Ecossistema nacional mostra-se confiante nos reguladores para estancar efeitos colaterais da falência do SVB
Ecossistema reagiu ao colapso do 'banco das startups' num esforço para conter o que temem possa transformar-se num novo Lehman Brothers.
Com “muitos dos clientes” expostos ao turbilhão do norte-americano Silicon Valley Bank (SVB), a Remote decidiu assegurar o pagamento dos salários de março aos seus colaboradores. No ecossistema, outros empreendedores, como o CEO da criadora do ChatGPT, também avançaram que iam apoiar financeiramente as startups impactadas pelo que muitos temem possa vir a transformar-se no Lehman Brothers do ecossistema – apesar de os fundos afastam este cenário.
A decisão da unicórnio com ADN português — que contrata e gere o payroll, entre outras funções, de trabalhadores remotos para outras companhias — de garantir o pagamento dos salários dos colaboradores das empresas clientes afetadas pelo colapso do SVB foi conhecida logo após a instituição financeira, conhecida como o banco das startups, ter sido intervencionado num momento em que muitos empreendedores aguardavam ainda indicações sobre o nível de proteção dos seus depósitos.
“Até final março e, dependendo de certos países, até mais do que março (vamos assegurar o payroll). Temos de garantir a maior estabilidade possível a duas entidades diferentes: às pessoas que estão contratadas através de nós e às pessoas que nos contratam para contratar estas pessoas”, justifica Marcelo Lebre, cofundador Remote, à ECO Pessoas. A unicórnio contrata cerca de 1.000 pessoas em cerca de 80 países.
“Temos neste banco uma vasta maioria de empresas nascentes, startups, scaleups. Mesmo empresas públicas e muitas tecnológicas têm ali grande parte dos seus ativos. E, de um momento para o outro, ficam em insolvência porque todos os seus ativos ficam cativos”, descreve Marcelo Lebre.
Deixar cair o banco “podia apagar de um momento para o outro milhares de empresas que são a base tecnológica do empreendedorismo”. “O impacto que isto teria seria simplesmente devastador”, continua, comparando o potencial efeito com a onda negra gerada na economia mundial com a queda do Lehman Brothers, em 2008.
A lista de empresas com exposição direta ao SVB é longa e não se circunscreve aos EUA, como evidencia a compilação feita pela Reuters. Não era o caso da Remote, mas a unicórnio — que chegou em tempos a ter conta no SVB — tinha “muitos dos clientes” com parte ou totalidade dos seus depósitos no banco.
Esta segunda-feira, a pressão aliviou com o anúncio do Federal Deposit Insurance Corporation (FDCI) de que a totalidade dos depósitos estava garantida. “Felizmente, o FDIC garantiu que os depósitos iam ser honrados. Ou seja, não só os 250 mil dólares [garantidos], como irão repor a totalidade do dinheiro que estava lá depositado. O que não vão garantir é investimentos com base de risco, numa ação que desvalorizou”, refere o chief operating officer da Remote.
Com este anúncio chegou “um alívio brutal” para todas estas empresas que vão poder mexer no seu dinheiro. Alivia a pressão também para a Remote. “De forma geral, começamos já a ter feedback bastante positivo de uma grande parte dos clientes. Em teoria, não há motivo para haver problema”, considera o responsável.
“Na Remote temos uma operação muito grande a nível mundial, um balance sheet muito bem tratado e de boa saúde, que nos permite dar a garantia a estas pessoas de que estamos a aguentar o barco enquanto as pessoas que [as] contratam através de nós resolvem a sua vida”, diz. Ainda assim, reconhece, “durante um bom bocado colocámo-nos na linha de fogo”.
“Foi uma decisão calculada. Pusemo-nos na linha de fogo, mas honestamente gostaríamos que tivessem feito o mesmo por nós. Ou ajudávamos as empresas que conseguem a continuar a operação, fossem eles levantar dinheiro em capital de risco ou tentar vender partes da empresa, ou então estaríamos a assinar a sentença de morte garantida de todas estas empresas”, diz Marcelo Lebre.
Ainda é cedo para ter certezas sobre se as medidas já tomadas irão travar o efeito de contágio. Ainda mais porque há cerca de dez bancos, embora de menor dimensão, impactados pelo ocorrido no SVB. “Ainda não é claro se parou ou não a onda que se estava a gerar”, diz o cofundador, mas “se o banco tivesse simplesmente caído estávamos perante uma recessão global muito pior do que a de 2008”, acrescentou.
Investidores mostram apoio ao ecossistema
A onda de choque gerada gerou movimentações no ecossistema. Conhecido o colapso do banco, vários empreendedores, incluindo Sam Altman, o CEO da OpenAI — empresa por trás do ChatbotGPT — avançaram que iriam apoiar financeiramente as startups afetadas, permitindo-lhes pagar salários até à situação do SVB ser resolvida.
A fintech Brex também anunciou que iriam oferecer linhas de crédito de emergência. Segundo o co-CEO, Henrique Dubugras, receberam mais de 1,5 mil milhões de dólares de pedidos, de cerca de 1.000 empresas só no fim de semana, noticiou a Reuters. Altman da OpenAI terá ainda encorajado os investidores a avançar com fundos de emergência para apoiar as startups.
Os fundos estão também a acompanhar este processo. “Antes de sabermos os detalhes do que levou ao colapso e as respostas da resolução do banco, houve uma preocupação generalizada por parte dos fundos para evitar que as empresas deixassem de ter tesouraria para cumprir as obrigações de curto prazo”, comenta Pedro Ramalho Carlos, partner da Shilling, à ECO Pessoas. “Calculo que, neste momento, a maior preocupação dos fundos estará mais do lado da substituição de linhas crédito de venture debt que existiam no SVB e que poderão estar em risco“, continua.
“Os fundos, por definição, são empresas privadas e, portanto, podem fazer o que quiserem, dentro da legalidade, desde que seja benéfico para os seus investidores, e em linha com a sua tese de investimento”, reage Rita Vilas Boas, quando questionada sobre o que os fundos podem fazer para apoiar as startups a navegar esta fase.
“Agora, se vejo isto como uma oportunidade para os fundos de investimento? Creio que sim, porque podem entrar em startups que de outra forma não poderiam entrar“, considera a business angel. “Veja-se o exemplo do Reino Unido, uma realidade mais próxima de nós. Houve imediatamente um movimento dos fundos de investimentos a comunicar às startups e aos seus fundadores que pedissem ajuda, etc., de forma a não ficarem ‘sem rede'”, diz.
“Com sentido de urgência haverá que lidar com os desafios das startups com presença direta nos mercados impactados, por exemplo com equipas a quem têm de pagar salários e estão com dificuldades em aceder à sua liquidez e usar os mecanismos que dispunha com o SVB – os fundos poderão apoiar as empresas no acesso a financiamento ou, sendo possível, decidir eles próprios providenciar meios temporários às empresas, como rondas internas intermédias ou como empréstimos de curto prazo”, comenta João Pereira, Diretor da Investimento da área de Digital & Tecnologia da Portugal Ventures, à ECO Pessoas. Num outro nível, “os fundos reforçarão a literacia financeira e as boas práticas relacionadas com a relação bancária e a gestão da liquidez, procurando minimizar os riscos associados a eventos inesperados como este do SVB.”
Rita Vilas Boas afasta um cenário à Lehman Brothers no ecossistema. “Embora esta intervenção tenha sido a maior feita pelo governo americano no sistema bancário desde a crise financeira de 2008, as ações foram bastante limitadas comparativamente com o que aconteceu há 15 anos. Não há resgate previsto nem o dinheiro dos contribuintes estará envolvido, conforme afirmou o Presidente Joe Biden no seu discurso de 13 de março”, diz.
A business angel recorda ainda que o braço do SVB no Reino Unido foi vendido esta segunda-feira por uma libra ao HSBC e o negócio garantiu a salvaguarda do dinheiro dos depositantes. “O SVB no Reino Unido tem 3.300 clientes; as startups no Reino Unido empregam 1,8 milhões de pessoas e o ecossistema vale quase 1 trilião de dólares. O SVB UK era o banco de escolha das startups no Reino Unido, e que vimos o governo a agir rapidamente e assim aconteceu”, continua.
O mesmo considera Pedro Ramalho. “O colapso do SVB tem características muito distintas do Lehman Brothers. Basicamente, o SVB (e muitas outras instituições bancárias) foram surpreendidas com o rápido aumento das taxas de juro, que os próprios bancos centrais não previram. Em teoria, o risco é para o sistema financeiro como um todo, e não particularmente para as startups. Porém, as medidas tomadas parecem ser eficazes a mitigar o risco de novos bank runs“, considera o partner da Shilling. “Não me parece que as mudanças no SVB tenham efeito material no ecossistema empreendedor americano, e ainda menos no europeu e português“, argumenta.
“Os mercados financeiros dependem não só de agentes “racionais”, mas também da perceção e expectativas quanto à saúde do sistema. Esta intervenção dos governos e instituições, rápida e decisiva, tem como objetivo suster a perda de confiança. Como todos temos experiência, estes eventos têm a capacidade de impactar fortemente o nível de atividade económica”, comenta João Pereira.
(notícia atualizada às 15h05 com mais informação)
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