Ajuda com os filhos, igualdade salarial e mais cargos de topo. O que querem as mulheres?

Aposta na formação, igualdade salarial, horários flexíveis e apoios estatais são algumas das medidas que as mulheres querem ver implementadas para reduzir a desigualdade de género nas empresas.

Continuam a ser poucas em cargos de liderança quando comparadas com os homens, mas são cada vez mais. O mundo está cada vez mais consciente da importância e do papel da mulher na sociedade e nas empresas, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Igualdade nas licenças parentais, apoios às mães-trabalhadoras, maior flexibilidade laboral e mais incentivos às empresas que respeitem a paridade. Estas são algumas das (muitas) medidas que as mulheres defendem que devem ser implementadas. No Dia Internacional da Mulher, o ECO/Pessoas foi ouvir a liderança no feminino e saber o que as mulheres querem.

A desigualdade de género está presente em várias áreas, sendo a dos salários uma das mais discutidas. De acordo com dados do Eurostat divulgados esta segunda-feira, o fosso salarial entre homens e mulheres em Portugal aumentou de 10,9% em 2019 para 11,4% em 2020. Um valor que, ainda assim, fica abaixo da média da União Europeia (UE).

Outro dado relevante é que, em 2020, o rendimento bruto por hora das mulheres era, em média, 13% inferior aos dos homens na UE.

Outro aspeto tem a ver com o papel das mulheres enquanto mães e trabalhadoras, notando-se a necessidade de, entre outros, igualdade nas licenças parentais, mais apoios à infância e maior flexibilidade laboral. Estamos em 2022 e ainda há muito a fazer para dar à mulher o papel que ela merece, com tantas ou mais oportunidades que os homens, seja no mercado de trabalho, seja na sociedade.

Igualdade na licença parental e mais apoios na infância

A licença parental permite que a mãe fique em casa mais tempo do que o pai quando um filho nasce. Vitória Nunes, diretora da unidade de negócios da ID Logistics Portugal, defende mais igualdade neste ponto, “permitindo que homens e mulheres tenham as mesmas oportunidades nas esferas social e profissional, mantendo-se a liberdade de escolha de ser gozada de forma 100% partilhada ou não“. A gestora explica que “enquanto a legislação não garantir esta igualdade, as empresas podem continuar a encarar a mulher como um colaborador com maior potencial de ausências no trabalho”.

As mulheres defendem ainda apoios à infância em várias medidas. Desde logo, garantindo o “acompanhamento e guarda das crianças enquanto as mães trabalham ou estudam, mesmo em horários noturnos ou quando há necessidade de deslocação em contexto laboral”, diz Vitória Nunes. A ideia é corroborada por Daniela Braga, fundadora e CEO da Defined.ai, que defende que se deveria “tornar as despesas que as mães sem suporte familiar têm de suportar quando viajam em trabalho elegíveis como despesas da empresa”. Aqui inclui-se, por exemplo, os custos com as amas.

“Subestimar a importância de apoiar as mulheres-mães poderá ser um erro para as organizações, sobretudo perante a atual pandemia e todos os desafios adicionais que esta veio trazer ao mundo do trabalho”, afirma Patrícia Barão, Head of Residencial da JLL Portugal. É “necessário que as empresas sejam capazes de implementar programas de incentivos mais eficazes que apoiem as mães e os pais nas diferentes fases da jornada (antes, durante e após a chegada de um filho) e que permitam ir para além das tradicionais licenças” parentais, defende.

Mais apoios por parte do Estado

Outra medida importante a implementar “prende-se com a ajuda que muitas mulheres necessitam para desempenhar tantos papéis, muitas vezes recorrendo a empregados(as) domésticos(as)”, explica Benedita de Albuquerque, COO da The Race, defendendo que “seria interessante que esta necessidade fosse tida em conta em sede de IRS”.

Vitória Nunes defende também a criação de “apoios estatais de incentivo à formação e à educação para as mulheres das camadas mais desfavorecidas e/ou culturalmente menos protegidas”.

Daniela Braga acredita que é necessário “ter mais diversidade nas empresas que trabalham com o Estado”. Nesse sentido, a fundadora da Defined.ai considera que “os concursos públicos deveriam privilegiar empresas que apresentem graus representativos de diversidade em todas as vertentes”, sejam elas de género, etnia, orientação sexual, religião, entre outros. Além disso, deveriam ser implementados “incentivos fiscais às corporações que cumpram as regras de paridade ao mais alto nível”, explica.

Benedita de Albuquerque acrescenta a importância de “um pacote de medidas de sensibilização através de uma campanha política nacional” que abordasse todas as questões à volta do papel da mulher, através de debates, entrevistas a sociólogos e psicólogos, campanhas e outras iniciativas do mesmo género.

Estado e empresas devem apostar na formação das mulheres

Vitória Nunes considera que o Estado, as empresas e a sociedade devem “promover e dinamizar mais ações que visem apoiar e incentivar o acesso de mulheres a carreiras e cargos de liderança“.

Já Patrícia Barão refere ainda que, no mercado de trabalho, “sente-se às vezes alguma falta de confiança entre as profissionais”, o que “as impede de se candidatarem a posições de topo”.

A responsável da JLL cita um estudo do LinkedIn que mostra que as mulheres têm menos 16% de probabilidade de se candidatarem a uma posição e que, de forma geral, só o fazem se sentirem que reúnem 100% dos requisitos. “Por outro lado, os homens candidatam-se na mesma se não cumprirem todos os pontos”, diz.

“É fundamental que as empresas promovam internamente mais formações na área da liderança/mentoring/coaching, por exemplo, que trabalhem a autoestima dos colaboradores, com especial foco na confiança das mulheres”, acrescenta.

Aumento da representatividade feminina na política e cargos de gestão

Benedita de Albuquerque corrobora isto: “O papel da mulher na família, muitas vezes, é encarado pela entidade empregadora como falta de disponibilidade. “É necessário que os gestores não vejam o papel de mãe como uma menos-valia, mas sim como uma vantagem a destacar. É necessária esta mudança de mentalidade”, afirma.

Joana Rodrigues, diretora de arquitetura, e Paula Sequeira, consultancy director, da Savills Portugal, defendem o “aumento da representatividade feminina na política e cargos de gestão e de administração como fator de equilíbrio”.

Patrícia Barão afirma que “existe ainda maior dificuldade por parte do sexo feminino em atingir cargos de topo”. Por isso, defende que “é cada vez mais importante que as empresas desenvolvam internamente documentos e políticas estratégicas com metas para a igualdade de género em funções de gestão — transparentes para todos os funcionários — e que, externamente, as entidades empresariais (como a CIP) continuem a desenvolver programas com o objetivo de fomentar a promoção de talentos femininos com potencial de liderança a funções de gestão de topo nas empresas”.

Igualdade salarial entre homens e mulheres

Em 2022 ainda há uma grande disparidade salarial entre homens e mulheres. Nesse sentido, Joana Rodrigues e Paula Sequeira, da Savills Portugal, defendem que deveria de haver um “maior equilíbrio das condições de remuneração (não apenas o salário) entre género masculino e feminino”. Benedita de Albuquerque reforça: “há ainda um percurso grande a fazer e, quando comparados os ordenados de colaboradores do sexo masculino e feminino, existe ainda uma acentuada décalage. “Assim, seria fundamental que, tanto a nível político como empresarial, esta questão fosse debatida, revista e retificada”, afirma.

Maior flexibilização no regime de horário laboral

Todas as mulheres ouvidas pelo ECO/Pessoas defendem maior flexibilidade nos horários de trabalho. Susana Meireles, diretora de compras e planeamento da António Meireles, aponta a “possibilidade de trabalho remoto, bem como de uma carreira profissional não linear“. “Continua ainda a mulher a ser o elemento mais penalizado e pressionado no seio da dinâmica familiar, com consequências no seu absentismo e até na sua produtividade profissional, derivado do apoio que tem de prestar à sua família”, explica.

Patrícia Barão nota que “cada vez mais as empresas devem aplicar o direito à desconexão e regimes de trabalho flexíveis“. “As empresas devem empenhar-se em dar mais tempo aos colaboradores, incluindo às mulheres, que já sabemos que são muitas vezes as mais prejudicadas neste campo: tempo para a família, para a formação, para o lazer, para o crescimento pessoal”, explica.

Joana Rodrigues, diretora de arquitetura, e Paula Sequeira, consultancy director, da Savills Portugal, defendem mais “flexibilidade geográfica e temporal na execução da atividade profissional por forma a contribuir para um maior equilíbrio dos ‘papéis’ da mulher na família e na sociedade, reduzindo a ‘pressão’ e contribuindo para um melhor contributo em cada área”.

Benedita de Albuquerque explica que “a possibilidade de modelos híbridos de trabalho, com dias presenciais nas empresas e outros remotos, é uma medida que permite não só uma economia interessante para as empresas, mas, acima de tudo, uma maior qualidade de vida, com a possibilidade de uma mulher se sentir mais presente no dia-a-dia dos filhos, ganhando o tempo que perdia em deslocações e conseguindo, por exemplo, ir levar ou buscar os filhos à escola, acompanhá-los nos estudos, nas atividades desportivas etc.”.

Maior participação das escolas

Vitória Nunes, da ID Logistics Portugal, defende uma “maior participação das escolas no que respeita ao processo de aprendizagem social das crianças”. Isto, explica, permitirá “evitar a perpetuação de valores que não respeitam a igualdade de género, sejam eles transmitidos de geração em geração, no seio familiar ou por valores intrínsecos a uma determinada realidade cultural da sociedade em que vivem”.

Susana Meireles diz que é necessário haver uma “mudança cultural ao nível dos estereótipos criados em torno da mulher desde a sua nascença”. “É de todo vital que exista, logo na base da educação e formação do ser humano, um trabalho de fundo que reconheça que a mulher é de facto diferente do homem, mas que não promova a mulher como um ser mais frágil, nem um ser destinado ao que a sociedade dela idealizou e perspetivou logo no momento da sua nascença”, diz. Isto pode ser feito através da educação nas escolas.

O papel da comunicação social e das campanhas publicitárias

“Somos fortemente ‘bombardeados’ com imagens onde nos dão a entender que as mulheres não estão associadas às empresas, não estão em cargos políticos e muito menos em cargos executivos, mas sim, e por força das imagens e anúncios, associadas à promoção do corpo, da beleza, da sensibilidade e do cuidar dos outros, nomeadamente filhos e pais”, nota Susana Meireles. Nesse sentido, a responsável destaca a urgência de se avançarem com “medidas ao nível da comunicação social e divulgação de anúncios e notícias que evitem este distorcer da imagem da mulher enquanto ser humano tão capaz como o homem para exercer toda e qualquer atividade na sociedade”.

Daniela Braga defende “mais mulheres enquanto comentadoras e especialistas nos meios de comunicação social“, explicando que a representação das mulheres nos meios de comunicação social “enquanto especialistas é residual”. “Os debates de impacto social e económico não podem ser exclusivos apenas de um segmento da sociedade”, diz a gestora, afirmando que estes “têm de ser expandidos a toda a sociedade e têm de incluir mulheres dos diferentes setores”.

Benedita de Albuquerque evidencia ainda a “necessidade e a responsabilidade que as marcas têm hoje na promoção de um padrão físico jovem aliado a uma vida saudável ao invés do engano do padrão de magreza desproporcional sem sentido, que traz uma carga de sofrimento extra, sobretudo aos mais jovens, com maior ênfase nas raparigas”.

Espaços gratuitos de reflexão sobre violência e assédio sexual

Susana Meireles acredita que a criação de “espaços locais, gratuitos, promotores de reflexão, diálogo, apoio e divulgação quanto ao tema da violência e assédio sexual” é fundamental.

Estes espaços, explica, “com intervenção ativa junto das instituições de trabalho e em colaboração direta com as mesmas, bem como dos órgãos soberanos”, podem ser uma ajuda importante à elevação do papel da mulher na sociedade e nas empresas.

Mais solidariedade entre as mulheres

“Mas se é necessária uma mudança de mentalidade dos gestores, também o é das próprias mulheres”, diz Benedita de Albuquerque. “É necessário que as mulheres sejam mais solidárias umas com as outras e que, em vez de se escudarem na crítica para acentuar as suas conquistas, se identifiquem com as necessidades das outras e as ajudem a crescer”, explica.

Neste sentido, a responsável sugere a criação de uma “plataforma digital de e para mulheres”, que ofereça “acesso a recrutamento e entreajuda, no sentido de conselhos de outras mulheres, apoio ao nível de Direito para situações em que os direitos de uma mulher tenham sido violados, entre outros“.

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