Fosso entre juros de Portugal e da Alemanha é o maior em dois anos

Os juros exigidos a Portugal já são o dobro dos da Alemanha. Taxa passou também a ser mais elevada do que a de Espanha. Itália e Grécia são os mais expostos a um "ataque" dos especuladores.

A entrada num novo ciclo de subida dos juros não está só a puxar pelas taxas da dívida portuguesa no mercado. A diferença face aos valores exigidos à Alemanha, que funciona como uma medida da perceção de risco dos investidores, tem vindo também a aumentar e ultrapassa já um ponto percentual. O mesmo se passa com a Espanha e, em muito maior grau, com a Itália e a Grécia. O que representa um desafio para o Banco Central Europeu. A Fitch pronuncia-se hoje sobre o rating de Portugal.

A taxa implícita nas obrigações da Alemanha com maturidade a 10 anos sobe esta sexta-feira para os 1,06% e a de Portugal os 2,187%, uma diferença de 112,7 pontos base, de acordo com dados do site World Government Bonds. Desde maio de 2020 que o chamado spread não era tão elevado. Há seis meses rondava os 60 pontos base, agora o custo de financeiro é o dobro do germânico.

A maior dimensão e robustez da economia alemã, mas sobretudo o menor peso da dívida pública explicam a diferença de avaliação dos investidores. Em Portugal, o rácio era de 127% do PIB no final de março, mantendo a trajetória descendente face aos 138,9% registados um ano antes. A Alemanha fechou 2021 com um rácio de 70%.

“O spread da dívida portuguesa versus a alemã tem vindo a subir desde outubro de 2021, no entanto ainda estamos longe dos valores que tivemos nos anos pós crise da dívida soberana”, afirma Filipe Silva, diretor de investimentos do Banco Carregosa.

“O alargamento atual acaba por ser justificado pela grandes diferenças de dinâmicas económicas que ambos os países apresentam”, argumenta, assinalando que Portugal “depende muito de setores que foram bastante impactados pela pandemia e que demoram o seu tempo a recuperar quase dois anos perdidos”.

A mudança na política monetária do Banco Central Europeu (BCE) também contribui para o afastamento da taxa de juro entre os dois países. “Com o BCE a começar a retirar os programas de estímulos, vai ficar mais dívida disponível para investidores comprarem, que podem exigir um prémio mais elevado”, explica Filipe Silva.

Os juros exigidos no mercado a Portugal passaram também a ser ligeiramente mais elevados do que os de Espanha (2,145%), o que não acontecia desde maio de 2021. O facto de os custos de financiamento serem mais baixos do que no país vizinho tem sido motivo de regozijo do Governo, mas já não se verifica atualmente.

Outro indicador usado para aferir a perceção de risco são os credit default swaps (CDS), contratos financeiros que permitem aos investidores protegerem-se contra um eventual incumprimento. O preço dos CDS de Portugal também tem vindo a aumentar, situando-se nos 48 pontos base esta sexta-feira, valor onde não estava desde novembro de 2020.

Apesar da subida, a cotação destes contratos também indica que o nível de taxas de juro de Portugal está longe de ser considerado preocupante. Segundo o site World Government Bonds, o custo de 48 pontos base tem implícita uma probabilidade de incumprimento de apenas 0,8%.

Isto será um problema se o nível a que as “yields” chegarem se tornarem incomportáveis e colocarem em risco a recuperação da economia nacional.

Filipe Silva

Diretor de Investimentos do Banco Carregosa

A Fitch pronuncia-se hoje sobre o rating de Portugal. Em novembro, a agência manteve a notação de risco em “BBB”. “Apesar da dimensão pequena e elevado grau de abertura da economia portuguesa, a retoma do PIB e a contenção orçamental limitaram a deterioração das contas públicas”, sublinhou então a Fitch. Sendo o outlook da agência para o país “estável”, embora este possa hoje mudar, não deverá existir uma alteração da classificação de risco.

Portugal está a pagar este ano o dobro pelo novo financiamento nos mercados (1,2%) do que pagava em 2021 (0,6%), mas o custo continua a ser inferior ao do stock da dívida já existente. Ou seja, os novos títulos continuam, em média, a ser mais baratos do que os que são reembolsados. “Estamos preparados para a subida de taxas de juro”, garantiu Cristina Casalinho, presidente da agência que gere a dívida pública (IGCP), em entrevista ao ECO, referindo que a fatura com juros deverá continuar a cair.

“A normalização que estamos a assistir ainda não é de todo problemática para a dívida nacional, os prémios de risco têm vindo a ser ajustados e o fato de termos taxas positivas é bom para todos os intervenientes na atividade económica. Isto será um problema se o nível a que as yields chegarem se tornarem incomportáveis e colocarem em risco a recuperação da economia nacional”, considera Filipe Silva.

Itália e Grécia motivam preocupação

A entrada neste novo ciclo de subida das taxas de juro não está a afetar todos por igual e regressou o receio da fragmentação das condições monetárias na Zona Euro. É na dívida italiana e grega que isso é mais evidente.

A taxa implícita nas obrigações a 10 anos de Itália subia esta sexta-feira para os 3,055%, com a diferença para a Alemanha a chegar aos 198,6 pontos base. Os juros exigidos à Grécia estão nos 3,447%, com o spread nos 237,8 pontos base. A primeira tem uma dívida pública de 150,4% do PIB e a segunda de cerca de 200%.

É a reação do mercado à esperada subida dos juros de referência pelo Banco Central Europeu, que pode chegar em julho, dada a maior vulnerabilidade daqueles países.

“A perspetiva de uma política monetária mais apertada na Zona do Euro aumentou a ameaça de uma forte queda (e subida das taxas) nos mercados de títulos da região“, assinala Andrew Kenningham, economista-chefe para a Europa da Capital Economics, numa nota divulgada ontem.

O mercado de títulos da Zona do Euro está vulnerável a um forte “sell-off”.

Andrew Kenningham

Economista-chefe para a Europa da Capital Economics

“Se isso acontecer, achamos que o BCE acabará por intervir para evitar qualquer dano duradouro. Mas duvidamos que concorde com um novo programa de compra de ativos até que a necessidade seja urgente. Como resultado, consideramos que o mercado de títulos da Zona do Euro está vulnerável a um forte sell-off“, acrescenta.

A alemã Isabel Schnabel, que faz parte da comissão executiva do BCE, salientou esta semana ao Handelsblatt que “vários países assumiram dívidas a taxas de juros muito baixas e, simultaneamente, aumentaram os prazos médios de pagamento. O que significa que um aumento das taxas só teria um efeito gradual nos custos médios de financiamento“.

Questionada sobre a possibilidade de um ataque especulativo que leve as taxas das obrigações para níveis insustentáveis, Schnabel garantiu que o banco central “impedirá uma fragmentação da Zona Euro instigada pela especulação”. “Já temos um programa disponível para isto, uma vez que no âmbito do PEPP (Programa de Compras de Emergência Pandémica) podemos reinvestir de forma flexível os títulos que chegam à maturidade”, acrescentou.

“É um facto que o spread tanto de Itália como da Grécia têm vindo a aumentar significativamente, mas não nos parece que tal seja para já um problema”, afirma Filipe Silva. “O nível a que o prémio de risco destes países irá chegar, será sempre monitorizado pelo BCE, pois não é de todo desejável voltarmos a ter um problema nas dívidas soberanas europeias“.

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