Portugal, a “escola de turismo da Europa”? Operadores pedem vistos ágeis e menos impostos para atrair talento
O país precisa de 193 mil pessoas para o setor do turismo. Há que apostar numa política de imigração, vistos ágeis e menos custos do trabalho, dizem os operadores reagindo à estratégia para setor.
Dá emprego a cerca de 300 mil pessoas, gerou receitas de mais de 21 mil milhões de euros no ano passado e estima-se que, nos próximos dez anos, crie 193 mil postos de trabalho. O setor do turismo debate-se também com escassez de talento, com 50 mil ofertas de emprego por preencher. E, para isso, o Governo anunciou uma estratégia para transformar o país no melhor local para estudar e trabalhar em turismo na Europa. Há que “desenvolver uma política de emigração consistente” e “ágil” na atribuição de vistos, criar condições de habitação, mas também soluções que passem pela redução dos custos do trabalho e da carga fiscal, apontam os operadores.
Só no ano passado o turismo gerou mais de 21 mil milhões de euros de receita, mais 15,4% do que em 2019, ano pré-pandemia, e estima-se que este ano haja um aumento de 30% das chegadas de turistas no país, com as exportações a aumentarem 8,6%. Um crescimento que deverá continuar nos próximos anos. “A riqueza relacionada com viagens e turismo deve crescer em média de 3,4% ao ano na próxima década, mais de três vezes a taxa de crescimento de 1,1% da economia portuguesa, podendo atingir mais de 50 mil milhões de euros até 2032“, apontam os dados do WTTC, citados na “Agenda Profissões do Turismo: 2023-2026.”
Na próxima década prevê-se que sejam criados 193 mil postos de trabalho no turismo nacional, mas este é um setor que se debate com falta de mão-de-obra: “Estima-se que 50 mil vagas de emprego estejam por preencher em Portugal, prevendo-se que nos setores do alojamento e restauração uma em cada oito vagas fiquem por preencher e, no setor da animação turística, um em cada dez anúncios de emprego não tenham quaisquer candidatos“, aponta a “Agenda Profissões do Turismo”.
Há um claro problema de atração e retenção de pessoas. “Se queremos ter trabalhadores é preciso melhorar salários”, apontou Nuno Fazenda, secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, durante a apresentação da estratégia para transformar o país no melhor país da Europa para trabalhar e estudar neste setor.
Estratégia 2023-2026
Aumentar em 10% os profissionais de turismo com ensino secundário e superior – atualmente, cerca de metade tem o ensino básico – em 15%, mais 24 mil, o número de estudantes em todos os níveis de ensino e em 20% o número de trabalhadores no setor, para 350 mil em 2026 – hoje são na ordem dos 287 mil (2022) – são as metas estabelecidas pelo Governo, tendo, para isso, anunciado um conjunto de 20 medidas.
Uma campanha no LinkedIn para valorizar as profissões, um programa de benefícios para os profissionais de turismo (cartão Atlas), um projeto-piloto para as boas práticas laborais, majoração de financiamento de empresas com boas práticas laborais e de formação, a modernização e especialização das escolas de hotelaria e turismo e uma Academia Internacional de Turismo (campus Estoril) — este último é um projeto que vai exigir um investimento na ordem dos 20 milhões de euros — são algumas das iniciativas previstas.
Serão suficientes para contrariar a ‘fuga’ do talento? “São boas medidas se forem implementadas de forma eficaz e ajustada às necessidades do mercado, quer dos agentes do setor, quer dos consumidores, quer das novas gerações que estão a entrar no mercado de trabalho“, considera Margarida Almeida, CEO da Amazing Evolution.
“É necessário que o Governo possa fazer o que estiver ao seu alcance para contribuir para a dignificação e prestígio das profissões do setor, que até há pouco tempo eram consideradas profissões de recurso. Isto é, quem não tinha tirado um curso superior ia trabalhar para um hotel ou para um restaurante, quase como se fosse um trabalho menor”, continua a responsável. “Todos concordamos que a atividade que mais contribui para aumentar as previsões de crescimento do país do Banco de Portugal tem de ser uma atividade também atrativa para quem nela trabalha. E, nesse sentido, fazia falta uma estratégia para mudar esse erróneo paradigma”, considera a CEO da rede com 20 hotéis em operação, dez em desenvolvimento, 40 colaboradores e 700 pessoas sob gestão nas diferentes unidades do portefólio.
Quase um terço dos trabalhadores (27%) diz querer abandonar a área profissional em que se encontra no setor devido salários baixos, horários pouco flexíveis e fraca progressão na carreira, aponta um estudo realizado pela Universidade de Aveiro.
E, apesar da evolução (+26%) registada desde 2015, a remuneração média nos setores do alojamento, restauração e similares é, aproximadamente, 34% inferior à remuneração média bruta do total da economia. Em média, ganham 938 euros/brutos face aos 1.411 euros da média da economia global. Atualmente, cerca de 60% tem contrato permanente, uma taxa de precariedade de 40%, bem acima dos 16% em outros setores, apontou a ministra do Trabalho Ana Mendes Godinho, durante a apresentação da estratégia para o setor até 2026.
Há um trabalho a ser feito pelas empresas no sentido de melhorar as condições dos colaboradores, mas também será necessário algum trabalho de desmitificar algumas perceções que ainda subsistem de que os salários são inferiores a outros setores e de que há um excesso de carga horária. Hoje, quando comparadas as condições com outros setores com o mesmo tipo de profissões e qualificações, os salários já não são inferiores. E os horários já estão perfeitamente ajustados e dentro de um quadro de normalidade.
“Sendo este setor um dos mais relevantes para a economia nacional, é fundamental que os seus profissionais se sintam valorizados e compensados”, refere Gonçalo Rebelo de Almeida, CEO da Vila Galé. “Há um trabalho a ser feito pelas empresas no sentido de melhorar as condições dos colaboradores, mas também será necessário algum trabalho de desmitificar algumas perceções que ainda subsistem de que os salários são inferiores a outros setores e de que há um excesso de carga horária. Hoje, quando comparadas as condições com outros setores com o mesmo tipo de profissões e qualificações, os salários já não são inferiores. E os horários já estão perfeitamente ajustados e dentro de um quadro de normalidade”, considera o gestor.
O grupo, com 28 hotéis e 1.750 colaboradores em Portugal e 2.000 no Brasil, fez este ano aumentos médios de 11% nos salários, tendo subido o salário mínimo praticado no grupo para 900 euros, “num investimento de 4,5 milhões de euros, para, progressivamente, ir subindo o vencimento médio”.
Políticas de atração e retenção de talento que não se ficam por aqui. A Vila Galé “tem procurado, anualmente, melhorar as condições de trabalho das suas equipas com novos planos de carreira, retribuições – não só a nível salarial, mas também em descontos que podem chegar a 65% nos serviços do grupo, seguro de saúde, prémios de produtividade, distribuição de resultados – e uma forte aposta na componente de formação, permitindo enquadrar colaboradores que vem de outros setores, sem formação.” E tem ainda desenvolvido vários “programas de intercâmbios e cross training regionais e também entre Portugal e Brasil.”
Há que atrair talento, mas não apenas o interno, argumenta ainda o gestor do grupo hoteleiro. “Será necessário desenvolver uma política de emigração consistente que seja ágil do ponto de vista da atribuição dos necessários vistos e que consiga garantir depois condições de habitação e transporte para uma correta inserção na sociedade“, considera Gonçalo Rebelo de Almeida, lembrando o problema demográfico na Europa e em Portugal, que tenderá “a agravar-se nos próximos anos”.
“Portugal terá uma posição privilegiada, dadas as boas relações e a facilidade de cooperação para estabelecer acordos especiais com os países de língua oficial portuguesa”, aponta o gestor. “Por outro lado, a longo prazo, penso que deverão também ser retomadas políticas de incentivo à natalidade e apoio a famílias com crianças, para se inverter a tendência de envelhecimento da população”, acrescenta, quando questionado sobre que medidas adicionais poderiam ser tomadas para atrair e reter talento.
O número de trabalhadores estrangeiros em Portugal tem vindo a aumentar. Existem cerca de 630 mil pessoas inscritas na Segurança Social, mas em 2015 eram apenas 100 mil. E, desde outubro do ano passado, já existem novos vistos de trabalho para trabalhadores extracomunitários, visando com isso atrair o talento para dar energia à economia do país e do turismo.
37% dos trabalhadores com ensino secundário
À falta de pessoas, acresce o problema das qualificações. Mais de um terço (37%) dos trabalhadores tem o ensino secundário e pós secundário e apenas 14% tem o ensino superior. O Governo quer, até 2026, aumentar em 15%, ou seja, mais 24 mil, o número de estudantes em todos os níveis de ensino. O objetivo? Transformar o país na “escola de turismo da Europa”, aponta Nuno Fazenda.
Sendo ainda uma agenda em construção, será positivo procurar soluções que não se limitem ao turismo mas que passem também pelos custos do trabalho e outros.
“Não me parece que seja por falta de qualidade do processo formativo escolar que existem estudantes insuficientes. Essa escassez tem mais a ver com as limitadas expectativas atrativas na indústria“, considera Jaime Sarmento, diretor de recursos humanos do grupo UIP, que deixa ainda um alerta: “Sendo ainda uma agenda em construção, será positivo procurar soluções que não se limitem ao turismo mas que passem também pelos custos do trabalho e outros”, aponta o DRH do grupo hoteleiro dono do Pine Cliffs Resort ou Hyatt Regency Lisboa, num total de cinco hotéis e um spa e que dá emprego a cerca de mil trabalhadores.
E o mesmo diz Margarida Almeida. “Sendo esta uma atividade que trabalha 24 horas sobre 24 horas, os desafios para a gestão são ainda maiores, pelo que precisamos de mais pessoas e bem remuneradas. De outra forma vamos perdendo cada vez mais recursos. Para contribuir para a contratação de mais pessoas e com melhor remuneração, seria importante que a carga fiscal diminuísse”, aponta a CEO da Amazing Evolution.
Para atrair (e cativar) talento há, não só, que conhecer as características e expectativas das gerações millenial (geração Y) ou pós-millenial (geração Z) e, o “mais difícil, ajustar a indústria, as formas de execução do trabalho e da gestão de carreiras às características e expectativas destas gerações”, argumenta Jaime Sarmento. “Na agenda das medidas, vai-se modernizar a formação de base mas se a indústria, no processo de entrega do seu produto, não se modernizar, a desilusão pós escola vai ser elevada“, continua.
Sendo esta uma atividade que trabalha 24h sobre 24h, os desafios para a gestão são ainda maiores, pelo que precisamos de mais pessoas e bem remuneradas. De outra forma vamos perdendo cada vez mais recursos. Para contribuir para a contratação de mais pessoas e com melhor remuneração, seria importante que a carga fiscal diminuísse.
“Existem disciplinas dentro da indústria onde não se sente a escassez de talento, pois são aqueles que mais têm acompanhado a evolução digital e onde a indústria tem acompanhado a evolução. No entanto, no core da indústria e entrega do produto, essa evolução não se tem verificado ao mesmo ritmo e as duas gerações que menciono, e que serão a base para a atração do talento nos próximos dez anos, não se reveem”, alerta ainda. “Esta é uma indústria onde o worklife balance, que é fundamental para estas gerações, principalmente para a mais jovem, tem que deixar de ser um chavão como é hoje e passar a ser uma realidade com ações concretas“, defende.
E algo com os mesmos contornos defende Margarida Almeida. “O período pós-pandemia alterou algumas expectativas das pessoas, como, por exemplo, o desejo de manter um maior equilíbrio entre a vida profissional e familiar, ter maior flexibilidade de horários, o que faz todo o sentido. A nossa indústria vai ter de se ir adaptando, alterando alguns procedimentos e processos que durante décadas foram dados como adquiridos”, considera a CEO da Amazing Evolution.
Além de a questão salarial ser “muito relevante”, para a gestora não só é importante “a procura pelo equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional, que ganha um peso decisivo na escolha de um novo projeto de trabalho”, como “proporcionar condições para que as pessoas possam evoluir profissionalmente”. Mais, sintetiza, “os benefícios são importantes, mas as pessoas têm de se sentir valorizadas e sentir que, se quiserem, podem progredir.”
O mesmo considera Jaime Sarmento. O grupo, garante, está num processo de ajuste, procurando “casar as necessidades pessoais com as necessidades profissionais” dos colaboradores. E focado em desenvolver as competências de liderança das suas pessoas.
“As organizações normalmente movem excelentes executantes para posições de gestão, sem que os mesmos estejam preparados para serem líderes. As equipas sofrem com essas mudanças pois não ganham um bom líder e perdem um excelente executante. Preparar e desenvolver as pessoas nos momentos certos, assegura o futuro da organização, desenvolve oportunidades de carreira e de sucesso individual, bem como uma cultura de liderança positiva”, conclui.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Portugal, a “escola de turismo da Europa”? Operadores pedem vistos ágeis e menos impostos para atrair talento
{{ noCommentsLabel }}