Salgado sabe hoje se vai ter de cumprir pena de prisão
Esta segunda-feira, Ricardo Salgado vai saber o seu futuro no caso Operação Marquês. O ex-banqueiro é acusado de três crimes de abuso de confiança.
O desfecho do caso Operação Marquês para Ricardo Salgado, um dos arguidos, é conhecido esta segunda-feira. Em causa estão três crimes de abuso de confiança. A sessão de leitura do acórdão está marcada para as 16h00 no Campus da Justiça, em Lisboa.
Ricardo Salgado está a ser julgado por crimes relacionados com a Espírito Santo Enterprises, o já conhecido “saco azul” do GES, envolvendo um valor superior a dez milhões de euros. O julgamento decorreu de forma autónoma face aos restantes arguidos da Operação Marquês, já que Ivo Rosa, na altura da decisão instrutória, em abril de 2021, anunciou que iria proceder à separação de processos de Salgado, Armando Vara, Carlos Santos Silva, João Perna e José Sócrates. Vara já está condenado por crime de branqueamento de capitais, mas o julgamento de Sócrates, o seu ex-motorista e Santos Silva ainda não está marcado.
Em abril de 2021, o juiz Ivo Rosa pronunciou Ricardo Salgado por três crimes de abuso de confiança, caindo por terra o crime por corrupção ativa de titular de cargo político, os dois de corrupção ativa, nove de branqueamento de capitais, três de falsificação de documento e três de fraude fiscal qualificada. Pode assim incorrer numa pena de nove anos de prisão.
O crime de abuso de confiança é imputado a quem “ilegitimamente se apropriar de coisa móvel ou animal que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade”, sendo punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. Ou seja, teoricamente, Ricardo Salgado pode ser condenado a 12 anos de pena de prisão.
Caso o objeto deste crime seja de valor “consideravelmente elevado” e se “o agente tiver recebido a coisa ou o animal em depósito imposto por lei em razão de emprego ou profissão”, a pena de Salgado poderá ir até oito anos de prisão. Mas, mais uma vez, a prática da jurisprudência dos tribunais portugueses diz-nos que, caso haja uma condenação, nunca será uma pena tão elevada, tratando-se de crimes desta natureza.
Relembrar que Armando Vara já foi condenado no âmbito da Operação Marquês, em julho do ano passado, a dois anos de prisão efetiva. O antigo ministro e ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) foi condenado pelo crime de branqueamento de capitais.
Defesa pediu absolvição
Na sessão de julgamento de alegações finais, a defesa de Ricardo Salgado, na voz do advogado Francisco Proença de Carvalho, pediu a absolvição do antigo presidente do BES e criticou o Ministério Público (MP) por pedir uma pena não inferior a dez anos para o ex-banqueiro.
Numa tensão visível com o procurador Vítor Pinto, Francisco Proença de Carvalho — que partilha a defesa com Adriano Squillace — referiu o exemplo do cantor Tony Bennett, revelado no 60 minutes exibido no sábado na Sic Notícias — que conseguiu fazer um concerto em que aparentava todas as suas faculdades, “mas a verdade é que dois dias depois já não se lembrava desse mesmo concerto”, disse Proença de Carvalho.
“Não sou médico, sou advogado e não podemos aferir o grau de Alzheimer só pelo contacto, a olho”, disse o advogado levantando-se e pondo-se ao lado do seu cliente, visivelmente desorientado. “Há acórdãos que dizem que esta análise tem de ser feita tecnicamente, por médicos especializados e não por procuradores e juízes”, concluindo que “nem a defesa nem o Ministério Público têm conhecimentos para aferir se o diagnóstico é correto ou não”, referindo-se a um acórdão do Tribunal de Viseu que condenou um arguido de menos de 60 anos com a mesma doença a pena de prisão, mas suspensa.
Que é, aliás, a tónica da defesa do ex-homem forte do Grupo Espírito Santo. Porque, apesar de pedir a absolvição, o advogado frisou que, caso o seu cliente seja condenado, que seja a uma pena de prisão suspensa. “Aí não cedemos”. E disse ainda, em aviso ao procurador do MP, que este ignorou a doença do arguido.
Proença de Carvalho fez questão de dizer que o que está, agora, a ser julgado são três crimes de abuso de confiança “e não todo o processo Marquês” que se tornou um dos mais mediáticos da Justiça portuguesa mas em que, na fase de instrução, acabou por deixar cair 18 dos 22 crimes de que Salgado estava acusado. “Não se está a julgar os motivos que levaram à trágica resolução do BES e os seus lesados (infelizmente); não se está a julgar o papel do meu cliente na economia e na sociedade portuguesa; não se está a julgar o que se diz na praça pública e tão-pouco se está a julgar o objeto central do Marquês”, explicou o advogado.
Passando posteriormente ao que chamou de “angústias” e “dúvidas”, a defesa explicou qual era então a grande dúvida : “Consegue e quer o sistema de Justiça resistir à pressão mediática e pública que existe em torno da figura do Dr. Ricardo Salgado?”, entrando depois no assunto que foi várias vezes trazido à baila e que gerou tensão entre os advogados e o Ministério Público. “Ao pedir a prisão efetiva de uma pessoa com a patologia comprovada do doutor Ricardo Salgado, [o MP] pede algo que vai contra a decência e o humanismo”, disse, acrescentando: “O MP fingiu que não sabe da condição do doutor Ricardo Salgado, desconsiderando tudo o que está na jurisprudência e no humanismo do Estado de Direito português”.
E admitiu que receia que o que prevalecerá seja “uma possível necessidade de se dar uma satisfação a alguma opinião pública (de tabloide ou de rede social), dando assim uma aparência de que a Justiça funciona e é eficaz? Dando a aparência que assim se está a defender o sistema…
Transmitindo uma ideia de que todo o esforço da Operação Marquês (um autêntico fiasco do MP) valeu a pena!?”, sublinhou o advogado, visivelmente indignado. Relembrando ainda a rapidez com que a marcação do julgamento se realizou, “com uma velocidade pouco normal no contexto dos tribunais portugueses ao ponto de o julgamento ter até estado perto de se iniciar ainda antes de decorrido o prazo para apresentação da contestação pelo arguido”.
O advogado acusou ainda o tribunal de, “pelo menos aparentemente”, ter desvalorizado a doença de Alzheimer de um arguido com 77 anos “comparando-a a um normal declínio cognitivo pelo decurso da idade”.
A defesa de Ricardo Salgado alegou ainda que “dificilmente se pode encontrar sujeito a tanta pressão mediática e pressão judicial durante quase dez anos, e que aos 70 anos viu a vida virada do avesso de um dia para o outro. Mais tarde ou mais cedo a saúde iria ser afetada”.
Os advogados do ex-banqueiro alegam que o diagnóstico de Alzheimer foi feito por um “reputado médico” e que tem elevado grau de certeza. Argumentam, também, que as faculdades cognitivas do seu cliente se agravaram após o último relatório, o que limita a capacidade de prestar declarações.
“Nada custou mais a esta defesa do que ter de admitir ao tribunal e opinião pública o diagnóstico médico de Ricardo Salgado, e nada custa mais do que ver a forma desumana com que algumas pessoas se referem a situação de saúde de Ricardo Salgado”, afirmou um dos advogados em tribunal.
Apontando ainda o contexto em que vivemos, “num tempo em que se fala tanto de ciência e de confiarmos na ciência”, referindo-se à pandemia, “não deixa de impressionar a forma simplista como o MP fala de temas médicos. O que sabe o MP da doença de Alzheimer? O que sabe o MP sobre os efeitos da mesma? O que sabe o MP sobre o grau de gravidade da doença do arguido? O que sabemos nós todos sobre isso!? Nada!”
Continuando nas críticas ao MP, a defesa acusou o mesmo de assentar as suas alegações nas suas opiniões e deduções. Explicando que já a defesa, na sua opinião, assentou a sua argumentação em provas diretas: centenas de documentos juntos com a contestação, depoimentos de testemunhas com intervenção direta nos factos, relatórios médicos.
Concretizando com a prova testemunhal, considerou “paradigmático” o depoimento da testemunha Jean-Luc Schneider que teve “intervenção em todos os factos centrais em causa no processo e que, no essencial, aqui confirmou o alegado na contestação, ou seja, a tese da defesa no que respeita à explicação do contexto e da motivação das operações em causa no processo. Pessoa que, obviamente, deveria ter sido inquirida na fase de Inquérito, mas em torno da qual o MP preferiu patrocinar uma espécie de novela como se fosse um protagonista quase mitológico… poderia nem existir na realidade. Onde está o Schneider chegou a perguntar-se em algumas reportagens? Pois bem… O Sr. Schneider existe, esteve aqui e não foi nada difícil ao Tribunal conseguir a sua inquirição”, sublinhou.
Concluindo, Proença de Carvalho disse: “Em caso de condenação do arguido, o Tribunal tem de ser consequente e aplicar a lei. E aplicar a lei significa que qualquer eventual pena de prisão terá que ser suspensa!”. Porque, “a doença de Alzheimer constitui, indubitavelmente, uma anomalia psíquica. Com o conhecimento científico atual, uma anomalia psíquica irreversível e que, infelizmente, se irá agravar com o tempo”.
Juiz recusou suspender julgamento devido a Alzheimer
Em outubro, o juiz Francisco Henriques não aceitou o pedido da defesa de Salgado para suspender o julgamento, atendendo ao relatório médico que concluía por um diagnóstico de Alzheimer que os advogados apresentaram no dia 12 de outubro ao tribunal. E admitiram que esta doença não é razão suficiente para que “as capacidades de defesa do arguido estejam limitadas de tal forma que o impeçam de se defender de forma plena. Não parece decorrer do teor do atestado médico que o arguido esteja mental ou fisicamente ausente”, explica o despacho do juiz Francisco Henriques, a que o ECO teve acesso.
“A deficiência cognitiva, ou seja, a capacidade de reproduzir memórias, não é de todo impeditiva do exercício do direito de apresentar pessoalmente em julgamento a versão dos factos passados”, argumenta o juiz.
O relatório médico enviado ao tribunal confirmava os “sintomas de declínio cognitivo progressivo”, segundo o médico neurologista Joaquim Ferreira, que assume ainda que “após toda a investigação realizada, podemos agora concluir pelo diagnóstico de doença de Alzheimer”, segundo o relatório do médico.
Um diagnóstico que se tem vindo a agravar nos últimos três meses e que o médico considera irreversível. Porém, o juiz não rejeita este relatório como meio de prova: “Os atestados médicos constituem meios de prova e como tal devem ser valorados pelo Tribunal”, tal como não põe em causa a qualificação da doença de Alzheimer como uma doença neurológica. “Trata-se de matéria factual”, diz o tribunal.
O médico que seguiu o ex-presidente do Grupo Espírito Santo sustenta ainda que “Ricardo Salgado tem apresentado um agravamento progressivo das limitações cognitivas e motoras descritas” desde julho de 2021 e que “o quadro clínico de defeito cognitivo que apresenta atualmente, nomeadamente o defeito de memória, limita a sua capacidade para prestar declarações em pleno uso das suas faculdades cognitivas”. E, por isso, pediram a suspensão ou arquivamento determinados pelo tribunal. Caso não seja possível, os advogados do ex-presidente do GES defendem que “no limite, a execução de qualquer pena de prisão que viesse, eventualmente, a ser determinada (…) teria de ser imediatamente suspensa” perante o diagnóstico de doença de Alzheimer.
Mas os argumentos — mesmo os médicos — não convenceram o juiz Francisco Henriques que defendeu que “a degradação das faculdades cognitivas são consequência natural da longevidade humana. Em regra, o ser humano na faixa etária do arguido sofre de natural decréscimo das capacidades cognitivas”.
O advogado de Ricardo Salgado, Francisco Proença de Carvalho, referiu na altura que não foi o seu cliente que decidiu ter Alzheimer. “Não é o arguido que decide ter Alzheimer. Não foi o Dr. Ricardo Salgado que decidiu ter esta doença nem autolimitar o seu direito de defesa, a sua possibilidade de prestar declarações, é a doença de Alzheimer”, disse.
O advogado disse esperar dos Tribunais “que sejam Tribunais e que não julguem como se estivessem numa rede social, como se estivessem numa caixa de comentários de um tabloide”. “Peço respeito por isso. O Dr. Ricardo Salgado, ao longo dos últimos sete anos, batalhou e tem batalhado pela sua defesa. Infelizmente neste momento aconteceu o que aconteceu, está demonstrado, é inequívoco”, acrescentou, garantindo que a defesa vai “batalhar” pela “demonstração da verdade” e pela “preservação da dignidade humana”.
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