BRANDS' ECO Ciclo de Conversas #4 – Circularidade do Sistema Alimentar

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  • 14 Junho 2023

A quarta sessão do "Ciclo de Conversas - Rumo à Neutralidade Carbónica 2030", organizada pela CM Porto, teve como tema "Circularidade do Sistema Alimentar". O evento decorreu no Porto Innovation Hub.

O “Ciclo de Conversas – Rumo à Neutralidade Carbónica 2030” é uma iniciativa organizada pela Câmara Municipal do Porto, que conta com 10 sessões de esclarecimento e debate relacionadas com os temas da sustentabilidade, descarbonização e transição climática no contexto da neutralidade carbónica das cidades. A quarta sessão aconteceu na passada quinta-feira, dia 1 de junho, no Porto Innovation Hub, e teve como tema a “Circularidade do Sistema Alimentar”.

Luísa Magalhães, Diretora Executiva da Associação Smart Waste Portugal, foi a moderadora do evento, que contou com a presença de Duarte Torres, Subdiretor da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP); Pedro Rocha, Grower’s Network Weaver da Noocity; Pedro Lago, Diretor de sustentabilidade e economia circular da Sonae MC; e Luís Assunção, Administrador da Porto Ambiente.

Cada um dos oradores teve direito a uma intervenção, seguida de um espaço de debate e de esclarecimento com o público presente.

Na abertura da sessão, Luísa Magalhães começou por fazer um enquadramento da Smart Waste Portugal, uma associação criada em 2015 com o objetivo de criar uma rede de entidades que promove o resíduo como recurso através da investigação e desenvolvimento: “Uma das áreas em que trabalhamos é a do desperdício alimentar, para a qual temos um grupo de trabalho desde 2018. A ideia é tentar trabalhar o tema e obter a informação, mapear o setor, e encontrar soluções de circularidade“.

“Cerca de 1/3 dos alimentos produzidos anualmente a nível mundial são desperdiçados, o que corresponde a 1,3 mil milhões de toneladas de alimentos desperdiçados. Na Europa, 30% dos alimentos comprados não são consumidos. E, além disso, o setor alimentar também produz 1/3 dos gases com efeito de estufa a nível mundial. Temos, por isso, um caminho muito longo a percorrer”, disse.

A sustentabilidade do sistema alimentar

Duarte Torres, Subdiretor da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, trouxe à discussão algumas das questões mais pertinentes relacionadas com a sustentabilidade do sistema alimentar. A sobrepopulação foi o primeiro fator apontado pelo responsável: “Uma das questões que causa uma pressão enorme nos sistemas agroalimentares é o aumento da população. Temos uma previsão de 9 mil milhões de humanos em 2050 e este é um aspeto central”.

Além do elevado número de pessoas no planeta, Duarte Torres apontou, ainda, o aumento do poder de compra como outro dos fatores que afeta o sistema agroalimentar. “O aumento do poder de compra leva a um aumento do consumo de alimentos e, consequentemente, a um aumento no consumo de alimentos de origem animal, que têm um maior impacto no sistema ambiental”, explicou.

De acordo com a abordagem das fronteiras planetárias desenvolvida por um grupo de cientistas sob a liderança de Johan Rockström do Stockholm Resilience Centre e Will Steffen do Australian National University, são definidas fronteiras seguras para a atividade humana dentro de 9 processos específicos para evitar mudanças ambientais perigosas. Essas fronteiras abrangem aspetos como as alterações climáticas, a perda de biodiversidade, a acidificação dos oceanos, a utilização de água doce, entre outros que devem ser mantidos dentro de determinados valores para evitar impactos potencialmente irreversíveis ao nível do sistema terrestre que coloquem em causa a vida da espécie humana no Planeta. Neste âmbito, o subdiretor da FCNAUP abordou um estudo feito por um grupo de investigadores do Stockholm Resilience Centre, que aborda algumas das fronteiras planetárias que podem já ter sido ultrapassadas e outras que ainda poderão vir a ser, caso nada mude na forma de consumo.

“Para alguns domínios, como a disrupção dos ciclos geoquímicos e a perda de biodiversidade, provavelmente já extravasamos essa fronteira e não será possível voltar ao equilíbrio do sistema. A produção de alimentos impacta qualquer um destes domínios, nomeadamente os ciclos biogeoquímicos, no qual o sistema agroalimentar é o principal contribuidor para esta disrupção, que tem a ver com a utilização desregrada de fertilizantes, que são à base de fósforo e de azoto, ou seja, é uma utilização sem critério“, afirmou.

As soluções para este problema, segundo Duarte Torres, passam por três medidas, nomeadamente alterações da dieta, melhoramentos ao nível tecnológico e diminuição do desperdício alimentar: “A alteração da dieta é essencial para diminuir os gases com efeito de estufa, e isso significa reduzir o consumo de carne vermelha para uma vez por semana e de carnes brancas para duas a três vezes por semana. Já nas questões tecnológicas são necessários melhoramentos, como o uso mais eficiente de recursos e uma diminuição do impacto da utilização de terra”.

A agricultura urbana como solução

Por sua vez, Pedro Rocha, Grower’s Network Weaver da Noocity, apresentou um outro tipo de solução que contribui para a descarbonização do setor alimentar, que passa pela agricultura urbana. “A cidade é um espaço com oportunidades para incursões rurais e na qual se podem fazer aproveitamentos de espaços que são improdutivos para introduzir agricultura. Agora, será que essa agricultura tem o objetivo de responder às nossas necessidades alimentares? Certamente responderá em alguma medida, mas ela tem, também, outras funções, como a educação e a sensibilização“, esclareceu.

O responsável da Noocity alertou, ainda, para o facto de que a maior parte das pessoas tem um desconhecimento muito grande de toda a cadeia de valor do sistema alimentar: “O contacto das pessoas com este sistema acontece, na sua grande maioria, na prateleira do supermercado e, neste sentido, a agricultura urbana pode desempenhar aqui um papel muito importante”.

Além disso, o facto de a agricultura urbana ter um circuito de distribuição muito curto também contribui para se atingir os objetivos de neutralidade carbónica. “É preciso perceber que 1/5 das emissões de gases com efeito de estufa do sistema agroalimentar estão associadas ao transporte e, neste sentido, isto pode ajudar”, disse.

Aproximar a produção do consumo é, para Pedro Rocha, uma das soluções a implementar para melhorar a circularidade do sistema alimentar: “É importante trazer a agricultura para mais perto da cidade. Este é aquele tipo de problema em que o poder de mudança está mais nas mãos de cada um do que numa entidade mais central”.

A acrescentar a isso, o responsável também destacou a importância da aposta em inovação e tecnologia, de forma ainovar nos processos, inovar socialmente, e inovar nos modelos de negócio para serem circulares”. “A cidade pode ter um papel muito ativo nesta inovação e desenvolvimento porque pode oferecer mercado, uma vez que é aqui que estão concentradas as empresas e é aqui que está concentrado o poder político. Se a cidade não atuar, nós corremos um grave risco de depois termos insegurança alimentar e ficarmos muito dependentes do exterior“, concluiu.

Como é que setor do retalho pode contribuir?

“Por que é que temos de entrar no tema da sustentabilidade? Por causa da lei, por causa dos investidores, uma vez que, neste momento, ninguém investe em empresas que não tenham um roadmap muito claro para a sustentabilidade, porque queremos atrair os jovens talentos para trabalharem connosco e por causa do consumidor“, começou por dizer Pedro Lago, Diretor de sustentabilidade e economia circular da Sonae MC.

Apesar de ter começado a sua apresentação com as quatro razões que obrigam as empresas a tornarem-se mais sustentáveis, Pedro Lago referiu que é, também, “importante haver um propósito muito claro por parte das próprias empresas” quando encetam este tipo de iniciativas, com vista a tornarem-se mais “verdes”.

Nesse sentido, o responsável da Sonae MC destacou o trabalho que a empresa tem vindo a fazer em toda a sua cadeia de valor: “Como vemos o futuro? Em quatro blocos: futuro dos produtos, do planeta, das pessoas e das comunidades“. Dentro dos produtos, Pedro Lago referiu que a emergência climática, a emergência sobre a biodiversidade e a sobrepopulação obrigam a que se criem formas de produção que respeitem os limites do planeta e uma cadeia de valor justa para todos. Mas, para que isto seja possível, é necessário “influenciar o comportamento dos clientes” e, de acordo com o diretor de sustentabilidade da Sonae MC, isso passa por criar “produtos mais saudáveis e sustentáveis”.

37% dos 267 produtores e associações dos nossos produtores nacionais assinaram uma declaração para a sustentabilidade, que tem um conjunto de princípios para esta produção regenerativa. Até 2030 ambicionamos ter zero de desflorestação. Queremos ter uma oferta responsável e, exemplo disso, é que já temos até pequenas hortas em algumas lojas piloto para as pessoas recolherem os seus próprios produtos. Não que isto seja a solução, mas ajuda na tal consciencialização e sensibilização dos clientes”, explicou.

Outras das medidas implementadas pela Sonae MC estão relacionadas com a redução dos consumos de energia, a eletrificação de vários equipamentos, a instalação de cadeias de frio mais sustentáveis, a produção e compra de energias renováveis e, ainda, a circularidade dos produtos, das embalagens, dos serviços e dos recursos. “Com todas estas medidas, evitamos 54 milhões de euros de desperdício alimentar“, revelou.

Gestão de resíduos alimentares

Mas, apesar das várias medidas para evitar o desperdício alimentar, a verdade é que ele continua a acontecer e, nesse sentido, Luís Assunção, Administrador da Porto Ambiente, destacou o trabalho que Município do Porto tem vindo a desenvolver para fomentar uma maior circularidade da alimentação: “Na promoção de um sistema alimentar mais resiliente, preocupamo-nos em induzir comportamentos e práticas sustentáveis na cidade. O município do Porto tem as hortas comunitárias que, não podendo produzir em grande quantidade, fomentam um comportamento de produção e de proximidade”.

No que diz respeito ao consumo, o responsável garantiu que o Município fomenta “o consumo nos mercados municipais, assim como através da feira de produtos de agricultura biológica no Parque da Cidade”. A somar a estes, iniciativas de aproximação de pequenos produtores através do Good Food Hubs, as redes de restaurantes solidários e algumas iniciativas de sensibilização de restaurantes e cantinas com os programas “Dose certa” e “Embrulha” são exemplos da intervenção municipal. No caso do “Dose certa” o objetivo é apoiar os estabelecimentos na preparação das doses servidas, garantindo a sua qualidade e valor nutricional sem desperdício. Já com o “Embrulha”, a missão é facilitar que os clientes dos restaurantes possam levar consigo o que sobra das refeições que esteja em boas condições para consumo posterior. Só com o “Embrulha”, em 2022, foi evitado o desperdício de 7 toneladas de alimentos.

Ainda assim, mesmo com todas estas iniciativas, a recolha dos excedentes alimentares apresentava-se preponderante para o final de vida de muitos produtos e, com isso em mente, a Porto Ambiente criou o “Projeto Orgânico”: “O setor dos resíduos alimentares não era tratado, era tratado no setor da restauração, mas no setor residencial não existia. Agora temos duas grandes áreas de casas unifamiliares, onde cada habitação tem cinco contentores, que permitem que, diariamente, os locais entreguem os seus resíduos. Depois começamos a pensar o que faríamos no resto da cidade porque não era possível ter recolha porta a porta em zonas densas da cidade, e aqui nasceu o Projeto Orgânico, que colocou um contentor castanho na rua, que permite que todas as pessoas aderentes ao projeto possam despejar no contentor o excedente de alimento”.

Ao todo, o Porto já tem mais de 600 contentores na rua. Mas, até ao final do ano, esperam ter perto de mil contentores distribuídos pela cidade. “Só quem tem cartão de acesso é que consegue colocar lá os seus resíduos, até porque o contentor está fechado. E isso acontece porque, por experiência, sabemos que, se o contentor ficar aberto, ele torna-se um contentor de lixo indiferenciado, então queremos que as pessoas que o usem sejam conscientes“, explicou.

No ano passado, o “Projeto Orgânico” recolheu mais de 10 mil toneladas de excedente de alimento. “Agora, só no mês de maio, atingimos o recorde de 898 toneladas recolhidas, portanto acredito que este ano vamos ultrapassar as 10 mil toneladas. Ainda assim, estamos muito aquém do que é suposto porque o PERSU 2030 diz que nós temos que recolher 60% deste resíduo e nós, neste momento, estamos a meio, a cerca de 30%, portanto ainda temos que caminhar”, concluiu.

Pode, ainda, ouvir a conferência em podcast, aqui:

A quinta sessão do Ciclo de Conversas, dedicada ao tema “O envolvimento da comunidade”, decorre no dia 15 de junho, às 18 horas, no Porto Innovation Hub.

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