Exclusivo CSM diz que juiz “júnior” ficou com instrução do BES por ser único candidato. Mas, afinal… não foi

Conselho tinha justificado nomeação do juiz Pedro Correia para instrução do BES por ter sido o único candidato ao Ticão. Mas, afinal, houve mais duas juízas, uma delas com 20 anos de experiência.

Afinal, Pedro dos Santos Correia, o juiz “júnior” que ficou a cargo da instrução do BES, não foi o único candidato no último movimento judicial ao Ticão. Mas esta terá sido a justificação dada pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) — o órgão responsável pelos movimentos judiciais e pela distribuição de processos — para a escolha de um magistrado com apenas dois anos de experiência para lidar com o maior processo da Justiça portuguesa, e decidir se Ricardo Salgado e outros arguidos vão ou não a julgamento.

Na lista de candidatos figurava uma magistrada, Marta Menezes, com 20 anos de magistratura. Assim, segundo as pautas do movimento judicial que o ECO/Advocatus consultou, Pedro dos Santos Correia não terá sido, afinal, o único candidato. No movimento judicial datado de setembro deste ano, ficaram colocados no Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) quatro novos juízes: Artur Cordeiro, Marta Menezes, Ana Assunção e Pedro dos Santos Correia. Artur Cordeiro não poderia ser opção visto que, neste momento, está a cumprir o mandato de juiz presidente dos tribunais da comarca de Lisboa. Ana Assunção e Pedro dos Santos Correia estão graduados há apenas dois anos.

Ora, a escolha acabou por recair em Pedro dos Santos Correia. O magistrado está colocado no Ticão desde o último movimento judicial, já deste mês, mas, segundo o Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), para este tribunal só poderão ir juízes com mais de dez anos de carreira. Pedro Correia está longe de os ter. E esse mesmo estatuto também prevê que, sem nenhum candidato com maior antiguidade e que reúna os requisitos concorrer a esse lugar, ficam os juízes que concorrem por ordem da respetiva antiguidade também, embora na condição de interinos. Ora, segundo essa regra, a juíza que se seguia seria a magistrada Marta Maria Gonçalves da Rocha Freire de Menezes, juíza graduada desde 2002.

O próprio CSM admite ao ECO/Advocatus a existência destes candidatos, para além de Pedro Correia, apesar de há duas semanas ter justificado a escolha de Pedro dos Santos Correia por ter sido o único candidato ao Ticão.

Ora, o magistrado – que substituiu Ivo Rosa, juiz desde 1993 – ingressou no Centro de Estudos Judiciários (CEJ), a escola de juízes, em 2018, e só em 2020 deu início ao seu estágio como magistrado, na comarca de Leiria. O ECO consultou o despacho publicado a 23 de Julho de 2020 (nº 7382/2020) que nomeava, à data, os “juízes de direito em regime de estágio do 34º curso normal de formação de magistrados”. Pedro dos Santos Correia ficou colocado nos juízos de Pombal, pertencentes à comarca de Leiria. A 31 de agosto de 2021 – há um ano – no movimento judicial ordinário e por deliberação do plenário Ordinário do Conselho Superior da Magistratura, Pedro Miguel dos Santos Correia, foi colocado no Juízo de competência genérica de Celorico da Beira, um tribunal onde nunca foi decidido um processo de criminalidade económica complexa.

Agora, neste último movimento, “no caso concreto do TCIC (Ticão), o fator atendível de afetação dos três senhores juízes auxiliares foi, por ordem decrescente de preferência, a classificação de serviço e a antiguidade“, explica fonte oficial do CSM ao ECO/Advocatus. “Assim, a Sra. Juíza Marta Menezes preferiu o lugar de J7; a Sra. Juíza Ana Assunção preferiu o lugar de J3; e o Sr. Juiz Pedro Miguel dos Santos foi afeto ao lugar de J2”.

A verdade é que, segundo o próprio CSM explicou ao ECO, atualmente existem 12 magistrados afetos ao Ticão, alguns com muitos anos de experiência. Mas o CSM achou por bem colocar à frente do BES um dos juízes com menos currículo.

Quem são então os magistrados atualmente no Ticão?

  • Carlos Manuel Lopes Alexandre – graduado em 1987;
  • Artur José Carvalho de Almeida Cordeiro – graduado em 1999 mas em comissão de serviços na gestão da comarca de Lisboa desde 2021;
  • Ana Cristina de Almeida Gomes Moreira Wallis de Carvalho – graduado em 1997, mas em comissão de serviço na Eurojust desde 2019;
  • João Filipe Pereira Bártolo – graduado em 2001;
  • Cláudia Marina Verdial Pina de Neves Cunha – graduado em 1999, emas em comissão de serviço na Eurojust desde 2021;
  • Luís José Cardoso Ribeiro – graduado em 1998;
  • Anabela Cristina Nunes Rocha – graduado em 1995, mas em comissão de serviço no tribunal de Lisboa Norte desde 2021;
  • Ana Marisa dos Santos Arnêdo – graduado em 1997;
  • Maria Antónia Dias Rodrigues Andrade – graduado em 1996;
  • Marta Maria Gonçalves da Rocha Freire de Menezes – graduado em 2002;
  • Ana Gabriela Lacerda Assunção -graduado em 2020;
  • Pedro Miguel dos Santos Correia –graduado em 2020

O que se segue na instrução?

Agora, perante o regresso à audição de testemunhas da fase instrutória, o novo juiz de instrução, responsável pela instrução do caso BES desde o dia 5 de setembro, vai manter as sessões agendadas para 26 a 30 de setembro – a inquirição de 33 testemunhas – apesar de ainda não ter lido o processo. Ou seja: o magistrado assume que ainda não teve tempo suficiente para analisar o maior processo da Justiça portuguesa (que conta com 186 volumes) mas que, mesmo perante este estado das coisas, não vai deixar de realizar a diligências marcadas para finais de setembro. Assumindo que, depois de ler o mega processo e caso se justifique, possa voltar a reinquirir essas mesmas testemunhas.

Nesse mesmo despacho Pedro Correia faz, inclusive, um desabafo, relativo à dimensão e complexidade do processo. “Mantenha-se em mente que os autos são compostos por 186 volumes, tendo ainda apensos nove procedimentos cautelares de arresto; que a acusação deduzida pelo Ministério Público tem 3654 páginas, versando uma multiplicidade de factos de grande complexidade, quer atento o seu volume, quer atenta a matéria que deles emerge”, escreve o magistrado colocado no conhecido Ticão a 5 de setembro. “O mesmo acontecendo, mutatis mutandis, com os diversos requerimentos de abertura de instrução deduzidos nos autos”. ;

Assumindo assim que “não se mostra possível realizar a análise integral dos autos no espaço de tempo que medeia entre a mencionada tomada de posse e a data de realização das diligências atrás indicadas, importa, por ora, diligenciar pela continuação da tramitação dos autos, mantendo-se as aludidas diligências”, concluiu o magistrado.

Qual a dimensão do processo BES?

O processo BES/GES conta com 30 arguidos (23 pessoas e sete empresas), num total de 361 crimes. Considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro. Segundo o Ministério Público (MP), cuja acusação contabilizou cerca de quatro mil páginas, a derrocada do Grupo Espírito Santo (GES), em 2014, terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.

A figura central desta investigação é Ricardo Salgado, ex-líder do Banco Espírito Santo (BES), acusado de 65 crimes: associação criminosa (um), burla qualificada (29), corrupção ativa (12), branqueamento de capitais (sete), falsificação de documento (nove), infidelidade (cinco) e manipulação de mercado (dois).

É composto por 767 volumes, entre autos principais, arrestos, incidentes de oposição e apensos bancários e 186 volumes de autos principais, processados até à data da distribuição em 687.398 folhas. Mais todos os apensos bancários, de buscas e diversos (mais de duas centenas) e equipamentos informáticos apreendidos. A acusação conta com 3.552 folhas, assinadas por sete procuradores.

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