Defesa Salgado diz que prisão pode levar à morte do ex-banqueiro devido a doença de Alzheimer

A defesa de Salgado pede a nulidade da decisão por "omissão de pronúncia sobre a questão da anomalia psíquica superveniente". Ou seja: a doença de Alzheimer que o tribunal deu como provada.

O que a defesa de Ricardo Salgado pede, em sede de segunda instância, é muito claro: que o acórdão que condenou o ex-homem forte do BES a uma pena de prisão efetiva de seis anos seja considerado nulo. A razão? Omissão do juiz, que não se pronunciou sobre uma possível pena suspensa devido à anomalia psíquica relativa à doença de Alzheimer que Salgado sofre, como obriga o nosso Código Penal.

O ex-líder do Banco Espírito Santo (BES) foi condenado, em março deste ano, a uma pena de seis anos pelos três crimes de abuso de confiança que saíram da Operação Marquês.

O tribunal considerou como provados “quase todos os factos constantes da acusação”, segundo explicou o juiz Francisco Henriques. Mas o magistrado diz que “não ficou provado a questão da gestão centralizada do BES”.

No recurso de 792 páginas — a que o ECO/Advocatus teve acesso — a defesa, a cargo dos advogados Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squilacce, pede que, neste caso concreto, o recurso seja apreciado com “objetividade e sem ideias pré-concebidas, sem ceder inconscientemente às pressões e pré-juízos mediáticas”.

Porque, consideram os advogados, que o juiz Francisco Henriques “ignorou a patologia de demência, assente numa doença de Alzheimer medicamente comprovada, numa pessoa a ponto de cumprir 78 anos”. Mesmo tendo ficado provado que Salgado tem doença de Alzheimer, a defesa queixa-se que “nem uma palavra” foi dada sobre este assunto, “ignorando o que ficou assente e demonstrada em tribunal e na decisão”.

O advogado Francisco Proença de Carvalho, à entrada do Campus de Justiça, em Lisboa.Hugo Amaral/ECO

 

E volta a criticar o acórdão de Francisco Henriques ao dizer que este “não gastou sequer um segundo ou uma linha para sequer referir e apreciar esta questão da doença”. Em tom duro, os advogados dizem ainda que “a pressão mediática não constitui justificação para evitar ou omitir a apreciação de questões jurídicas. Ainda para mais quando as questões jurídicas cuja apreciação foi omitida estão relacionadas com a dignidade humana”.

E relembra, tal como o tinha feito nas alegações finais, em julgamento, que, o que na prática, se verifica é que, em casos “não mediáticos” ou então “menos mediáticos”, a lei é aplicada objetivamente, referindo-se a uma decisão do Tribunal de Viseu que, em 8 de Novembro de 2021, determinou a suspensão da pena de prisão de sete anos ao ex-autarca de Santa Comba Dão, com menos de 60 anos, aplicada a arguido a quem foi diagnosticada “provável doença de Alzheimer”.

E que consequências pode ter a prisão de Ricardo Salgado, segundo o mesmo recurso?

Qualquer pena de prisão efetiva terá “efeitos adversos e perniciosos quer sobre a saúde física, neurológica e psicológica de Ricardo Salgado, quer sobre a sua socialização e integração familiar”. Vão mais longe ainda ao dizer que parece “evidente” que uma qualquer prisão efetiva – ainda para mais de seis anos – “causará ou, pelo menos, acelerará o falecimento do
arguido. E aí o tribunal nada diria, mas teria de ficar com essa circunstância na sua consciência”.

Explicando ainda aos juízes da Relação que “o arguido não tem por si e sem assistência, condições para tomar a sua correta medicação diária e demais cuidados que o seu estado de saúde requer”.

Concluindo que “a Justiça não tem como propósito espezinhar e atropelar a dignidade humana, nem dos arguidos, nem dos cidadãos objeto de condenação”.

O ex-presidente do BES, Ricardo Salgado (E), à saída do Tribunal de Santarém, com o advogado Adriano Squilacce. PAULO CUNHA/LUSAPAULO CUNHA/LUSA

A “testemunha estrela” Paulo Silva

Apesar do grande trunfo da defesa neste recurso ser o da doença do ex-banqueiro, este dedica também uma parte considerável ao depoimento do que chama de “testemunha estrela” que nem sequer é verdadeira testemunha por não ter qualquer conhecimento direto dos factos, como o próprio e o Tribunal reconheceram”. Em causa Paulo Silva, inspetor da Autoridade Tributária, envolvido na fase de inquérito na investigação do processo da Operação Marquês, considerado como uma testemunha chave em julgamento.

Os advogados consideram que “a manifesta fragilidade do acórdão na prova dos factos é tão mais evidente” quando o a condenação foi fundamentada no depoimento de uma ‘não testemunha’ que passou a ‘testemunha estrela’ que, ela própria – confessou “não ter conhecimento direto de nada, o que, aliás, levou o tribunal a fazer um mea culpa no próprio julgamento em ter permitido que esta “não testemunha” tanto discorresse sobre questões que não tem qualquer conhecimento direto.

E concretizam: na audiência de julgamento de 8 de Julho de 2021, o juiz Francisco Henriques dizia que “até já fui acusado pelo meu colega de dizer que eu lhe dei muita latitude. Pronto, é verdade, dei mais latitude do que, do que, do que é habitual, ou é habitual por este coletivo, mas foi por, por, por este motivo, porque o relato estava tão misturado com opiniões e com factos que era …”. Relembrando ainda que, após o depoimento da “testemunha” Paulo Silva, o tribunal de 1.ª Instância apelidou as declarações desta “testemunha” como “meras suposições”.

E concluiu que “a peculiaridade de estar em causa o depoimento valorativo de um inspetor Tributário em matérias que não envolvem qualquer crime fiscal reforçam, ainda mais, a manifesta e total ausência de provas contra o arguido. É caso para dizer que, não tendo cão para caçar com cão, o Acórdão recorrido procurou caçar com gato”.

Devolução de sete milhões de euros não contou para atenuação ou suspensão da pena

Francisco Proença de Carvalho e Adriano Squillace queixam-se ainda do facto de o arguido ter feito chegar à esfera da Enterprises / ESI o montante total de sete milhões de euros, em Outubro de 2012 e Janeiro de 2014 não ter sido contabilizado para uma suspensão ou atenuação da pena.

Explicando que estes factos provam que Salgado “não teve qualquer intenção de se apropriar ilegitimamente de qualquer quantia da Enterprises. É de elementar lógica que, quem se pretende apropriar ilegitimamente de uma qualquer quantia, não injecta fundos na esfera de onde retirou, anteriormente, os fundos de que, supostamente, se pretenderia apropriar”.

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