Sorteio eletrónico dos processos judiciais para decidir que juiz fica responsável passa a ser a regra

Diploma entra em vigor esta quarta-feira, com as regras que ditam que o sorteio será presidido por um juiz, assistido por um oficial de justiça, um magistrado do MP e advogado.

Em agosto de 2021, o Parlamento aprovou as leis que estabeleciam mecanismos de controlo da distribuição eletrónica de processos judiciais, prevendo a presença de um representante da Ordem dos Advogados para assegurar o controlo dessa distribuição.

Um diploma que acabou por ser regulamentado já fora do prazo, porque a tutela atual sublinhou que precisava de alterações. A lei inicial data ainda do mandato de Francisca Van Dunem como ministra da Justiça.

Agora, com as alterações feitas (ou acrescentos), este regime entra finalmente em vigor esta quarta-feira, com as regras que ditam que o sorteio eletrónico de processos passe a ser presidido por um juiz, assistido por um oficial de justiça, um magistrado do Ministério Público e, se possível, por um advogado designado pela Ordem dos Advogados.

“A distribuição é presidida por um juiz, designado pelo presidente do tribunal de comarca e secretariado por um oficial de justiça, com a assistência obrigatória do Ministério Público e, caso seja possível por parte da Ordem dos Advogados, de um advogado designado por esta ordem profissional, todos em sistema de rotatividade diária sempre que, quanto àqueles, a composição do tribunal o permita“, lê-se no diploma publicado em Diário da República no final de março.

Aleatoriedade nos resultados e igualdade na distribuição do serviço foram duas das condições reforçadas no diploma. Esta lei surge após recaírem suspeitas sobre alguns dos sorteios dos processos mais mediáticos da Justiça portuguesa, a maioria atribuídos ao juiz de instrução Carlos Alexandre. Um desses sorteios – relativo ao processo da Operação Marquês, na fase da instrução – encontra-se atualmente em investigação no Ministério Público.

A partir de agora, os processos são distribuídos por todos os juízes do tribunal, ficando sempre a listagem anexa à ata. Caso um processo seja distribuído a um juiz que esteja impedido de intervir, deve ficar “consignada em ata a causa do impedimento que origina a necessidade de fazer nova distribuição por ter sido distribuído a um juiz impedido”. Todas as operações de distribuição são obrigatoriamente documentadas em ata.

Os mandatários judiciais passam agora também a ter acesso à ata das operações de distribuição dos processos referentes às partes que patrocinam, podendo, a todo o tempo, requerer uma fotocópia ou certidão da mesma.

Operação Lex na origem da mudança de regras

Em setembro de 2016, começava a investigação do chamado caso “Operação Lex”. A mesma centrou-se na atividade desenvolvida por três juízes desembargadores do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) que utilizaram tais funções para a obtenção de vantagens indevidas, para si ou para terceiros. Os três magistrados na acusação são Rui Rangel, Fátima Galante e Luís Vaz da Neves. Segundo a Procuradoria-Geral da República, as vantagens obtidas superaram os 1,5 milhões de euros. A acusação deu-se em 2020, um ano antes da aprovação destes dois diplomas.

Rui Rangel, ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, foi expulso da magistratura após estas suspeitas. Está acusado pelos crimes de corrupção passiva para ato ilícito (dois), recebimento indevido de vantagem, abuso de poder (quatro), falsificação de documento (seis), fraude fiscal (seis), usurpação de funções e branqueamento de capitais.

Por sua vez, Luís Vaz das Neves, ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, jubilou-se em 2016 e foi substituído na presidência do TRL por Orlando Nascimento, que também já abandonou o cargo. O Ministério Público acusa Vaz Neves de violar os seus deveres funcionais de isenção e imparcialidade com a ordenação da distribuição manual de processos, permitindo que Rangel obtivesse benefícios económicos ilegítimos. Em causa estão os crimes de corrupção passiva para ato ilícito e dois crimes de abuso de poder.

No banco dos arguidos está também Luís Filipe Vieira, ex-presidente do Benfica, Fernando Pagamim Tavares, ex vice-presidente do Benfica, e Jorge Rodrigues Barroso, advogado e ex-assessor de Vieira. O ex-presidente do Benfica está a ser acusado pelo crime de recebimento indevido de vantagem, em coautoria com Fernando Pagamim Tavares e Jorge Rodrigues Barroso. Em causa está o facto de ter tentado obter informação privilegiada de um processo fiscal que envolvia a empresa do filho. Por decisão conhecida em dezembro passado, os arguidos esperam agora o julgamento.

Magistrados do Ministério Público estão contra

O novo regime eletrónico de distribuição de processos foi pensado para aumentar a transparência, mas os magistrados do Ministério Público avisam que a primeira consequência será o aumento dos atrasos.

“Isso vai obrigar a interromper diligências, julgamentos e o funcionamento normal do tribunal para as pessoas poderem reunir aquela hora para assinar uma ata. Volto a dizer que vão certificar uma coisa para a qual não têm conhecimentos técnicos”, disse Paulo Lona do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.
Os magistrados dizem que vão certificar o funcionamento de um programa informático que não sabem como funciona. O Governo assegura que vai verificar os obstáculos que possam surgir.

“É bastante provável que resultem alguns obstáculos. Alertei para o facto de que trazia maior burocracia. Aquilo que o Governo faz é, somente, cumprir aquilo que a lei da Assembleia da República estabelece. Nada mais do que isso”, referiu Catarina Sarmento e Casto, ministra da Justiça.

Os magistrados pretendem que a lei seja alterada e que até lá fique suspensa a entrada em vigor. Um pedido que teve uma resposta clara por parte da tutela. “Não! Nós vamos pôr em prática a lei da Assembleia da República, foi aliás isso que todos nos pediram e portanto é só isso que estamos a fazer”, respondeu a ministra da Justiça.

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