Eurodeputados votam contra lei que restaura a natureza, ameaçando Pacto Ecológico Europeu
Tentativa do PPE de rejeitar proposta de Lei de Restauro da natureza na Europa caiu por terra no Parlamento. Lei segue para plenário da Comissão em julho e não é certo que será aprovada.
Os eurodeputados na Comissão de Ambiente, da Saúde Pública e da Segurança Alimentar (ENVI, na sigla em inglês), no Parlamento Europeu, não asseguraram uma maioria para aprovar a Lei do Restauro do Ambiente, uma das peças chave do Pacto Ecológico Europeu.
A legislação, que visa inverter a perda de biodiversidade através da reabilitação das zonas terrestres e marítimas degradadas da Europa, foi chumbada, esta manhã, com um empate de 44 votos. Isto acontece depois de na última reunião do Comité de Ambiente do Conselho Europeu, a 20 de junho, a proposta ter sido aprovada mas com emendas do Partido Popular Europeu (PPE), que a tornavam menos ambiciosa. Isto porque as emendas ou deixavam de ser vinculativas ou davam mais flexibilidade aos Estados-membros.
Com esta rejeição na comissão do Parlamento Europeu, as emendas aprovadas são anuladas e a versão original da Lei do Restauro da Natureza do executivo comunitário segue para debate em plenário na Comissão Europeia (CE), no próximo dia 11 de julho. Nessa altura, serão apresentadas e discutidas novas emendas à proposta do executivo comunitário.
“Temos uma oportunidade de pedir mais ambição em plenário“, defende Sara Cerdas, eurodeputada portuguesa do Partido Socialista que faz parte da Comissão de Ambiente, ao Capital Verde, revelando que a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas vai apresentar várias emendas, entre elas, uma que visa aumentar de 20% para 30% as áreas de terra e de mar da União Europeia que devem ser alvo de restauro, até 2030.
“Temos duas semanas e é isso que vamos pedir“, defende. E atira: “Agora basta perceber a que lado pertence o PSD e CDS: se é o lado do negacionismo da consequência das alterações climáticas ou se da parte da ação climática“.
Em causa está o que a eurodeputada considera ser uma “campanha de desinformação” liderada pelo PPE — onde se integram o PSD e CDS — e que visa rejeitar a proposta “verde” da Comissão Europeia. O PPE, aliado aos grupos de extrema-direita, aos liberais do Renew Europe e às grandes associações agrícolas (Copa-Cogeca) são contra a proposta de Lei do Restauro da Natureza, defendida pelas famílias dos Socialistas e Democratas (inclui o PS), Verdes e The Left (que integra os eurodeputados do PCP e BE) e pelas associações ambientalistas.
O PPE (o maior grupo do PE) e os seus aliados descrevem a lei como um caso de “boa conceção, mas com más intenções”, dizendo que os seus objetivos, juridicamente vinculativos, para reabilitar áreas de terra vão perturbar as cadeias de abastecimento, diminuir a produção de alimentos e aumentar os preços para os consumidores comuns.
Além disso, acrescenta a eurodeputada portuguesa do PPE, Lídia Pereira, a proposta irá contribuir para um aumento da pegada ambiental global, provocar um aumento das importações de países sem as mesmas exigências ambientais e sociais e reduzir a competitividade das empresas europeias. “O PPE está a favor da restauração da natureza mas está contra esta proposta de lei da Comissão, que consideramos que na verdade não protege, não conserva a natureza“, salienta a mesma ao Capital Verde.
Mas, para Sara Cerdas, esse é um argumento assente em desinformação. “O setor da agricultura ou da floresta não sai afetado com esta lei. É uma lei de restauro da natureza, há inúmeros benefícios para os agricultores. Sem ecossistemas, habitats, e biodiversidade não conseguimos assegurar a segurança alimentar“, contrapõe.
Os opositores argumentam ainda que a lei “trará prejuízos ao setor agrícola”. Mas segundo a associação Associação Natureza Portugal/World Wide Fund (ANP/WWF), “o que a ciência e também muitos agricultores dizem é que a agricultura é uma das atividades que mais depende do bom funcionamento e equilíbrio dos ecossistemas, pois depende da água, do solo e da polinização“, argumenta Bianca Mattos, Técnica de Políticas da associação. “Apostar no restauro da natureza é a única forma de conseguirmos atingir a meta do Acordo de Paris”, frisa.
Segundo a responsável, o facto de as áreas propostas serem alvo de restauro “não impede que nelas se possam desenvolver atividades económicas” e argumenta existirem “várias atividades compatíveis”, a depender da atividade e das características da área.
“O que talvez seja mais importante de ser destacado é que todas essas atividades, sem exceção, dependem dos serviços ecossistémicos para continuar a existir. Portanto, talvez a pergunta certa a ser respondida é: como (e por quanto tempo) a pesca, a agricultura e outras atividades que dependem dos ecossistemas continuarão a existir sem o restauro da natureza?“, questiona a ambientalista.
80% dos habitats europeus estão num estado de conservação mau ou pobre e 70% do solo europeu não é saudável. Entre 1997 e 2011, a perda de biodiversidade foi responsável por um prejuízo anual estimado em 3,5-18,5 biliões de euros.
Mas existe outro ponto que pode condicionar o futuro desta lei: “estamos a um ano de eleições“, realça Sara Cerdas, acusando que “o PPE está à procura de um eleitorado contra a ação climática que lhes dará apoio”. A consideração vai ao encontro da posição de Bianca Mattos, que deixa um alerta: “interesses puramente políticos e individuais colocam em risco a aprovação de uma lei que é essencial para que a Europa cumpra as suas metas climáticas e salvaguarde o futuro da agricultura e das pescas, entre outras atividades”.
Lídia Pereira, no entanto, rejeita a noção de que os esforços do PPE para contrariar a proposta da Comissão nada têm a ver com as próximas eleições: “nenhum dos nossos argumentos tem a ver com matérias eleitorais“. “Creio que os prejuízos materiais e humanos e o risco de vida dos portugueses devem estar acima de cálculos eleitorais”, refuta a eurodeputada.
Para a eurodeputada portuguesa, o PPE é claro na posição que defende: “o que pretendemos é exatamente uma nova proposta da Comissão” exigindo que o executivo apresente uma “que não aumente os riscos ambientais, sociais e económicos dos portugueses”.
A lei apresentada por Ursula von der Leyen, em 2022, quer responder aos problemas dos ecossistemas. Ao todo, estima a Comissão, 80% dos habitats europeus estão num estado de conservação mau ou pobre e 70% do solo europeu não é saudável. Assim, o executivo comunitário propôs restaurar 20% das áreas terrestres e marítimas, até 2030, e reduzir em 50% do uso de pesticidas químicos até 2030, banindo o seu uso em “áreas sensíveis” tais como as protegidas e as áreas verdes urbanas. Além disso, a Comissão Europeia propõe que sejam alocados esforços para inverter o declínio das populações de polinizadores até ao final da década e um aumento de 5% dos espaços verdes urbanos, até 2050.
Descendo agora para o debate em plenário no Parlamento Europeu, o futuro da Lei do Restauro da Natureza continua incerto. Caso seja aprovada, as três esferas legislativas (CE, PE e Conselho da União Europeia) iniciam os trílogos no segundo semestre deste ano.
“O PPE bloqueou todas as negociações com uma grande campanha de desinformação e agora Manfred Webber [líder do PPE] vai ter que ir a plenário”, aponta Sara Cerdas, frisando que irá manter-se esperançosa que, no final, a lei seja aprovada.
Já Lídia Pereira não indica qual será seu o sentido de voto, nem o do PPE, na próxima reunião plenária, mas deixa um último apelo a Ursula von der Leyen antes de 11 de julho: “Não basta chamar-lhe Lei do Restauro da Natureza para ser uma boa proposta de Lei. Pedimos à Comissão que reveja esta proposta“.
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