Ricardo Salgado “fez tudo o que estava ao seu alcance para que o desfecho não fosse o que ocorreu no verão de 2014”, com a resolução do BES.
O requerimento de abertura de instrução rejeita as quase quatro mil páginas de acusação. E refuta todos os crimes de que Ricardo Salgado é acusado com os argumentos jurídicos e técnicos que preenchem uma das maiores aberturas de instrução da justiça.
E como se defende o ex-líder do BES do que chama de” ficção da associação criminosa”? Em 30 páginas, divididas por oito pontos. Com a conclusão de que “a imputação do ilícito de associação criminosa é destituída de fundamento de facto e de direito, consistindo numa ficção da acusação, que apenas visou ter um maior impacto mediático para justificar o tempo e recursos empregues durante o inquérito deste processo”.
Quem são os outros arguidos?
Entre os arguidos está também o ex-administrador e diretor financeiro do BES Amílcar Pires, acusado neste megaprocesso de 25 crimes: um de associação criminosa, 11 de burla qualificada, um de corrupção passiva, sete de branqueamento de capitais, dois de falsificação de documento, dois de infidelidade e um de manipulação de mercado.
O arguido José Manuel Espírito Santo, antigo administrador do BES e primo de Ricardo Salgado, foi acusado de sete crimes de burla qualificada e um crime de infidelidade, em coautoria.
A antiga administradora do BES Isabel Almeida foi também acusada por 41 crimes, nomeadamente um crime de associação criminosa, em coautoria, corrupção passiva no setor privado, burla qualificada (20 crimes), branqueamento de capitais (13), manipulação de mercado, falsificação de documento e infidelidade (4).
São ainda arguidos neste processo Manuel Fernando Espírito Santo, Francisco Machado da Cruz, António Soares, Alexandre Cadosch, Michel Creton, Cláudia Boal Faria, Pedro Cohen Serra, Paulo Carrageta Ferreira, Pedro de Almeida e Costa, João Alexandre Silva, Nuno Escudeiro, Pedro Góis Pinto, João Martins Pereira, Paulo Nacif Jorge, Maria Beatriz Pascoa, Frederico Ferreira, Luís Miguel Neves, Rui Santos e Alexandre Monteiro.
As sete empresas acusadas são a Espírito Santo Internacional, Rioforte Investments, Eurofin Private Investment, Espírito Santo irmãos — Sociedade Gestora de Participações Sociais, ES Tourism Europe, Espírito Santo Resources Limited e ES Resources (Portugal), por crimes que vão desde burla qualificada a corrupção passiva, falsificação de documentos e branqueamento de capitais.
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