Espiões, fraudes, falências milionárias: os escândalos que precipitaram o fim do Credit Suisse
Como uma história de fraudes, negócios ruinosos e histórias de espiões acabou por minar a confiança numa instituição que se tornou demasiado complexa para se governar.
Outrora um dos grandes pilares da finança internacional, ao fim de mais de 160 anos o Credit Suisse acabou “engolido” pelo rival UBS a bem da confiança e da salvaguarda do resto do sistema financeiro mundial. Como é que chegou a este fim dramático?
Na verdade, não faltaram bandeiras vermelhas nos últimos anos numa instituição – umas das 30 consideradas de risco sistémico global – que se tornou demasiado complexa para ser controlada e cuja cultura de risco era, no mínimo, negligente.
Sucessivos escândalos, coimas milionárias, prejuízos históricos com operações financeiras e até casos de espiões, tudo contribuiu para a degradação da reputação e cujos problemas tardaram em ser resolvidos.
No final, foi apanhado pela onda de instabilidade causada pela falência do Silicon Valley Bank nos EUA, e num momento em que procurava arrumar os problemas do passado e virar a página para uma segunda vida. Mas é também a maior vítima da abrupta subida das taxas de juro levada a cabo pelos bancos centrais em todo o mundo, embora deva o seu fim trágico a si próprio.
Desde a anterior crise financeira, as ações do Credit Suisse perderam quase 99% do seu valor, depois de terem sido vendidas no fim de semana por cerca 0,75 francos suíços ao UBS – só hoje perdeu 50% do valor. O negócio do resgate foi feito com desconto, avaliando o Credit Suisse, com mais de 550 mil milhões em ativos, em apenas três mil milhões de dólares, praticamente o mesmo valor do BCP.
Credit Suisse afunda para mínimos
Fonte: Reuters
Foi a solução de urgência que as autoridades helvéticas encontraram para restaurar a confiança no seu sistema financeiro, considerado como um dos mais robustos e seguros do mundo, e cujo descrédito ameaçava alastrar-se à Zona Euro e ao resto do mundo.
Com a queda do SVB a colocar o setor da banca no centro do furacão, a pressão em torno do Credit Suisse – habituado a gerir as fortunas da realeza árabe e dos oligarcas russos – intensificou-se na semana passada depois de o seu principal acionista, o Saudi National Bank, ter afirmado publicamente que não podia investir mais no banco – depois dos quatro mil milhões injetados poucos meses antes.
Só uma boia de salvação de 50 mil milhões lançada pelo banco central salvou a instituição do colapso iminente, enquanto investidores e depositantes tiravam o seu dinheiro de lá, não deixando outra alternativa aos reguladores e governo se não avançarem com resgate do banco.
“Lamento que o Credit Suisse não tenha conseguido dominar as suas próprias dificuldades – essa teria sido a melhor solução. Infelizmente, a perda de confiança dos mercados e dos clientes não pôde mais ser contida”, disse a ministra das Finanças suíça, Karin Keller-Sutter, em conferência de imprensa este domingo.
Da Archegos e Greensill
Há algum tempo que o Credit Suisse procurava mudar de vida, depois dos últimos casos quase terem dado uma machadada final na reputação do banco.
Em março de 2021, a queda da Archegos Capital – por conta de apostas arriscadas nos mercados acionistas – levou o banco a assumir uma perda de mais de 5,5 mil milhões de dólares. E, enquanto ainda geriam esta crise, os responsáveis do banco tiveram de lidar no mês seguinte com o colapso dos fundos Greensill de 10 mil milhões de dólares que ajudava a gerir.
Uma “autópsia” a estes dois escândalos veio apontar as culpas à complexidade, cultura e mecanismo de controlo do banco. O Credit Suisse teve uma “atitude indiferente em relação ao risco” e “falhou em vários momentos para tomar medidas decisivas e urgentes”, concluiu um relatório independente aos casos em relação aos quais o banco prometeu usar como “pontos de viragem” na forma como as coisas passariam a funcionar para o futuro.
Pelo meio, esteve envolvido em mais casos, como da queda frenética da chinesa Luckin Coffee, rival da Starbucks e “cliente de sonho” para o Credit Suisse, que descambou em bolsa depois de se saber que empolou artificialmente as vendas em mais de 300 milhões, e também da Wirecard.
Para ajudar na transformação, o banco chamou António Horta Osório. Seria o homem ideal depois da reestruturação empreendida com sucesso no britânico Lloyds, mas o gestor português acabaria por sair poucos meses depois quando se apercebeu que não havia vontade de mudar a cultura interna, segundo admitiu recentemente – embora, oficialmente, se apontem as razões da saída ao facto de ter violado as regras da quarentena durante a crise pandémica.
Depois dos prejuízos de sete mil milhões em 2022, o objetivo era regressar aos lucros em 2024, já devidamente reestruturado com o corte de milhares de postos de trabalho e a transformação das operações de banco de investimento.
Cinco trimestres de prejuízos milionários
Fonte: Reuters
Espiões e tragédia
Antes dos casos da Archegos e Greensill, o Credit Suisse passou por outras situações embaraçosas – como os casos de espionagem – e outras que acabaram tragicamente, afetando a imagem de um negócio que, mais do que tudo, vive da confiança dos clientes.
Em 2015, descobriu que um gestor da área da banca privada usou um esquema fraudulento durante anos para esconder perdas dos clientes. Acabou condenado em 2018, suicidando-se dois anos depois. Uma investigação independente pedida pelo regulador suíço considerou que o banco cedeu ao mau comportamento do seu funcionário enquanto as coisas deram resultado, apesar de não ter concluído que sabia da fraude.
Mais tarde, em fevereiro de 2020, o então CEO Tidjane Thiam foi forçado a abandonar a liderança do banco na sequência de um caso de espionagem – que veio, a verificar-se depois, não tinha sido uma situação isolada.
O caso começara um ano antes, quando Thiam e Iqbal Khan, que geria a divisão de património e ambicionava liderar o Credit Suisse, se envolveram numa discussão num jantar. Semanas mais tarde, Khan acabou por pedir a demissão depois de ter sido preterido numa promoção dentro do banco, tendo encontrado depois emprego no rival UBS. A mudança causou apreensão no Credit Suisse, que mandou vigiar o antigo funcionário. Numa deslocação à baixa da cidade de Zurique, Iqbal Khan confrontou um dos investigadores privados que o seguia, expondo o caso.
Cinco outros casos de vigilância foram detetados entre 2016 e 2019, de acordo com uma investigação feita na sequência do caso Khan.
Por conta dos casos de espionagem e também por financiamento corrupto a Moçambique, o banco foi condenado a multas de mais de 500 milhões de dólares pelos reguladores do Reino Unido e dos EUA.
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Agora, com a absorção pelo UBS, ficam as dúvidas se estas práticas e casos foram definitivamente eliminados, embora a queda do Credit Suisse possa representar um duro golpe para a estabilidade de um país que fez do setor financeiro uma das suas forças.
“O fim do Credit Suisse é um revés para a marca Suíça. Não havia outra solução”, referiu o antigo vice-governador do Banco Central Europeu, Vítor Constâncio. “A turbulência nos mercados deve ter acabado, assim espero”.
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