BRANDS' ECOSEGUROS Riscos climáticos e sustentabilidade: desafios e oportunidades num mundo em mudança
Os riscos climáticos e o investimento na sustentabilidade são uma preocupação atual que se vai proliferar no futuro. As empresas de seguros têm um papel fulcral na transição para uma economia verde.
A temática associada às alterações climáticas e à sustentabilidade voltaram à agenda dos principais líderes mundiais com o abrandamento dos impactos associados à Covid-19. A Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP26), ocorrida em novembro de 2021, reorientou o foco dos agentes económicos e enfatizou os passos necessários rumo à transição para uma economia verde.
No que concerne ao setor segurador, um grupo de seguradoras e resseguradoras líderes mundiais, que representam mais de 11% dos prémios emitidos à escala global, anunciaram na COP26 a formação da “Net-Zero Insurance Alliance”. O objetivo da sua formação prende-se com o compromisso, por parte das entidades fundadoras, em garantir uma transição de todas as emissões de gases de efeito de estufa, atribuíveis às suas carteiras de subscrição de seguros e resseguros, para uma neutralidade carbónica até 2050, de forma a que estes agentes contribuam, de forma efetiva, para o cumprimento da métrica de manter o aquecimento global abaixo dos 1,5ºC em relação ao período pré-industrial. Segundos os estudos científicos mais recentes, esta figura-se como o objetivo necessário para evitar a irreversibilidade dos efeitos do aquecimento global e das suas consequências no meio ambiente e na evolução das gerações futuras.
Atualmente vivem-se tempos únicos em que se verifica um esforço elevado para garantir a redução do impacto da sociedade nas alterações climáticas. No mesmo nível de importância, os reguladores, a nível mundial, aumentam cada vez mais o seu foco na necessidade de reporte e divulgação dos impactos dos riscos climáticos nas demonstrações financeiras das empresas.
"No caso particular das empresas de seguros, esta mudança de paradigma com vista à adoção de uma política de gestão sustentável é crucial uma vez que este é um dos setores que poderá ser mais afetado pelas consequências do aquecimento global na sua atividade.”
A pressão dos reguladores e dos utilizadores das informações financeiras, e a inexistência de um normativo contabilístico que regule as divulgações obrigatórias nesta matéria, levou a que a IFRS Foundation anunciasse, na COP26, a formação do International Sustainability Standards Board (ISSB). Este organismo está responsável pela emissão das bases normativas em matéria de sustentabilidade. A 31 de março de 2022 foi submetida uma primeira versão de dois novos normativos contabilísticos, relacionados com esta temática, os quais se encontram em consulta pública por um prazo de 120 dias. O objetivo definido pelo ISSB é garantir a emissão da versão final destes documentos até ao final do ano de 2022, sendo o cenário mais provável que a sua emissão final ocorra em 2023.
As versões preliminares dos normativos em causa são os seguintes:
- IFRS S1 General Requirements for Disclosure of Sustainability-related Financial Information – irá exigir que as empresas divulguem informações que permitam aos investidores e utilizadores das informações financeiras avaliar o efeito dos riscos e oportunidades relacionados com a sustentabilidade, os quais decorrem da dependência de recursos e do impacto da sua atividade nos mesmos e as relações que a entidade mantém que podem ser positiva ou negativamente afetadas por esses impactos e dependências.
- IFRS S2 Climate-related Disclosures – estabelece os guidelines em matéria de divulgação, quantificação e divulgação dos riscos e oportunidades climáticas apresentando a forma como estes afetam a posição financeira e o desempenho económico das empresas, o seu modelo de negócio e os seus cash-flows futuros.
Se no passado recente as discussões sobre sustentabilidade foram amplamente teóricas e centradas em compromissos e medidas não materializáveis, atualmente verificam-se desenvolvimentos bastante significativos nesta matéria que ultrapassam a esfera contabilística e normativa. Os principais líderes mundiais começam a adotar estratégias empresariais que têm em consideração o cumprimento de objetivos ambientais, sociais e de governação empresarial (ESG) para além do cumprimento de métricas e indicadores de performance financeira que visam a maximização do lucro.
"Esta realidade pode levar a que, em determinado momento, os níveis de risco de catástrofe natural ao serem de tal forma significativos não irão permitir que eventos locais e circunstâncias se tornem seguráveis”
No caso particular das empresas de seguros, esta mudança de paradigma com vista à adoção de uma política de gestão sustentável é crucial uma vez que este é um dos setores que poderá ser mais afetado pelas consequências do aquecimento global na sua atividade. É inequívoco o aumento da frequência e gravidade dos sinistros ocorridos, tanto primários como secundários, como resultado das mudanças climáticas. Mais concretamente, as perdas relacionadas com o clima e catástrofes naturais apresentam uma tendência de crescimento e mesmo as estimativas mais otimistas revelam que a expectativa é que estes números continuem a piorar nos próximos anos.
Numa publicação divulgada pela Swiss Re, verifica-se que, a nível mundial, as seguradoras reconheceram perdas relacionadas com eventos climáticos avaliadas em 354 mil milhões de dólares norte-americanos, no período entre 2017 e 2020. O mesmo grupo segurador suíço, numa publicação mais recente, divulgou que no ano de 2021 as perdas assumidas globalmente, pelas empresas de seguros, para a mesma natureza de eventos ascenderam a 112 mil milhões de dólares norte-americanos. Na mesma publicação, estima-se que as perdas assumidas pelas seguradoras em consequência da ocorrência de sinistros por catástrofes naturais possam mais que duplicar até 2040, se não existir um abrandamento do aquecimento global. Estes dados numéricos ilustram, de forma clara, o crescimento no volume de sinistros associados a riscos climáticos e a sua tendência de crescimento acentuado nos próximos anos.
"Trabalhar para conter os riscos das mudanças climáticas é imperativo numa perspetiva de sustentabilidade dos negócios de longo prazo para as seguradoras.”
Para além da consequente quebra dos indicadores de performance financeira das empresas de seguros, outra consequência direta do aumento da frequência e gravidade desta natureza de sinistros prende-se nas políticas de definição de preço das Companhias de Seguros, cujos modelos são afetados por diversas variáveis que ultrapassam o perfil de perda esperada das carteiras de seguros, não garantindo que o aumento do risco de fenómenos naturais extremos seja devidamente remunerado a longo prazo. Esta realidade pode levar a que, em determinado momento, os níveis de risco de catástrofe natural ao serem de tal forma significativos não irão permitir que eventos locais e circunstâncias se tornem seguráveis, pelo seu risco subjacente ou pelo elevado preço, levando a um volume reduzido de seguros e menor resiliência global.
Se atualmente se estima que cerca de metade das perdas relacionadas com causas ambientais se encontravam seguradas, estes números poderão reduzir drasticamente à medida que se vão verificando eventos naturais extremos nas diversas geografias. Trabalhar para conter os riscos das mudanças climáticas é imperativo numa perspetiva de sustentabilidade dos negócios de longo prazo para as seguradoras.
Neste contexto, as empresas de seguros são parte interessada na transição para uma economia verde e podem ter um papel fulcral neste processo que afeta os diversos agentes económicos e setores de atividade.
No que respeita à sua estratégia de investimento, as seguradoras, com o seu vasto portfólio de ativos e estruturas de capital, são agentes essenciais para acelerar a transição para uma economia verde ao funcionarem como fontes de capital e investimento a longo prazo. É inequívoco que, por meio de iniciativas públicas ou privadas, as empresas de todas as indústrias precisarão de capital e apoio para reduzir a sua pegada de carbono e estabelecer operações sustentáveis.
Neste sentido, as seguradoras podem desempenhar um papel catalisador no envolvimento com reguladores e empresas de outras indústrias ao funcionarem como investidores diretos em infraestruturas e projetos que tenham como objetivo a transição para uma economia verde, com a aposta em setores que tenham como métricas a inovação e uma estratégia organizacional sustentável em detrimento de indústrias cujas práticas e atividades operacionais não privilegiem, atualmente, a preservação do meio ambiente e redução da pegada ecológica. Esta postura a nível da gestão de risco de investimento por parte das seguradoras pode impactar o custo e a facilidade de acesso a capital para setores de atividade com práticas menos sustentáveis, incentivando a adoção de políticas que tenham em vista a diminuição impacto da sua atividade no meio ambiente.
"as seguradoras devem visar a sustentabilidade através de medidas que visem melhorar os preços para responder com precisão aos riscos emergentes e recompensar ou ajudar os tomadores de seguros no investimento na sustentabilidade dos seus ativos.”
Por outro lado, o investimento em setores inovadores poderá garantir, para as seguradoras, a entrada em mercados com uma boa margem de progressão e expectativas de rentabilidade de longo prazo. As oportunidades de investimento podem passar pelo investimento em setores cujas empresas começam a apostar, de forma vincada, em fontes de energia renováveis e numa gestão eficiente de recursos como são o caso do setor dos transportes e da energia onde a aposta nos veículos elétricos e a diminuição da utilização de combustíveis fósseis começam a surgir no topo das prioridades estratégicas dos players destes setores.
No setor segurador, em que a relação de confiança entre seguradores e segurados é a base principal do negócio, o investimento em ações e títulos creditados pela IASE (International Association for Sustainable Economy), que cumprem as melhores métricas em matérias de ESG, poderá ser um aspeto essencial para o prestígio e notoriedade das empresas de seguros no mercado e do seu reconhecimento por parte dos consumidores.
Na componente da política de subscrição, a contratação de apólices de seguro figura-se como um elemento fulcral ao desenvolvimento de diversas atividades de negócios por motivos legais e regulatórios. Neste contexto, as seguradoras têm um papel essencial no tecido económico sendo que, na esfera da sustentabilidade, tem-se disseminado a narrativa de descontinuação de coberturas para setores muito poluentes. Se estas medidas, mais radicais, fossem tomadas de forma abrangente mais facilmente se poderia atingir o objetivo de neutralidade carbónica em 2050. Porém, em termos práticos, continuando a existir a procura de bens ou serviços gerados pelas indústrias poluentes, estas não se extinguirão por si só e continuarão a existir empresas de seguros que, na necessidade de rentabilização dos seus negócios, continuarão a oferecer cobertura para estas operações.
Assim, o papel das empresas de seguros poderá passar pela atribuição de incentivos que visem estimular a transição para uma economia verde. Como primeiro passo, as seguradoras devem visar a sustentabilidade através de medidas que visem melhorar os preços para responder com precisão aos riscos emergentes e recompensar ou ajudar os tomadores de seguros no investimento na sustentabilidade dos seus ativos.
"As empresas de seguros podem desempenhar um papel essencial no cumprimento das métricas definidas pelos organismos internacionais, em matérias climáticas”
Na questão da definição do preço, as seguradoras, através de descontos nos prémios das apólices de seguros, podem incentivar os consumidores a optar por soluções mais ecológicas aplicando preços mais baixos nos seguros associados, por exemplo, a veículos elétricos, painéis solares e infraestruturas com elevada eficiência energética, face a alternativas menos amigas do ambiente. Esta natureza de política, a longo prazo, pode ajudar a alterar os padrões de consumo de particulares e empresas.
A inovação na oferta de coberturas de seguros é outro passo a seguir sendo que, nesta vertente, algumas seguradoras já se encontram a adotar medidas neste sentido criando coberturas únicas para a proteção de atividades e bens ecológicos. Por exemplo, no que respeita às coberturas associadas ao seguro automóvel para veículos elétricos, começam a surgir no mercado soluções criativas e inovadoras como a cobertura por roubo e danos em baterias de alta tensão e postos de carregamento privados bem como a perda ou uso não autorizado de cartões de carregamento de veículos elétricos. Neste contexto, começam também surgir soluções de seguros paramétricos, que podem avaliar, de forma mais eficiente, sinistros relacionados com eventos climáticos que, face ao contexto mais complexo para as seguradoras na cobertura de danos provocados por eventos climáticos, se tornam uma solução inovadora cada vez mais presente no mercado.
Os riscos climáticos e o investimento na sustentabilidade são uma preocupação atual que se vai proliferar pelas próximas décadas. As empresas de seguros podem desempenhar um papel essencial no cumprimento das métricas definidas pelos organismos internacionais, em matérias climáticas, e um exemplo de como a inovação, a sustentabilidade e responsabilidade social, quando investidas de formam consciente, podem garantir a aplicação das melhores práticas internacionais sem descorar a sustentabilidade do negócio. Os próximos anos serão reveladores de como esta expectativa poderá ser aplicada na prática.
Texto por Marco Martins, Manager EY, Assurance Financial Services
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