Da Polónia à Finlândia, gás russo já não entra em nove países europeus
Decreto-lei do Kremlin que obriga os "países hostis" a pagar o gás russo em rublos está a condicionar o acesso à "torneira" do gás natural em várias geografias. Confira o mapa.
A lista de países a quem a Rússia cortou o acesso ao gás natural continua a aumentar, isto numa altura em que a União Europeia (UE) avançou com um embargo ao petróleo russo como parte de um sexto pacote de sanções aplicadas à Federação Russa na sequência da invasão da Ucrânia, que já dura há mais de 100 dias.
Depois de ter anunciado um decreto-lei que obrigava os clientes estrangeiros da Gazprom, “hostis à Federação Russa”, a pagar em rublos (em vez de dólares ou euros) todas as encomendas à empresa estatal russa, foram vários os países que começaram a ver o acesso à torneira do gás russo condicionado.
Bálticos desligam “torneira” à Gazprom
A Lituânia foi o primeiro dos 27 países do bloco europeu a prescindir do gás russo, graças à política energética que tem vindo a ser seguida nos últimos anos. A 31 de março, o presidente lituano anunciou a medida e exortou os restantes países da UE a fazer o mesmo.
Até 2015, quase 100% do gás consumido na Lituânia era importado da Rússia, mas a situação mudou drasticamente nos últimos anos, após o país ter construído em 2014 um terminal de importação de gás natural offshore na cidade portuária de Klaipeda. No último ano, cerca de 26% do abastecimento de gás na Lituânia era proveniente da Rússia, 62% do terminal de gás natural de Klaipeda e 12% vinha de um reservatório da vizinha Letónia.
As restantes repúblicas do Báltico acompanharam a tendência logo na semana seguinte. Na altura, Uldis Bariss, presidente do conselho de administração da operadora do sistema de gás natural JSC Conexus Baltic Grid informou, em declarações à Rádio Latvijas, que desde o dia 1 de abril, que o gás russo deixou de entrar na Letónia e Estónia.
“De uma perspetiva de segurança, já não havia confiança”, afirmou Uldis Bariss, explicando que o fornecimento de gás é agora feito principalmente através do terminal de Gás Natural Liquefeito (GNL) do porto lituano de Klaipeda e do depósito de Incukalns na Letónia.
Rússia corta gás a seis países europeus
À medida que se agravava o conflito militar na Ucrânia, que durava, então, há dois meses – resultando na destruição de várias cidades ucranianas e na deslocação de milhões de refugiados – a conversa em torno de um embargo total ao gás também começava a ganhar peso. As ameaças tornaram-se frequentes nas declarações entre os líderes europeus e os representantes do Kremlin não as deixavam passar despercebidas. Semanas mais tarde, a empresa estatal russa Gazprom anunciou ter interrompido o abastecimento de gás à Polónia e à Bulgária devido à falta de pagamento em rublos.
“Cortar o fornecimento de gás é uma violação de contrato e a PGNiG reserva o direito de pedir uma compensação e vai usar todos os meios contratuais e legais para esse efeito”, disse fonte oficial da importadora de gás polaca, nessa altura. No entanto, no dia seguinte, a Gazprom apontava que Varsóvia continuava a adquirir este combustível através da Alemanha, segundo o porta-voz da gigante russa.
“Esta semana, a Polónia recusou-se a pagar os fornecimentos russos ao abrigo do novo decreto, em rublos. Anunciou solenemente que não vai precisar de gás russo e que não o irá comprar, mas, na verdade, não é este o caso”, divulgou Sergey Kupriyanov à Interfax, citado pela agência noticiosa Efe.
O conflito militar continuava a subir de tom em linha com a conversa sobre o alargamento do número de países membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), depois da Finlândia e da Suécia terem entregado os pedidos de adesão à organização. Dias depois, surge a penalização a Helsínquia, com a Gazprom a anunciar ter parado “completamente” de fornecer gás ao país por não ter recebido pagamentos em rublos da companhia energética pública finlandesa Gasum, até à data limite de 20 de maio.
“A Gazprom Export informou a Gasum de que os fornecimentos de gás natural à Finlândia com o contrato de fornecimento da Gasum vão ser cortados”, indicava o comunicado da empresa, que explica que vai fornecer os clientes através de outras fontes, através do gasoduto Balticconnector.
O mesmo aconteceu com a empresa estatal holandesa, GasTerra, que na passada terça-feira viu o abastecimento de gás a ser interrompido. Uma medida que foi aplicada também à dinamarquesa Orsted, no início de junho, por falta de cumprimento do decreto-lei de Vladimir Putin. Ambos os países reconheceram o impacto do corte, mas garantiram que não iria comprometer o abastecimento do país.
E embora a Shell Energy, na Alemanha, tenha ficado impedida de importar gás russo por não querer ceder às exigências do Kremlin, sabe-se que o corte não será geral. É que, de acordo com o Politico, empresas como Uniper, RWE e VNG concordaram em cumprir o decreto russo, seja através do pagamento em moeda local, em euros ou dólares. Isto depois de Bruxelas ter avançado com novas orientações que iriam permitir aos compradores de gás russo a abertura de uma conta no Gazprombank e pagar em euros ou dólares, que serão depois convertidos em rublos pelo banco.
Seis países europeus cumprem as exigências de Putin
A lista poderá aumentar à medida que a União Europeia começa a estudar alternativas para o abastecimento de gás natural antes da chegada dos meses mais frios. Até lá é certo que países como a Hungria (que mantém uma relação próxima com o Kremlin) não terão o fornecimento condicionado. O país liderado por Viktor Orbán assinou um novo contrato de fornecimento de gás, através da empresa estatal MVM, a longo prazo no ano passado, que prevê a entrega de 4,5 mil milhões de metros cúbicos de gás por ano através da Gazprom.
A dependência deverá continuar também na Eslováquia, através da empresa estatal SPP, adianta o Politico. O ministro da Economia do país admitiu que Bratislava depende do gás russo para responder a cerca de 85% da sua procura e, por isso, frisou que o país pagará gás russo em rublos se o tiver que fazer. Embora apoiasse uma posição comum da União Europeia.
O mesmo acontece com a estatal eslovena Geoplin, que irá cumprir as condições impostas pelo Kremlin. Ou com a italiana Eni, que admitiu ter aberto duas contas na Gazprom Bank (uma euros e outra em rublos) por “precaução”, cita o mesmo jornal.
As conversas continuaram também em França, através da Engie, que admitiu ter tomado as medidas “necessárias para cumprir com as suas obrigações de pagamento, desde que esteja em conformidade com a estrutura de sanções europeias”. Já a checa ČEZ anunciou no passado 20 de maio que tinha efetuado pagamentos em euros para a compra do gás russo, mas não avançou detalhes quanto ao procedimento.
E Portugal?
Por cá, a dependência do gás natural russo ronda os 10%, pelo que o Ministério do Ambiente emitiu um comunicado indicando que, em caso de uma “potencial interrupção do fornecimento por parte da Rússia”, isso não fará antever “uma disrupção no fornecimento de gás natural a Portugal”.
Pouco tempo depois do início da invasão russa, a Galp anunciou ter suspendido a compra de produtos petrolíferos de origem russa. Em comunicado, a empresa liderada por Andy Brown repudiou a agressão russa contra o povo da Ucrânia e, por isso, “suspendeu quaisquer novas aquisições de produtos petrolíferos provenientes, quer da Rússia, quer de empresas russas”. Incluindo o gás de petróleo liquefeito (GPL), popularmente conhecido como gás de cozinha, ou o gás natural.
Quanto às quatro importações de gasóleo de vácuo (VGO) que chegaram, entretanto, a Sines com origem russa, a Galp já reconheceu terem sido suas. No entanto, frisou que essas cargas de produtos petrolíferos foram adquiridas na sequência de contratos assinados antes da guerra. No mesmo comunicado, sublinhou os planos já em curso “para obter o VGO através de fornecedores alternativos, ou para operar a refinaria a um ritmo limitado”.
Bruxelas quer acabar com a dependência russa
Para a União Europeia, o objetivo é acabar com a dependência da energia russa sem deixar às escuras os cidadãos e as empresas, mas a transição não acontecerá da noite para o dia, uma vez que Moscovo é o principal fornecedor de gás aos 27 Estados-membros. Em 2021, a UE comprou 155 mil milhões de metros cúbicos de gás à Rússia, o que equivale a 45% das importações e perto de 40% do consumo total conjunto dos 27 Estados-membros, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE).
Mas a meta pode ser difícil de alcançar. Mesmo com algumas nações a cortarem a dependência da energia russa (ou a verem o seu acesso bloqueado pela Gazprom), a receita de petróleo e gás do país poderá ser cerca de 285 mil milhões de dólares este ano (cerca de 265 mil milhões de euros), de acordo com as estimativas da Bloomberg Economics. Este valor ultrapassaria o número de 2021 em mais de um quinto.
No início de abril, o Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros, Josep Borrel, denunciou que União Europeia já tinha pago 35 mil milhões à Rússia para garantir fornecimento de energia ao bloco desde o início da guerra, enquanto que os apoios enviados para a Ucrânia para se defender da ofensiva militar russa rondavam os mil milhões de euros.
Ainda assim, o executivo comunitário mantém a ambição através do REPower EU, que prevê um investimento de de 300 mil milhões de euros para reduzir a dependência europeia da energia importada da Rússia. Entre as medidas propostas está um “mecanismo de aquisição conjunta” de gás natural, gás natural liquefeito (GNL) e hidrogénio, à semelhança do que aconteceu com as vacinas da Covid-19, evitando a concorrência entre os países do bloco. A ambição pretende que até dois terços do gás russo possam ser cortados até ao final deste ano.
O RePowerEU pretende assim acelerar a transição verde e investir maciçamente nas energias renováveis, mas também identificar oportunidades para os cidadãos e indústrias para reduzir o seu consumo de energia.
A Comissão Europeia defende ainda a criação de interconexões para a Península Ibérica, nomeadamente as interligações elétricas transfronteiriças, mas também para transporte de GNL e hidrogénio verde. Um projeto que poderá beneficiar Portugal que poderá assumir o papel de porta de entrada do gás oriundo dos Estados Unidos e de outras geografias.
“Precisamos de acelerar a introdução das interconexões e somos bastante defensores da criação de melhores ligações entre a Península Ibérica e o resto da Europa”, disse o vice-presidente executivo da Comissão Europeia. “Para nós é muito importante [ter interligações de gás], mas também as interconexões elétricas transfronteiriças são importantes e melhorá-las na Península Ibérica, entre a Península Ibérica e a França, é muito urgente e de grande importância”, sublinhou Frans Timmermans.
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